Importa proceder à transposição para o
ordenamento jurídico português da Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento
Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, que tem por objectivo a aproximação das
disposições dos Estados membros da União Europeia sobre certos aspectos da
venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas.
O presente diploma procede a tal transposição através da aprovação de um novo
regime jurídico para a conformidade dos bens móveis com o respectivo contrato
de compra e venda, celebrado entre profissional e vendedor.
O regime jurídico aprovado respeita as exigências da referida Directiva n.º
1999/44/CE. Entre as principais inovações, há que referir a adopção expressa
da noção de conformidade com o contrato, que se presume não verificada sempre
que ocorrer algum dos factos descritos no regime agora aprovado.
É equiparada à falta de conformidade a má instalação da coisa realizada pelo
vendedor ou sob sua responsabilidade, ou resultante de incorrecção das
respectivas instruções.
Para a determinação da falta de conformidade com o contrato releva o momento
da entrega da coisa ao consumidor, prevendo-se, porém, que as faltas de
conformidade que se manifestem num prazo de dois ou cinco anos a contar da
data de entrega de coisa móvel ou de coisa imóvel, respectivamente, se
consideram já existentes nessa data.
Preocupação central que se procurou ter sempre em vista foi a de evitar que a
transposição da directiva pudesse ter como consequência a diminuição do nível
de protecção já hoje reconhecido entre nós ao consumidor. Assim, as soluções
actualmente previstas na Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, mantêm-se,
designadamente o conjunto de direitos reconhecidos ao comprador em caso de
existência de defeitos na coisa.
No que diz respeito aos prazos, prevê-se um prazo de garantia, que é o lapso
de tempo durante o qual, manifestando-se alguma falta de conformidade, poderá
o consumidor exercer os direitos que lhe são reconhecidos. Tal prazo é fixado
em dois e cinco anos a contar da recepção da coisa pelo consumidor, consoante
a coisa vendida seja móvel ou imóvel. Mantém-se a obrigação do consumidor de
denunciar o defeito ao vendedor, alterando-se o prazo de denúncia para dois
meses a contar do conhecimento, no caso de venda de coisa móvel.
Este regime de protecção do consumidor mantém-se imperativo, permitindo-se,
porém, que, em caso de venda de coisa móvel usada ao consumidor, o prazo de
dois anos seja reduzido a um ano por acordo das partes.
Adoptam-se, ainda, pela primeira vez, medidas jurídicas relativas às
«garantias» voluntariamente oferecidas pelo vendedor, pelo fabricante ou por
qualquer intermediário, no sentido de reembolsar o preço pago, substituir,
reparar ou ocupar-se de qualquer modo da coisa defeituosa, estabelecendo-se o
efeito vinculativo de tais declarações.
Inovação bastante significativa consiste na consagração da responsabilidade
directa do produtor perante o consumidor, pela reparação ou substituição de
coisa defeituosa. Trata-se, nesta solução, tão-só de estender ao domínio da
qualidade a responsabilidade do produtor pelos defeitos de segurança, já hoje
prevista no Decreto-Lei n.º 383/89, de 6 de Novembro, com um regime de
protecção do comprador que já existe em vários países europeus e para que a
directiva que ora se transpõe também já aponta.
Por último, atribui-se ao profissional que tenha satisfeito ao consumidor um
dos direitos previstos em caso de falta de conformidade da coisa com o
contrato (bem como à pessoa contra quem foi exercido o direito de regresso) o
direito de regresso contra o profissional que lhe vendeu a coisa, por todos
os prejuízos causados pelo exercício daqueles direitos. Tal direito de
regresso só poderá ser excluído ou limitado antecipadamente desde que seja
atribuída ao seu titular compensação adequada.
Foi ouvido o Conselho Nacional do Consumo.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo
decreta, para valer como lei geral da República, o seguinte:
Artigo 1.º
Objectivo e âmbito de aplicação
1 - O presente diploma
procede à transposição para o direito interno da Directiva n.º 1999/44/CE, do
Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, relativa a certos aspectos
da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a
assegurar a protecção dos interesses dos consumidores, tal como definidos no
n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho.
2 - O presente diploma é aplicável, com as necessárias adaptações,
aos contratos de fornecimento de bens de consumo a fabricar ou a produzir e
de locação de bens de consumo.
Artigo 2.º
Conformidade com o contrato
1 - O vendedor tem o
dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de
compra e venda.
2 - Presume-se que os bens de consumo não são conformes com
o contrato se se verificar algum dos seguintes factos:
a) Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor
ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao
consumidor como amostra ou modelo;
b) Não serem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os
destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que
o mesmo tenha aceitado;
c) Não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens
do mesmo tipo;
d) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens
do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à
natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas
características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu
representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.
