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2004
CÓDIGO CIVIL PORTUGUÊS
DECRETO-LEI Nº 47 344,
de 25 de Novembro de 1966
Usando da faculdade conferida pela 1ª parte do nº 2º do artigo 109º da
Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1º (Aprovação do Código Civil)
É aprovado o Código Civil que faz parte do presente decreto-lei.
Artigo 2º (Começo de vigência)
1. O Código Civil entra em vigor no continente e ilhas adjacentes no dia 1
de Junho de 1967, à excepção do disposto nos artigos 1841º a 1850º, que
começará a vigorar somente em 1 de Janeiro de 1968.
2. O código não é, porém, aplicável às acções que estejam pendentes nos
tribunais no dia da sua entrada em vigor, salvo o disposto nos artigos 17º e
21º do presente decreto-lei.
Artigo 3º (Revogação do direito anterior)
Desde que principie a vigorar o novo Código Civil, fica revogada toda a
legislação civil relativa às matérias que esse diploma abrange, com ressalva da
legislação especial a que se faça expressa referência.
Artigo 4º (Remissões para o Código de 1867)
Todas as remissões feitas em diplomas legislativos para o Código Civil de
1867 consideram-se feitas para as disposições correspondentes do novo código.
Artigo 5º (Aplicação no tempo)
A aplicação das disposições do novo código a factos passados fica
subordinada às regras do artigo 12º do mesmo diploma, com as modificações e os
esclarecimentos constantes dos artigos seguintes.
Artigo 6º (Pessoas colectivas)
As disposições dos artigos 157º a 194º do novo Código Civil não prejudicam
as normas de direito público contidas em leis administrativas.
Artigo 7º (Interdições)
Os dementes, surdos-mudos ou pródigos que tenham sido total ou parcialmente
interditos do exercício de direitos, ou venham a sê-lo em acções pendentes,
mantêm o grau de incapacidade que lhes tiver sido ou vier a ser fixado na
sentença ou que resultar da lei anterior.
Artigo 8º (Privilégios creditórios e hipotecas legais)
1. Não são reconhecidos para o futuro, salvo em acções pendentes, os
privilégios e hipotecas legais que não sejam concedidos no novo Código Civil,
mesmo quando conferidos em legislação especial.
2. Exceptuam-se os privilégios e hipotecas legais concedidos ao Estado ou a
outras pessoas colectivas públicas, quando se não destinem à garantia de
débitos fiscais.
Artigo 9º (Sociedades universais e familiares)
Às sociedades universais e familiares constituídas até 31 de Maio de 1967
serão aplicáveis, até à sua extinção, respectivamente, as disposições dos
artigos 1243º a 1248º e 1281º a 1297º do Código Civil de 1867.
Artigo 10º (Arrendamentos em Lisboa e Porto)
Enquanto não for revista a situação criada em Lisboa e Porto pela suspensão
das avaliações fiscais para o efeito da actualização de rendas dos prédios
destinados a habitação, mantém-se o regime excepcional da Lei nº 2030, de 22 de
Junho de 1948, quanto a esses arrendamentos.
Artigo 11º (Parceria agrícola)
Ao contrato de parceria agrícola são aplicáveis, para o futuro, as
disposições que regulam o arrendamento rural.
Artigo 12º (Foros do Estado)
Na determinação do quantitativo do laudémio nos foros do Estado, para
efeitos do disposto no artigo 1517º do novo Código Civil, atender-se-á ao valor
dos respectivos prédios que resulte da matriz.
Artigo 13º (Anulação do casamento)
1. Os casamentos civis celebrados até 31 de Maio de 1967 não podem ser
declarados nulos ou anulados, se para tal não houver fundamento reconhecido
tanto pela lei antiga como pela nova lei civil, a não ser que já esteja
pendente, naquela data, a respectiva acção.
2. O disposto nos artigos 1639º a 1646º do novo código é aplicável às
acções que forem intentadas depois de 31 de Maio de 1967, sem prejuízo do que,
relativamente aos prazos, prescreve o artigo 297º do mesmo diploma.
Artigo 14º (Efeitos do casamento )
O disposto nos artigos 1671º a 1697º do novo código é aplicável aos
casamentos celebrados até 31 de Maio de 1967, mas em caso algum serão anulados
os actos praticados pelos cônjuges na vigência da lei antiga, se em face desta
não estiverem viciados.
Artigo 15º (Regime de bens)
O preceituado nos artigos 1717º a 1752º só é aplicável aos casamentos
celebrados até 31 de Maio de 1967 na medida em que for considerado como
interpretativo do direito vigente, salvo pelo que respeita ao nº 2 do artigo
1739º.
Artigo 16º (Doações para casamento e entre casados. Separação e divórcio)
1. Sem prejuízo da regra estabelecida no nº 2 do artigo 2º deste
decreto-lei, são aplicáveis aos casamentos celebrados até 31 de Maio de 1967 as
disposições do novo Código Civil relativas à caducidade das doações para
casamento, às doações entre casados, à separação dos cônjuges ou dos seus bens
e ao divórcio.
2. Não pode, no entanto, ser decretada a separação judicial de pessoas e
bens ou o divórcio de cônjuges casados até 31 de Maio de 1967 com fundamento em
facto que não seja relevante segundo a lei vigente à data da sua verificação.
Artigo 17º (Conversão da separação em divórcio)
O disposto no artigo 1793º é aplicável nas acções pendentes e nos processos
findos à data da entrada em vigor do novo Código Civil.
Artigo 18º (Impugnação da legitimidade)
1. Até 31 de Outubro de 1967 pode o marido da mãe intentar acção de
impugnação da paternidade, com fundamento em qualquer dos factos referidos nas
alíneas c) e d) do artigo 1817º do novo Código Civil, relativamente ao filho
nascido antes da entrada em vigor deste diploma, com prejuízo do disposto no
artigo 1818º.
2. Dentro do mesmo prazo serão recebidos nos tribunais de menores os
requerimentos a que se refere o artigo 1820º, seguindo-se os demais termos da
impugnação oficiosa, desde que o filho tenha menos de catorze anos de idade à
data da apresentação do requerimento.
Artigo 19º (Acções de investigação de maternidade ou paternidade ilegítima)
O facto de se ter esgotado o período a que se refere o nº 1 do artigo 1854º
não impede que as acções de investigação de maternidade ou paternidade
ilegítima sejam propostas até 31 de Maio de 1968, desde que não tenha caducado
antes, em face da legislação anterior, o direito de as propor.
Artigo 20º (Filhos adulterinos)
Os assentos secretos de perfilhação de filhos adulterinos, validamente
lavrados ao abrigo da legislação vigente, tornar-se-ão públicos mediante
averbamento oficioso, sempre que sejam passadas certidões do respectivo registo
de nascimento.
Artigo 21º (Tutela e curatela)
As disposições do novo Código Civil relativas à tutela e à curatela são
aplicáveis às tutelas e curatelas instauradas até 31 de Maio de 1967; porém, os
tutores e os curadores já nomeados manter-se-ão nos seus cargos enquanto deles
não se escusarem ou enquanto não forem removidos ou exonerados.
Artigo 22º (Declaração de nulidade ou anulação de testamento ou de
disposições testamentárias)
Os testamentos anteriores a 31 de Maio de 1967 e as disposições
testamentárias neles contidas só podem ser declarados nulos ou anulados, por
vício substancial ou de forma, se o respectivo fundamento for também
reconhecido pelo novo Código Civil, salvo se a acção já estiver pendente
naquela data.
Artigo 23º (Testamentaria)
As atribuições do testamenteiro são as que lhe forem fixadas pela lei
vigente à data da feitura do testamento.
Publique-se e cumpra-se como nele se contém.
Paços do Governo da República, 25 de Novembro de 1966. - AMÉRICO DEUS
RODRIGUES TOMAZ - António de Oliveira Salazar - António Jorge Martins da Mota
Veiga - Manuel Gomes de Araújo - Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior - João de
Matos Antunes Varela - Ulisses Cruz de Aguiar Cortês - Joaquim da Luz Cunha -
Fernando Quintanilha Mendonça Dias - Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira -
Eduardo de Arantes e Oliveira - Joaquim Moreira da Silva Cunha - Inocêncio
Galvão Teles - José Gonçalo da Cunha Sottomayor Correia de Oliveira - Carlos
Gomes da Silva Ribeiro - José João Gonçalves de Proença - Francisco Pereira
Neto de Carvalho.
Para ser presente à Assembleia Nacional.
CÓDIGO CIVIL
LIVRO I
PARTE GERAL
TÍTULO I
DAS LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO
CAPÍTULO I
Fontes do direito
ARTIGO 1º
(Fontes imediatas)
1. São fontes imediatas do direito as leis e as normas corporativas.
2. Consideram-se leis todas as disposições genéricas provindas dos órgãos
estaduais competentes; são normas corporativas as regras ditadas pelos
organismos representativos das diferentes categorias morais, culturais,
económicas ou profissionais, no domínio das suas atribuições, bem como os
respectivos estatutos e regulamentos internos.
3. As normas corporativas não podem contrariar as disposições legais de
carácter imperativo.
ARTIGO 2º *
(Assentos)
Nos casos declarados na lei, podem os tribunais fixar, por meio de
assentos, doutrina com força obrigatória geral.
* (Revogado pelo Dec.-Lei 329-A/95, de 12-12)
ARTIGO 3º
(Valor jurídico dos usos)
1. Os usos que não forem contrários aos princípios da boa fé são
juridicamente atendíveis quando a lei o determine.
2. As normas corporativas prevalecem sobre os usos.
ARTIGO 4º
(Valor da equidade)
Os tribunais só podem resolver segundo a equidade:
a) Quando haja disposição legal que o permita;
b) Quando haja acordo das partes e a relação jurídica não seja
indisponível;
c) Quando as partes tenham previamente convencionado o recurso à equidade,
nos termos aplicáveis à cláusula compromissória.
CAPÍTULO II
Vigência, interpretação e aplicação das leis
ARTIGO 5º
(Começo da vigência da lei)
1. A lei só se torna obrigatória depois de publicada no jornal oficial.
2. Entre a publicação e a vigência da lei decorrerá o tempo que a própria
lei fixar ou, na falta de fixação, o que for determinado em legislação
especial.
ARTIGO 6º
(Ignorância ou má interpretação da lei)
A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu
cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas.
ARTIGO 7º
(Cessação da vigência da lei)
1. Quando se não destine a ter vigência temporária, a lei só deixa de
vigorar se for revogada por outra lei.
2. A revogação pode resultar de declaração expressa, da incompatibilidade
entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a
nova lei regular toda a matéria da lei anterior.
3. A lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção
inequívoca do legislador.
4. A revogação da lei revogatória não importa o renascimento da lei que
esta revogara.
ARTIGO 8º
(Obrigação de julgar e dever de obediência à lei)
1. O tribunal não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou
obscuridade da lei ou alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio.
2. O dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser
injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo.
3. Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os
casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e
aplicação uniformes do direito.
ARTIGO 9º
(Interpretação da lei)
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a
partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade
do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as
condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento
legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal,
ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o
legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu
pensamento em termos adequados.
ARTIGO 10º
(Integração das lacunas da lei)
1. Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável
aos casos análogos.
2. Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas
da regulamentação do caso previsto na lei.
3. Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o
próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do
sistema.
ARTIGO 11º
(Normas excepcionais)
As normas excepcionais não comportam aplicação analógica, mas admitem
interpretação extensiva.
ARTIGO 12º
(Aplicação das leis no tempo.Princípio geral)
1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia
retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos
factos que a lei se destina a regular.
2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal
de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida,
que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo
de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem,
entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que
subsistam à data da sua entrada em vigor.
ARTIGO 13º
(Aplicação das leis no tempo.Leis interpretativas)
1. A lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos,
porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença
passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de
análoga natureza.
2. A desistência e a confissão não homologadas pelo tribunal podem ser
revogadas pelo desistente ou confitente a quem a lei interpretativa for
favorável.
CAPÍTULO III
Direitos dos estrangeiros e conflitos de leis
SECÇÃO I
Disposições gerais
ARTIGO 14º
(Condição jurídica dos estrangeiros)
1. Os estrangeiros são equiparados aos nacionais quanto ao gozo de direitos
civis, salvo disposição legal em contrário.
2. Não são, porém, reconhecidos aos estrangeiros os direitos que, sendo
atribuídos pelo respectivo Estado aos seus nacionais, o não sejam aos
portugueses em igualdade de circunstâncias.
ARTIGO 15º
(Qualificações)
A competência atribuída a uma lei abrange somente as normas que, pelo seu
conteúdo e pela função que têm nessa lei, integram o regime do instituto visado
na regra de conflitos.
ARTIGO 16º
(Referência à lei estrangeira. Princípio geral)
A referência das normas de conflitos a qualquer lei estrangeira determina
apenas, na falta de preceito em contrário, a aplicação do direito interno dessa
lei.
ARTIGO 17º
(Reenvio para a lei de um terceiro Estado)
1. Se, porém, o direito internacional privado da lei referida pela norma de
conflitos portuguesa remeter para outra legislação e esta se considerar
competente para regular o caso, é o direito interno desta legislação que deve
ser aplicado.
2. Cessa o disposto no número anterior, se a lei referida pela norma de
conflitos portuguesa for a lei pessoal e o interessado residir habitualmente em
território português ou em país cujas normas de conflitos considerem competente
o direito interno do Estado da sua nacionalidade.
3. Ficam, todavia, unicamente sujeitos à regra do nº 1 os casos da tutela e
curatela, relações patrimoniais entre os cônjuges, poder paternal, relações
entre adoptante e adoptado e sucessão por morte, se a lei nacional indicada
pela norma de conflitos devolver para a lei da situação dos bens imóveis e esta
se considerar competente.
ARTIGO 18º
(Reenvio para a lei portuguesa)
1. Se o direito internacional privado da lei designada pela norma de
conflitos devolver para o direito interno português, é este o direito
aplicável.
2. Quando, porém, se trate de matéria compreendida no estatuto pessoal, a
lei portuguesa só é aplicável se o interessado tiver em território português a
sua residência habitual ou se a lei do país desta residência considerar
igualmente competente o direito interno português.