3 - Não se considera existir falta de conformidade, na
acepção do presente artigo, se, no momento em que for celebrado o contrato, o
consumidor tiver conhecimento dessa falta de conformidade ou não puder
razoavelmente ignorá-la ou se esta decorrer dos materiais fornecidos pelo
consumidor.
4 - A falta de conformidade resultante de má instalação do
bem de consumo é equiparada a uma falta de conformidade do bem, quando a
instalação fizer parte do contrato de compra e venda e tiver sido efectuada
pelo vendedor, ou sob sua responsabilidade, ou quando o produto, que se prevê
que seja instalado pelo consumidor, for instalado pelo consumidor e a má
instalação se dever a incorrecções existentes nas instruções de montagem.
Artigo 3.º
Entrega do bem
1 - O vendedor responde
perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento
em que o bem lhe é entregue.
2 - As faltas de conformidade que se manifestem num prazo de
dois ou de cinco anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou
de coisa imóvel, respectivamente, presumem-se existentes já nessa data, salvo
quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características
da falta de conformidade.
Artigo 4.º
Direitos do consumidor
1 - Em caso de falta de
conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja
reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução
adequada do preço ou à resolução do contrato.
2 - A reparação ou substituição devem ser realizadas dentro
de um prazo razoável, e sem grave inconveniente para o consumidor, tendo em
conta a natureza do bem e o fim a que o consumidor o destina.
3 - A expressão «sem encargos», utilizada no n.º 1,
reporta-se às despesas necessárias para repor o bem em conformidade com o
contrato, incluindo, designadamente, as despesas de transporte, de
mão-de-obra e material.
4 - Os direitos de resolução do contrato e de redução do
preço podem ser exercidos mesmo que a coisa tenha perecido ou se tenha
deteriorado por motivo não imputável ao comprador.
5 - O consumidor pode exercer qualquer dos direitos
referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou
constituir abuso de direito, nos termos gerais.
Artigo 5.º
Prazos
1 - O comprador pode
exercer os direitos previstos no artigo anterior quando a falta de
conformidade se manifestar dentro de um prazo de dois ou cinco anos a contar
da entrega do bem, consoante se trate, respectivamente, de coisa móvel ou
imóvel.
2 - Tratando-se de coisa móvel usada, o prazo previsto no
número anterior pode ser reduzido a um ano, por acordo das partes.
3 - Para exercer os seus direitos, o consumidor deve
denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso
se trate de bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da
data em que a tenha detectado.
4 - Os direitos conferidos ao consumidor nos termos do n.º 1
do artigo 4.º caducam findo qualquer dos prazos referidos nos números
anteriores sem que o consumidor tenha feito a denúncia, ou decorridos sobre
esta seis meses.
5 - O decurso dos prazos suspende-se durante o período de
tempo em que o consumidor se achar privado do uso dos bens em virtude das
operações de reparação da coisa.
Artigo 6.º
Responsabilidade directa do produtor
1 - Sem prejuízo dos
direitos que lhe assistem perante o vendedor, pode o consumidor que tenha
adquirido coisa defeituosa optar por exigir do produtor, à escolha deste, a
sua reparação ou substituição.
2 - O produtor pode opor-se ao exercício dos direitos pelo
consumidor verificando-se qualquer dos seguintes factos:
a) Resultar o defeito exclusivamente de declarações do vendedor
sobre a coisa e sua utilização, ou de má utilização;
b) Não ter colocado a coisa em circulação;
c) Poder considerar-se, tendo em conta as circunstâncias, que o
defeito não existia no momento em que colocou a coisa em circulação;
d) Não ter fabricado a coisa nem para venda nem para qualquer outra
forma de distribuição com fins lucrativos, ou não a ter fabricado ou
distribuído no quadro da sua actividade profissional;
e) Terem decorrido mais de dez anos sobre a colocação da coisa em
circulação.
3 - O representante do produtor na zona de domicílio do
consumidor é solidariamente responsável com o produtor perante o consumidor,
sendo-lhe igualmente aplicável o n.º 2 do presente artigo.
4 - Considera-se produtor, para efeitos do presente diploma,
o fabricante de um bem de consumo, o importador do bem de consumo no
território da Comunidade ou qualquer outra pessoa que se apresente como
produtor através da indicação do seu nome, marca ou outro sinal identificador
no produto.
5 - Considera-se representante do produtor, para o efeito do
n.º 3, qualquer pessoa singular ou colectiva que actue na qualidade de
distribuidor comercial do produtor e ou centro autorizado de serviço
pós-venda, à excepção dos vendedores independentes que actuem apenas na
qualidade de retalhistas.
Artigo 7.º
Direito de regresso
1 - O vendedor que tenha
satisfeito ao consumidor um dos direitos previsto no artigo 4.º bem como a pessoa
contra quem foi exercido o direito de regresso gozam de direito de regresso
contra o profissional a quem adquiriram a coisa, por todos os prejuízos
causados pelo exercício daqueles direitos.
2 - O disposto no n.º 2 do artigo 3.º aproveita também ao
titular do direito de regresso, contando-se o respectivo prazo a partir da
entrega ao consumidor.
3 - O demandado pode afastar o direito de regresso provando
que o defeito não existia quando entregou a coisa ou, se o defeito for
posterior à entrega, que não foi causado por si.
4 - Sem prejuízo do regime das cláusulas contratuais gerais,
o acordo pelo qual se exclua ou limite antecipadamente o exercício do direito
de regresso só produz efeitos se for atribuída ao seu titular uma compensação
adequada.
Artigo 8.º
Exercício do direito de regresso
1 - O profissional pode
exercer o direito de regresso na própria acção interposta pelo consumidor,
aplicando-se com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 2 do artigo
329.º do Código de Processo Civil.
2 - O profissional goza do direito previsto no artigo
anterior durante cinco anos a contar da entrega da coisa pelo profissional
demandado.
3 - O profissional deve exercer o seu direito no prazo de
dois meses a contar da data da satisfação do direito ao consumidor.
4 - O prazo previsto no n.º 2 suspende-se durante o processo
em que o vendedor final seja parte.
Artigo 9.º
Garantias voluntárias
1 - A declaração pela
qual o vendedor, o fabricante ou qualquer intermediário promete reembolsar o
preço pago, substituir, reparar ou ocupar-se de qualquer modo da coisa
defeituosa vincula o seu autor nas condições constantes dela e da
correspondente publicidade.
2 - A declaração de garantia deve ser entregue ao consumidor
por escrito ou em qualquer outro suporte duradouro a que aquele tenha acesso.
3 - A garantia, que deve ser redigida de forma clara e
concisa na língua portuguesa, conterá as seguintes menções:
a) Declaração de que o consumidor goza dos direitos previstos no
presente diploma e de que tais direitos não são afectados pela garantia;
b) Condições para atribuição dos benefícios previstos;
c) Benefícios que a garantia atribui ao consumidor;
d) Duração e âmbito espacial da garantia;
e) Firma ou nome e endereço postal, ou, se for o caso, electrónico,
do autor da garantia que pode ser utilizado para o exercício desta.
4 - Salvo declaração em contrário, os direitos resultantes
da garantia transmitem-se para o adquirente da coisa.
5 - A violação do disposto nos n.os 2 e 3 do presente artigo
não afecta a validade da garantia, podendo o consumidor continuar a invocá-la
e a exigir a sua aplicação.
Artigo 10.º
Imperatividade
1 - Sem prejuízo do
regime das cláusulas contratuais gerais, é nulo o acordo ou cláusula
contratual pelo qual antes da denúncia da falta de conformidade ao vendedor
se excluam ou limitem os direitos do consumidor previstos no presente
diploma.
2 - É aplicável à nulidade prevista no número anterior o
disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 16.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho.
Artigo 11.º
Limitação da escolha de lei
Se o contrato de compra e venda celebrado entre profissional e consumidor
apresentar ligação estreita ao território dos Estados membros da União
Europeia, a escolha, para reger o contrato, de uma lei de um Estado não
membro que se revele menos favorável ao consumidor não lhe retira os direitos
atribuídos pelo presente decreto-lei.
Artigo 12.º
Acções de informação
O Instituto do Consumidor promoverá acções destinadas a informar, e
incentivará as organizações profissionais a informarem, os consumidores dos
direitos que para eles resultam do presente diploma.
Artigo 13.º
Alterações à Lei de Defesa dos Consumidores
Os artigos 4.º e 12.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, passam a ter a
seguinte redacção:
«Artigo 4.º
Direito à qualidade dos bens e serviços
Os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins
a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as
normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às
legítimas expectativas do consumidor.
Artigo 12.º
Direito à reparação de danos
1 - O consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não
patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços
defeituosos.
2 - O produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos
causados por defeitos de produtos que coloque no mercado, nos termos da lei.»
Artigo 14.º
Entrada em vigor
1 - O presente diploma
entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, sem prejuízo do disposto
no n.º 2.
2 - As normas previstas no artigo 9.º entram em vigor 90
dias após a publicação deste diploma.
Visto e aprovado em Conselho de
Ministros de 20 de Fevereiro de 2003. - José Manuel Durão Barroso - António
Manuel de Mendonça Martins da Cruz - Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona -
José Luís Fazenda Arnaut Duarte - Carlos Manuel Tavares da Silva.
Promulgado em 20 de Março de 2003.
Publique-se.
O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendado em 25 de Março de 2003.
O Primeiro-Ministro, José Manuel Durão Barroso.
rathenau.com2004
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