ARTIGO 19º
(Casos em que não é admitido o reenvio)
1. Cessa o disposto nos dois artigos anteriores, quando da aplicação deles
resulte a invalidade ou ineficácia de um negócio jurídico que seria válido ou
eficaz segundo a regra fixada no artigo 16º, ou a ilegitimidade de um estado
que de outro modo seria legítimo.
2. Cessa igualmente o disposto nos mesmos artigos, se a lei estrangeira
tiver sido designada pelos interessados, nos casos em que a designação é
permitida.
ARTIGO 20º
(Ordenamentos jurídicos plurilegislativos)
1. Quando, em razão da nacionalidade de certa pessoa, for competente a lei
de um Estado em que coexistam diferentes sistemas legislativos locais, é o
direito interno desse Estado que fixa em cada caso o sistema aplicável.
2. Na falta de normas de direito interlocal, recorre-se ao direito
internacional privado do mesmo Estado; e, se este não bastar, considera-se como
lei pessoal do interessado a lei da sua residência habitual.
3. Se a legislação competente constituir uma ordem jurídica
territorialmente unitária, mas nela vigorarem diversos sistemas de normas para
diferentes categorias de pessoas, observar-se-á sempre o estabelecido nessa
legislação quanto ao conflito de sistemas.
ARTIGO 21º
(Fraude à lei)
Na aplicação das normas de conflitos são irrelevantes as situações de facto
ou de direito criadas com o intuito fraudulento de evitar a aplicabilidade da
lei que, noutras circunstâncias, seria competente.
ARTIGO 22º
(Ordem pública)
1. Não são aplicáveis os preceitos da lei estrangeira indicados pela norma
de conflitos, quando essa aplicação envolva ofensa dos princípios fundamentais
da ordem pública internacional do Estado português.
2. São aplicáveis, neste caso, as normas mais apropriadas da legislação
estrangeira competente ou, subsidiariamente, as regras do direito interno
português.
ARTIGO 23º
(Interpretação e averiguação do direito estrangeiro)
1. A lei estrangeira é interpretada dentro do sistema a que pertence e de
acordo com as regras interpretativas nele fixadas.
2. Na impossibilidade de averiguar o conteúdo da lei estrangeira aplicável,
recorrer-se-á à lei que for subsidiariamente competente, devendo adoptar-se
igual procedimento sempre que não for possível determinar os elementos de facto
ou de direito de que dependa a designação da lei aplicável.
ARTIGO 24º
(Actos realizados a bordo)
1. Aos actos realizados a bordo de navios ou aeronaves, fora dos portos ou
aeródromos, é aplicável a lei do lugar da respectiva matrícula, sempre que for
competente a lei territorial.
2. Os navios e aeronaves militares consideram-se como parte do território
do Estado a que pertencem.
SECÇÃO II
Normas de conflitos
SUBSECÇÃO I
Âmbito e determinação da lei pessoal
ARTIGO 25º
(Âmbito da lei pessoal)
O estado dos indivíduos, a capacidade das pessoas, as relações de família e
as sucessões por morte são regulados pela lei pessoal dos respectivos sujeitos,
salvas as restrições estabelecidas na presente secção.
ARTIGO 26º
(Início e termo da personalidade jurídica)
1. O início e termo da personalidade jurídica são fixados igualmente pela
lei pessoal de cada indivíduo.
2. Quando certo efeito jurídico depender da sobrevivência de uma a outra
pessoa e estas tiverem leis pessoais diferentes, se as presunções de
sobrevivência dessas leis forem inconciliáveis, é aplicável o disposto no nº 2
do artigo 68º.
ARTIGO 27º
(Direitos de personalidade)
1. Aos direitos de personalidade, no que respeita à sua existência e tutela
e às restrições impostas ao seu exercício, é também aplicável a lei pessoal.
2. O estrangeiro ou apátrida não goza, porém, de qualquer forma de tutela
jurídica que não seja reconhecida na lei portuguesa.
ARTIGO 28º
(Desvios quanto às consequências da incapacidade)
1. O negócio jurídico celebrado em Portugal por pessoa que seja incapaz
segundo a lei pessoal competente não pode ser anulado com fundamento na
incapacidade no caso de a lei interna portuguesa, se fosse aplicável,
considerar essa pessoa como capaz.
2. Esta excepção cessa, quando a outra parte tinha conhecimento da
incapacidade, ou quando o negócio jurídico for unilateral, pertencer ao domínio
do direito da família ou das sucessões ou respeitar à disposição de imóveis
situados no estrangeiro.
3. Se o negócio jurídico for celebrado pelo incapaz em país estrangeiro,
será observada a lei desse país, que consagrar regras idênticas às fixadas nos
números anteriores.
ARTIGO 29º
(Maioridade)
A mudança da lei pessoal não prejudica a maioridade adquirida segundo a lei
pessoal anterior.
ARTIGO 30º
(Tutela e institutos análogos)
À tutela e institutos análogos de protecção aos incapazes é aplicável a lei
pessoal do incapaz.
ARTIGO 31º
(Determinação da lei pessoal)
1. A lei pessoal é a da nacionalidade do indivíduo.
2. São, porém, reconhecidos em Portugal os negócios jurídicos celebrados no
país da residência habitual do declarante, em conformidade com a lei desse
país, desde que esta se considere competente.
ARTIGO 32º
(Apátridas)
1. A lei pessoal do apátrida é a do lugar onde ele tiver a sua residência
habitual ou, sendo menor ou interdito, o seu domicílio legal.
2. Na falta de residência habitual, é aplicável o disposto no nº 2 do
artigo 82º.
ARTIGO 33º
(Pessoas colectivas)
1. A pessoa colectiva tem como lei pessoal a lei do Estado onde se encontra
situada a sede principal e efectiva da sua administração.
2. À lei pessoal compete especialmente regular: a capacidade da pessoa
colectiva; a constitutição, funcionamento e competência dos seus órgãos; os
modos de aquisição e perda da qualidade de associado e os correspondentes
direitos e deveres; a responsabilidade da pessoa colectiva, bem como a dos
respectivos órgãos e membros, perante terceiros; a transformação, dissolução e
extinção da pessoa colectiva.
3. A transferência, de um Estado para outro, da sede da pessoa colectiva
não extingue a personalidade jurídica desta, se nisso convierem as leis de uma
e outra sede.
4. A fusão de entidades com lei pessoal diferente é apreciada em face de
ambas as leis pessoais.
ARTIGO 34º
(Pessoas colectivas internacionais)
A lei pessoal das pessoas colectivas internacionais é a designada na
convenção que as criou ou nos respectivos estatutos e, na falta de designação,
a do país onde estiver a sede principal.
SUBSECÇÃO II
Lei reguladora dos negócios jurídicos
ARTIGO 35º
(Declaração negocial)
1. A perfeição, interpretação e integração da declaração negocial são
reguladas pela lei aplicável à substância do negócio, a qual é igualmente
aplicável à falta e vícios da vontade.
2. O valor de um comportamento como declaração negocial é determinado pela
lei da residência habitual comum do declarante e do destinatário e, na falta
desta, pela lei do lugar onde o comportamento de verificou.
3. O valor do silêncio como meio declaratório é igualmente determinado pela
lei da residência habitual comum e, na falta desta, pela lei do lugar onde a
proposta foi recebida.
ARTIGO 36º
(Forma da declaração)
1. A forma da declaração negocial é regulada pela lei aplicável à
substância do negócio; é, porém, suficiente a observância da lei em vigor no
lugar em que é feita a declaração, salvo se a lei reguladora da substância do
negócio exigir, sob pena de nulidade ou ineficácia, a observância de
determinada forma, ainda que o negócio seja celebrado no estrangeiro.
2. A declaração negocial é ainda formalmente válida se, em vez da forma
prescrita na lei local, tiver sido observada a forma prescrita pelo Estado para
que remete a norma de conflitos daquela lei, sem prejuízo do disposto na última
parte do número anterior.
ARTIGO 37º
(Representação legal)
A representação legal está sujeita à lei reguladora da relação jurídica de
que nasce o poder representativo.
ARTIGO 38º
(Representação orgânica)
A representação da pessoa colectiva por intermédio dos seus órgãos é
regulada pela respectiva lei pessoal.
ARTIGO 39º
(Representação voluntária)
1. A representação voluntária é regulada, quanto à existência, extensão,
modificação, efeitos e extinção dos poderes representativos, pela lei do Estado
em que os poderes são exercidos.
2. Porém, se o representante exercer os poderes representativos em país
diferente daquele que o representado indicou e o facto for conhecido do
terceiro com quem contrate, é aplicável a lei do país da residência habitual do
representado.
3. Se o representante exercer profissionalmente a representação e o facto
for conhecido do terceiro contratante, é aplicável a lei do domicílio
profissional.
4. Quando a representação se refira à disposição ou administração de bens
imóveis, é aplicável a lei do país da situação desses bens.
ARTIGO 40º
(Prescrição e caducidade)
A prescrição e a caducidade são reguladas pela lei aplicável ao direito a
que uma ou outra se refere.
SUBSECÇÃO III
Lei reguladora das obrigações
ARTIGO 41º
(Obrigações provenientes de negócios jurídicos)
1. As obrigações provenientes de negócio jurídico, assim como a própria
substância dele, são reguladas pela lei que os respectivos sujeitos tiverem
designado ou houverem tido em vista.
2. A designação ou referência das partes só pode, todavia, recair sobre lei
cuja aplicabilidade corresponda a um interesse sério dos declarantes ou esteja
em conexão com algum dos elementos do negócio jurídico atendíveis no domínio do
direito internacional privado.
ARTIGO 42º
(Critério supletivo)
1. Na falta de determinação da lei competente, atende-se, nos negócios
jurídicos unilaterais, à lei da residência habitual do declarante e, nos
contratos, à lei da residência habitual comum das partes.
2. Na falta de residência comum, é aplicável, nos contratos gratuitos, a
lei da residência habitual daquele que atribui o benefício e, nos restantes
contratos, a lei do lugar da celebração.
ARTIGO 43º
(Gestão de negócios)
À gestão de negócios é aplicável a lei do lugar em que decorre a principal
actividade do gestor.
ARTIGO 44º
(Enriquecimento sem causa)
O enriquecimento sem causa é regulado pela lei com base na qual se
verificou a transferência do valor patrimonial a favor do enriquecido.
ARTIGO 45º
(Responsabilidade extracontratual)
1. A responsabilidade extracontratual fundada, quer em acto ilícito, quer
no risco ou em qualquer conduta lícita, é regulada pela lei do Estado onde
decorreu a principal actividade causadora do prejuízo; em caso de
responsabilidade por omissão, é aplicável a lei do lugar onde o responsável
deveria ter agido.
2. Se a lei do Estado onde se produziu o efeito lesivo considerar
responsável o agente, mas não o considerar como tal a lei do país onde decorreu
a sua actividade, é aplicável a primeira lei, desde que o agente devesse prever
a produção de um dano, naquele país, como consequência do seu acto ou omissão.
3. Se, porém, o agente e o lesado tiverem a mesma nacionalidade ou, na
falta dela, a mesma residência habitual, e se encontrarem ocasionalmente em
país estrangeiro, a lei aplicável será a da nacionalidade ou a da residência
comum, sem prejuízo das disposições do Estado local que devam ser aplicadas
indistintamente a todas as pessoas.
SUBSECÇÃO IV
Lei reguladora das coisas
ARTIGO 46º
(Direitos reais)
1. O regime da posse, propriedade e demais direitos reais, é definido pela
lei do Estado em cujo território as coisas se encontrem situadas.
2. Em tudo quanto respeita à constituição ou transferência de direitos
reais sobre coisas em trânsito, são estas havidas como situadas no país do
destino.
3. A constituição e transferência de direitos sobre os meios de transportes
submetidos a um regime de matrícula são reguladas pela lei do país onde a
matrícula tiver sido efectuada.
ARTIGO 47º
(Capacidade para constituir direitos reais sobre coisas imóveis ou dispor
deles)
É igualmente definida pela lei da situação da coisa a capacidade para
constituir direitos reais sobre coisas imóveis ou para dispor deles, desde que
essa lei assim o determine; de contrário, é aplicável a lei pessoal.
ARTIGO 48º
(Propriedade intelectual)
1. Os direitos de autor são regulados pela lei do lugar da primeira
publicação da obra e, não estando esta publicada, pela lei pessoal do autor,
sem prejuízo do disposto em legislação especial.
2. A propriedade industrial é regulada pela lei do país da sua criação.
SUBSECÇÃO V
Lei reguladora das relações de família
ARTIGO 49º
(Capacidade para contrair casamento ou celebrar convenções antenupciais)
A capacidade para contrair casamento ou celebrar a convenção antenupcial é
regulada, em relação a cada nubente, pela respectiva lei pessoal, à qual
compete ainda definir o regime da falta e dos vícios da vontade dos
contraentes.
ARTIGO 50º
(Forma do casamento)
A forma do casamento é regulada pela lei do Estado em que o acto é
celebrado, salvo o disposto no artigo seguinte.
ARTIGO 51º
(Desvios)
1. O casamento de dois estrangeiros em Portugal pode ser celebrado segundo
a forma prescrita na lei nacional de qualquer dos contraentes, perante os
respectivos agentes diplomáticos ou consulares, desde que igual competência
seja reconhecida por essa lei aos agentes diplomáticos e consulares
portugueses.
2. O casamento no estrangeiro de dois portugueses ou de português e
estrangeiro pode ser celebrado perante o agente diplomático ou consular do
Estado português ou perante os ministros do culto católico; em qualquer caso, o
casamento deve ser precedido do processo de publicações, organizado pela
entidade competente, a menos que ele seja dispensado nos termos do artigo
1599º.
3. O casamento no estrangeiro de dois portugueses ou de português e
estrangeiro, em harmonia com as leis canónicas, é havido como casamento
católico, seja qual for a forma legal da celebração do acto segundo a lei
local, e à sua transcrição servirá de base o assento do registo paroquial.
ARTIGO 52º
(Relações entre os cônjuges)
1. Salvo o disposto no artigo seguinte, as relações entre os cônjuges são
reguladas pela lei nacional comum.
2. Não tendo os cônjuges a mesma nacionalidade, é aplicável a lei da sua
residência habitual comum e, na falta desta, a lei do país com o qual a vida
familiar se ache mais estreitamente conexa.
(Redacção do Dec.-Lei 497/77, de 25-11)
ARTIGO 53º
(Convenções antenupciais e regime de bens)
1. A substância e efeitos das convenções antenupciais e do regime de bens,
legal ou convencional, são definidos pela lei nacional dos nubentes ao tempo da
celebração do casamento.
2. Não tendo os nubentes a mesma nacionalidade é aplicável a lei da sua
residência habitual comum à data do casamento e, se esta faltar também, a lei
da primeira residência conjugal.
3. Se for estrangeira a lei aplicável e um dos nubentes tiver a sua
residência habitual em território português, pode ser convencionado um dos
regimes admitidos neste código.
(Redacção do Dec.-Lei 496/77, de 25-11)
ARTIGO 54º
(Modificações do regime de bens)
1. Aos cônjuges é permitido modificar o regime de bens, legal ou
convencional, se a tal forem autorizados pela lei competente nos termos do
artigo 52º.
2. A nova convenção em caso nenhum terá efeito retroactivo em prejuízo de
terceiro.
ARTIGO 55º
(Separação judicial de pessoas e bens e divórcio)
1. À separação judicial de pessoas e bens e ao divórcio é aplicável o
disposto no artigo 52º.
2. Se, porém, na constância do matrimónio houver mudança da lei competente,
só pode fundamentar a separação ou o divórcio algum facto relevante ao tempo da
sua verificação.
ARTIGO 56º
(Constituição da filiação)
1. À constituição da filiação é aplicável a lei pessoal do progenitor à
data do estabelecimento da relação.
2. Tratando-se de filho de mulher casada, a constituição da filiação
relativamente ao pai é regulada pela lei nacional comum da mãe e do marido; na
falta desta, é aplicável a lei da residência habitual comum dos cônjuges e, se
esta também faltar, a lei pessoal do filho.
3. Para os efeitos do número anterior, atender-se-á ao momento do
nascimento do filho ou ao momento da dissolução do casamento, se for anterior
ao nascimento.
(Redacção do Dec.-Lei 496/77, de 25-11)
ARTIGO 57º
(Relações entre pais e filhos)
1. As relações entre pais e filhos são reguladas pela lei nacional comum
dos pais e, na falta desta, pela lei da sua residência habitual comum; se os
pais residirem habitualmente em Estados diferentes, é aplicável a lei pessoal
do filho.
2. Se a filiação apenas se achar estabelecida relativamente a um dos
progenitores, aplica-se a lei pessoal deste; se um dos progenitores tiver
falecido, é competente a lei pessoal do sobrevivo.
(Redacção do Dec.-Lei 496/77, de 25-11)
ARTIGO 58º
(Revogado pelo Dec.-Lei 496/77, de 25-11)
ARTIGO 59º
(Revogado pelo Dec.-Lei 496/77, de 25-11)
ARTIGO 60º
(Filiação adoptiva)
1. À constituição da filiação adoptiva é aplicável a lei pessoal do
adoptante, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2. Se a adopção for realizada por marido e mulher ou o adoptando for filho
do cônjuge do adoptante, é competente a lei nacional comum dos cônjuges e, na
falta desta, a lei da sua residência habitual comum; se também esta faltar,
será aplicável a lei do país com o qual a vida familiar dos adoptantes se ache
mais estreitamente conexa.
3. As relações entre adoptante e adoptado, e entre este e a família de
origem, estão sujeitas à lei pessoal do adoptante; no caso previsto no número
anterior é aplicável o disposto no artigo 57º.
4. Se a lei competente para regular as relações entre o adoptando e os seus
progenitores não conhecer o instituto da adopção, ou não o admitir em relação a
quem se encontre na situação familiar do adoptando, a adopção não é permitida.
(Redacção do Dec.-Lei 496/77, de 25-11)
ARTIGO 61º
(Requisitos especiais da perfilhação ou adopção)
1. Se, como requisito da perfilhação ou adopção, a lei pessoal do
perfilhando ou adoptando exigir o consentimento deste, será a exigência
respeitada.
2. Será igualmente respeitada a exigência do consentimento de terceiro a
quem o interessado esteja ligado por qualquer relação jurídica de natureza
familiar ou tutelar, se porvier da lei reguladora desta relação.
(Redacção do Dec.-Lei 496/77, de 25-11)
SUBSECÇÃO VI
Lei reguladora das sucessões
ARTIGO 62º
(Lei competente)
A sucessão por morte é regulada pela lei pessoal do autor da sucessão ao
tempo do falecimento deste, competindo-lhe também definir os poderes do
administrador da herança e do executor testamentário.
ARTIGO 63º
(Capacidade de disposição)
1. A capacidade para fazer, modificar ou revogar uma disposição por morte,
bem como as exigências da forma especial das disposições por virtude da idade
do disponente, são reguladas pela lei pessoal do autor ao tempo da declaração.
2. Aquele que, depois de ter feito a disposição, adquirir nova lei pessoal
conserva a capacidade necessária para revogar a disposição nos termos da lei
anterior.
ARTIGO 64º
(Interpretação das disposições; falta e vícios da vontade)
É a lei pessoal do autor da herança ao tempo da declaração que regula:
a) A interpretação das respectivas cláusulas e disposições, salvo se houver
referência expressa ou implícita a outra lei;
b) A falta e vícios da vontade;
c) A admissibilidade de testamentos de mão comum ou de pactos sucessórios,
sem prejuízo, quanto a estes, do disposto no artigo 53º.
ARTIGO 65º
(Forma)
1. As disposições por morte, bem como a sua revogação ou modificação, serão
válidas, quanto à forma, se corresponderem às prescrições da lei do lugar onde
o acto for celebrado, ou às da lei pessoal do autor da herança, quer no momento
da declaração, quer no momento da morte, ou ainda às prescrições da lei para
que remeta a norma de conflitos da lei local.
2. Se, porém, a lei pessoal do autor da herança no momento da declaração
exigir, sob pena de nulidade ou ineficácia, a observância de determinada forma,
ainda que o acto seja praticado no estrangeiro, será a exigência respeitada.
TÍTULO II
DAS RELAÇÕES JURÍDICAS
SUBTÍTULO I
DAS PESSOAS
CAPÍTULO I
Pessoas singulares
SECÇÃO I
Personalidade e capacidade jurídica
ARTIGO 66º
(Começo da personalidade)
1. A personalidade adquire-se no momento do nascimento completo e com vida.
2. Os direitos que a lei reconhece aos nascituros dependem do seu
nascimento.
ARTIGO 67º
(Capacidade jurídica)
As pessoas podem ser sujeitos de quaisquer relações jurídicas, salvo
disposição legal em contrário; nisto consiste a sua capacidade jurídica.
ARTIGO 68º
(Termo da personalidade)
1. A personalidade cessa com a morte.
2. Quando certo efeito jurídico depender da sobrevivência de uma a outra
pessoa, presume-se, em caso de dúvida, que uma e outra faleceram ao mesmo
tempo.
3. Tem-se por falecida a pessoa cujo cadáver não foi encontrado ou
reconhecido, quando o desaparecimento se tiver dado em circunstâncias que não
permitam duvidar da morte dela.
ARTIGO 69º
(Renúncia à capacidade jurídica)
Ninguém pode renunciar, no todo ou em parte, à sua capacidade jurídica.
SECÇÃO II
Direitos de personalidade
ARTIGO 70º
(Tutela geral da personalidade)
1. A lei protege os indíviduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de
ofensa à sua personalidade física ou moral.
2. Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa
ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias
do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da
ofensa já cometida.
ARTIGO 71º
(Ofensa a pessoas já falecidas)
1. Os direitos de personalidade gozam igualmente de protecção depois da
morte do respectivo titular.
2. Tem legitimidade, neste caso, para requerer as providências previstas no
nº 2 do artigo anterior o cônjuge sobrevivo ou qualquer descendente,
ascendente, irmão, sobrinho ou herdeiro do falecido.
3. Se a ilicitude da ofensa resultar da falta de consentimento, só as
pessoas que o deveriam prestar têm legitimidade, conjunta ou separadamente,
para requerer as providências a que o número anterior se refere.
ARTIGO 72º
(Direito ao nome)
1. Toda a pessoa tem direito a usar o seu nome, completo ou abreviado, e a
opor-se a que outrem o use ilicitamente para sua identificação ou outros fins.
2. O titular do nome não pode, todavia, especialmente no exercício de uma
actividade profissional, usá-lo de modo a prejudicar os interesses de quem
tiver nome total ou parcialmente idêntico; nestes casos, o tribunal decretará
as providências que, segundo juízos de equidade, melhor conciliem os interesse
em conflito.
ARTIGO 73º
(Legitimidade)
As acções relativas à defesa do nome podem ser exercidas não só pelo
respectivo titular, como, depois da morte dele pelas pessoas referidas no
número 2 do artigo 71º
ARTIGO 74º
(Pseudónimo)
O pseudónimo, quando tenha notoriedade, goza da protecção conferida ao
próprio nome.
ARTIGO 75º
(Cartas-missivas confidenciais)
1. O destinatário de carta-missiva de natureza confidencial deve guardar
reserva sobre o seu conteúdo, não lhe sendo lícito aproveitar os elementos de
informação que ela tenha levado ao seu conhecimento.
2. Morto o destinatário, pode a restituição da carta confidencial ser
ordenada pelo tribunal, a requerimento do autor dela ou, se este já tiver
falecido, das pessoas indicadas no nº 2 do artigo 71º; pode também ser ordenada
a destruição da carta, o seu depósito em mão de pessoa idónea ou qualquer outra
medida apropriada.
ARTIGO 76º
(Publicação de cartas confidenciais)
1. As cartas-missivas confidenciais só podem ser publicadas com o consentimento
do seu autor ou com o suprimento judicial desse consentimento; mas não há lugar
ao suprimento quando se trate de utilizar as cartas como documento literário,
histórico ou biográfico.
2. Depois da morte do autor, a autorização compete às pessoas designadas no
nº 2 do artigo 71º, segundo a ordem nele indicada.
ARTIGO 77º
(Memórias familiares e outros escritos confidenciais)
O disposto no artigo anterior é aplicável, com as necessárias adaptações,
às memórias familiares e pessoais e a outros escritos que tenham carácter
confidencial ou se refiram à intimidade da vida privada.
ARTIGO 78º
(Cartas-missivas não confidenciais)
O destinatário de carta não confidencial só pode usar dela em termos que
não contrariem a expectativa do autor.
ARTIGO 79º
(Direito à imagem)
1. O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no
comércio sem o consentimento dela; depois da morte da pessoa retratada, a
autorização compete às pessoas designadas no nº 2 do artigo 71º, segundo a
ordem nele indicada.
2. Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o
justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou
de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a
reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de
interesse público ou que hajam decorrido publicamente.
3. O retrato não pode, porém, ser reproduzido, exposto ou lançado no
comércio, se do facto resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples
decoro da pessoa retratada.
ARTIGO 80º
(Direito à reserva sobre a intimidade da vida privada)
1. Todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de
outrem.
2. A extensão da reserva é definida conforme a natureza do caso e a
condição das pessoas.
ARTIGO 81º
(Limitação voluntária dos direitos de personalidade)
1. Toda a limitação voluntária ao exercício dos direitos de personalidade é
nula, se for contrária aos princípios da ordem pública.
2. A limitação voluntária, quando legal, é sempre revogável, ainda que com
obrigação de indemnizar os prejuízos causados às legítimas expectativas da
outra parte.
SECÇÃO III
Domicílio
ARTIGO 82º
(Domicílio voluntário geral)
1. A pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual; se residir
alternadamente em diversos lugares, tem-se por domiciliada em qualquer deles.
2. Na falta de residência habitual, considera-se domiciliada no lugar da
sua residência ocasional ou, se esta não puder ser determinada, no lugar onde
se encontrar.
ARTIGO 83º
(Domicílio profissional)
1. A pessoa que exerce uma profissão tem, quanto às relações a que esta se
refere, domicílio profissional no lugar onde a profissão é exercida.
2. Se exercer a profissão em lugares diversos, cada um deles constitui
domicílio para as relações que lhe correspondem.
ARTIGO 84º
(Domicílio electivo)
É permitido estipular domicílio particular para determinados negócios,
contanto que a estipulação seja reduzida a escrito.
ARTIGO 85º
(Domicílio legal dos menores e interditos)
1. O menor tem domicílio no lugar da residência da família; se ela não
existir, tem por domicílio o do progenitor a cuja guarda estiver.
2. O domicílio do menor que em virtude de decisão judicial foi confiado a
terceira pessoa ou a estabelecimento de educação ou assistência é o do progenitor
que exerce o poder paternal.
3. O domicílio do menor sujeito a tutela e do interdito é o do respectivo
tutor.
4. Quando tenha sido instituído o regime de administração de bens, o
domicílio do menor ou do interdito é o do administrador, nas relações a que
essa administração se refere.
5. Não são aplicáveis as regras dos números anteriores se delas resultar
que o menor ou interdito não tem domicílio em território nacional.
(Redacção do Dec.-Lei 496/77, de 25-11)
ARTIGO 86º
(Revogado pelo Dec.-Lei 496/77, de 25-11)
ARTIGO 87º
(Domicílio legal dos empregados públicos)
1. Os empregados públicos, civis ou militares, quando haja lugar certo para
o exercício dos seus empregos, têm nele domicílio necessário, sem prejuízo do
seu domicílio voluntário no lugar da residência habitual.
2. O domicílio necessário é determinado pela posse do cargo ou pelo
exercício das respectivas funções.
ARTIGO 88º
(Domicílio legal dos agentes diplomáticos portugueses)
Os agentes diplomáticos portugueses, quando invoquem extraterritorialidade,
consideram-se domiciliados em Lisboa.
SECÇÃO IV
Ausência
SUBSECÇÃO I
Curadoria provisória
ARTIGO 89º
(Nomeação de curador provisório)
1. Quando haja necessidade de prover acerca da administração dos bens de
quem desapareceu sem que dele se saiba parte e sem ter deixado representante
legal ou procurador, deve o tribunal nomear-lhe curador provisório.
2. Deve igualmente ser nomeado curador ao ausente, se o procurador não
quiser ou não puder exercer as suas funções.
3. Pode ser designado para certos negócios, sempre que as circunstâncias o
exijam, um curador especial.
ARTIGO 90º
(Providências cautelares)
A possibilidade de nomeação do curador provisório não obsta às providências
cautelares que se mostrem indispensáveis em relação a quaisquer bens do ausente.
ARTIGO 91º
(Legitimidade)
A curadoria provisória e as providências cautelares a que se refere o
artigo anterior podem ser requeridas pelo Ministério Público ou por qualquer
interessado.
ARTIGO 92º
(A quem deve ser deferida a curadoria provisória)
1. O curador provisório será escolhido de entre as pessoas seguintes: o
cônjuge do ausente, algum ou alguns dos herdeiros presumidos, ou algum ou
alguns dos interessados na conservação dos bens.
2. Havendo conflito de interesses entre o ausente e o curador ou entre o
ausente e o cônjuge, ascendentes ou descendentes do curador, deve ser designado
um curador especial, nos termos do número 3 do artigo 89º.
ARTIGO 93º
(Relação dos bens e caução)
1. Os bens do ausente serão relacionados e só depois entregues ao curador
provisório, ao qual será fixada caução pelo tribunal.
2. Em caso de urgência, pode ser autorizada a entrega dos bens antes de
estes serem relacionados ou de o curador prestar a caução exigida.
3. Se o curador não prestar a caução, será nomeado outro em lugar dele.
ARTIGO 94º
(Direitos e obrigações do curador provisório)
1. O curador fica sujeito ao regime do mandato geral em tudo o que não
contrariar as disposições desta subsecção.
2. Compete ao curador provisório requerer os procedimentos cautelares necessários
e intentar as acções que não possam ser retardadas sem prejuízo dos interesses
do ausente; cabe-lhe ainda representar o ausente em todas as acções contra este
propostas.
3. Só com autorização judicial pode o curador alienar ou onerar bens
imóveis, objectos preciosos, títulos de crédito, estabelecimentos comerciais e
quaisquer outros bens cuja alienação ou oneração não constitua acto de
administração.
4. A autorização judicial só será concedida quando o acto se justifique
para evitar a deterioração ou ruína dos bens, solver dívidas do ausente,
custear benfeitorias necessárias ou úteis ou ocorrer a outra necessidade
urgente.
ARTIGO 95º
(Prestação de contas)
1. O curador provisório deve prestar contas do seu mandato perante o
tribunal, anualmente ou quando este o exigir.
2. Deferida a curadoria definitiva nos termos da subsecção seguinte, as
contas do curador provisório são prestadas aos curadores definitivos.
ARTIGO 96º
(Remuneração do curador)
O curador haverá dez por cento da receita líquida que realizar.
ARTIGO 97º
(Substituição do curador provisório)
O curador pode ser substituído, a requerimento do Ministério Público ou de
qualquer interessado, logo que se mostre inconveniente a sua permanência no
cargo.
ARTIGO 98º
(Termo da curadoria)
A curadoria provisória termina:
a) Pelo regresso do ausente;
b) Se o ausente providenciar acerca da administração dos bens;
c) Pela comparência de pessoa que legalmente represente o ausente ou de
procurador bastante;
d) Pela entrega dos bens aos curadores definitivos ou ao cabeça-de-casal,
nos termos do artigo 103º;
e) Pela certeza da morte do ausente.
SUBSECÇÃO I
Curadoria definitiva
ARTIGO 99º
(Justificação da ausência)
Decorridos dois anos sem se saber do ausente, se este não tiver deixado
representante legal nem procurador bastante, ou cinco anos, no caso contrário,
pode o Ministério Público ou algum dos interessados requerer a justificação da
ausência.
ARTIGO 100º
(Legitimidade)
São interessados na justificação da ausência o cônjuge não separado
judicialmente de pessoas e bens, os herdeiros do ausente e todos os que tiverem
sobre os bens do ausente direito dependente da condição da sua morte.
ARTIGO 101º
(Abertura de testamentos)
Justificada a ausência, o tribunal requisitará certidões dos testamentos
públicos e mandará proceder à abertura dos testamentos cerrados que existirem,
a fim de serem tomados em conta na partilha e no deferimento da curadoria
definitiva.
ARTIGO 102º
(Entrega de bens aos legatários e outros interessados)
Os legatários, como todos aqueles que por morte do ausente teriam direito a
bens determinados, podem requerer, logo que a ausência esteja justificada,
independentemente da partilha, que esses bens lhes sejam entregues.
ARTIGO 103º
(Entrega dos bens aos herdeiros)
1. A entrega dos bens aos herdeiros do ausente à data das últimas notícias,
ou aos herdeiros dos que depois tiverem falecido, só tem lugar depois da
partilha.
2. Enquanto não forem entregues os bens, a administração deles pertence ao
cabeça-de-casal, designado nos termos dos artigos 2080º e seguintes.
ARTIGO 104º
(Curadores definitivos)
Os herdeiros e demais interessados a quem tenham sido entregues os bens do
ausente são havidos como curadores definitivos.
ARTIGO 105º
(Aparecimento de novos interessados)
Se, depois de nomeados os curadores definitivos, aparecer herdeiro ou
interessado que, em relação à data das últimas notícias do ausente, deva
excluir algum deles ou haja de concorrer à sucessão, ser-lhe-ão entregues os
bens nos termos dos artigos anteriores.
ARTIGO 106º
(Exigibilidade de obrigações)
A exigibilidade das obrigações que se extinguiriam pela morte do ausente
fica suspensa.
ARTIGO 107º
(Caução)
1. O tribunal pode exigir caução aos curadores definitivos ou a algum ou
alguns deles, tendo em conta a espécie e valor dos bens e rendimentos que
eventualmente hajam de restituir.
2. Enquanto não prestar a caução fixada, o curador está impedido de receber
os bens; estes são entregues, até ao termo da curadoria ou até à prestação da
caução, a outro herdeiro ou interessado, que ocupará, em relação a eles, a
posição de curador definitivo.
ARTIGO 108º
(Ausente casado)
Se o ausente for casado, pode o cônjuge não separado judicialmente de
pessoas e bens requerer inventário e partilha, no seguimento do processo de
justificação da ausência, e exigir os alimentos a que tiver direito.
ARTIGO 109º
(Aceitação e repúdio da sucessão; disposição dos direitos sucessórios)
1. Justificada a ausência, é admitido o repúdio da sucessão do ausente ou a
disposição dos respectivos direitos sucessórios.
2. A eficácia do repúdio ou da disposição, assim como a aceitação da
herança ou de legados, ficam, todavia, sujeitas à condição resolutiva da
sobrevivência do ausente.
ARTIGO 110º
(Direitos e obrigações dos curadores definitivos e demais interessados)
Aos curadores definitivos a quem os bens hajam sido entregues é aplicável o
disposto no artigo 94º, ficando extintos os poderes que anteriormente hajam
sido conferidos pelo ausente em relação aos mesmos bens.
ARTIGO 111º
(Fruição dos bens)
1. Os ascendentes, os descendentes e o cônjuge que sejam nomeados curadores
definitivos têm direito, a contar da entrega dos bens, à totalidade dos frutos
percebidos.
2. Os curadores definitivos não abrangidos pelo número anterior devem
reservar para o ausente um terço dos rendimentos líquidos dos bens que
administrem.
ARTIGO 112º
(Termo da curadoria definitiva)
A curadoria definitiva termina:
a) Pelo regresso do ausente;
b) Pela notícia da sua existência e do lugar onde reside;
c) Pela certeza da sua morte;
d) Pela declaração de morte presumida.
ARTIGO 113º
(Restituição dos bens ao ausente)
1. Nos casos previstos nas alíneas a) e b) do artigo anterior, os bens do
ausente ser-lhe-ão entregues logo que ele o requeira.
2. Enquanto não for requerida a entrega, mantém-se o regime da curadoria
nos termos desta subsecção.
SUBSECÇÃO III
Morte presumida
ARTIGO 114º
(Requisitos)
1. Decorridos dez anos sobre a data das últimas notícias, ou passados cinco
anos, se entretanto o ausente houver completado oitenta anos de idade, podem os
interessados a que se refere o artigo 100º requerer a declaração de morte
presumida.
2. A declaração de morte presumida não será proferida antes de haverem
decorrido cinco anos sobre a data em que o ausente, se fosse vivo, atingiria a
maioridade.
3. A declaração de morte presumida do ausente não depende de prévia
instalação da curadoria provisória ou definitiva e referir-se-á ao fim do dia
das últimas notícias que dele houve.
ARTIGO 115º
(Efeitos)
A declaração de morte presumida produz os mesmos efeitos que a morte, mas
não dissolve o casamento, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.
(Redacção do Dec.-Lei 496/77, de 25-11)
ARTIGO 116º
(Novo casamento do cônjuge do ausente)
O cônjuge do ausente casado civilmente pode contrair novo casamento; neste
caso, se o ausente regressar, ou houver notícia de que era vivo quando foram
celebradas as novas núpcias, considera-se o primeiro matrimónio dissolvido por
divórcio à data da declaração de morte presumida.
(Redacção do Dec.-Lei 496/77, de 25-11)
ARTIGO 117º
(Entrega dos bens)
A entrega dos bens aos sucessores do ausente é feita nos termos dos artigos
101º e seguintes, com as necessárias adaptações, mas não há lugar a caução; se
esta tiver sido prestada, pode ser levantada.
ARTIGO 118º
(Óbito em data diversa)
1. Quando se prove que o ausente morreu em data diversa da fixada na
sentença de declaração de morte presumida, o direito à herança compete aos que
naquela data lhe deveriam suceder, sem prejuízo das regras da usucapião.
2. Os sucessores de novo designados gozam apenas, em relação aos antigos,
dos direitos que no artigo seguinte são atribuídos ao ausente.
ARTIGO 119º
(Regresso do ausente)
1. Se o ausente regressar ou dele houver notícias, ser-lhe-á devolvido o
património no estado em que se encontrar, com o preço dos bens alienados ou com
os bens directamente sub-rogados, e bem assim com os bens adquiridos mediante o
preço dos alienados, quando no título de aquisição se declare expressamente a
proveniência do dinheiro.
2. Havendo má-fé dos sucessores, o ausente tem direito a ser indemnizado do
prejuízo sofrido.
3. A má-fé, neste caso, consiste no conhecimento de que o ausente
sobreviveu à data da morte presumida.
SUBSECÇÃO IV
Direitos eventuais do ausente
ARTIGO 120º
(Direitos que sobrevierem ao ausente)
Os direitos que eventualmente sobrevierem ao ausente desde que desapareceu
sem dele haver notícias e que sejam dependentes da condição da sua existência
passam às pessoas que seriam chamadas à titularidade deles se o ausente fosse
falecido.
ARTIGO 121º
(Curadoria provisória e definitiva)
1. O disposto no artigo anterior não altera o regime da curadoria
provisória, à qual ficam sujeitos os direitos nele referidos.
2. Instaurada a curadoria definitiva, são havidos como curadores
definitivos, para todos os efeitos legais, aqueles que seriam chamados à
titularidade dos direitos nos termos do mesmo artigo.
SECÇÃO V
Incapacidades
SUBSECÇÃO I
Condição jurídica dos menores
ARTIGO 122º
(Menores)
É menor quem não tiver ainda completado dezoito anos de idade.
(Redacção do Dec.-Lei 496/77, de 25-11)
ARTIGO 123º
(Incapacidade dos menores)
Salvo disposição em contrário, os menores carecem de capacidade para o
exercício de direitos.
ARTIGO 124º
(Suprimento da incapacidade dos menores)
A incapacidade dos menores é suprida pelo poder paternal e,
subsidiariamente, pela tutela, conforme se dispõe nos lugares respectivos.
ARTIGO 125º
(Anulabilidade dos actos dos menores)
1. Sem prejuízo do disposto no nº 2 do artigo 287º, os negócios jurídicos
celebrados pelo menor podem ser anulados:
a) A requerimento, conforme os casos, do progenitor que exerça o poder
paternal, do tutor ou do administrador de bens, desde que a acção seja proposta
no prazo de um ano a contar do conhecimento que o requerente haja tido do
negócio impugnado, mas nunca depois de o menor atingir a maioridade ou ser
emancipado, salvo o disposto no artigo 131º;
b) A requerimento do próprio menor, no prazo de um ano a contar da sua
maioridade ou emancipação;
c) A requerimento de qualquer herdeiro do menor, no prazo de um ano a
contar da morte deste, ocorrida antes de expirar o prazo referido na alínea
anterior.
2. A anulabilidade é sanável mediante confirmação do menor depois de
atingir a maioridade ou ser emancipado, ou por confirmação do progenitor que
exerça o poder paternal, tutor ou administrador de bens, tratando-se de acto
que algum deles pudesse celebrar como representante do menor.
(Redacção do Dec.-Lei 496/77, de 25-11)
ARTIGO 126º
(Dolo do menor)
Não tem o direito de invocar a anulabilidade o menor que para praticar o
acto tenha usado de dolo com o fim de se fazer passar por maior ou emancipado.
ARTIGO 127º
(Excepções à incapacidade dos menores)
1. São excepcionalmente válidos, além de outros previstos na lei:
a) Os actos de administração ou disposição de bens que o maior de dezasseis
anos haja adquirido por seu trabalho;
b) Os negócios jurídicos próprios da vida corrente do menor que, estando ao
alcance da sua capacidade natural, só impliquem despesas, ou disposições de
bens, de pequena importância;
c) Os negócios jurídicos relativos à profissão, arte ou ofício que o menor
tenha sido autorizado a exercer, ou os praticados no exercício dessa profissão,
arte ou ofício.
2. Pelos actos relativos à profissão, arte ou ofício do menor e pelos actos
praticados no exercício dessa profissão, arte ou ofício só respondem os bens de
que o menor tiver a livre disposição.
(Redacção do Dec.-Lei 496/77, de 25-11)
ARTIGO 128º
(Dever de obediência)
Em tudo o quanto não seja ilícito ou imoral, devem os menores não
emancipados obedecer a seus pais ou tutor e cumprir os seus preceitos.
ARTIGO 129º
(Termo da incapacidade dos menores)
A incapacidade dos menores termina quando eles atingem a maioridade ou são
emancipados, salvas as restrições da lei.
SUBSECÇÃO II
Maioridade e emancipação
ARTIGO 130º
(Efeitos da maioridade)
Aquele que perfizer dezoito anos de idade adquire plena capacidade de
exercício de direitos, ficando habilitado a reger a sua pessoa e a dispor dos
seus bens.
(Redacção do Dec.-Lei 496/77, de 25-11)
ARTIGO 131º
(Pendência da acção de interdição ou inabilitação)
Estando, porém, pendente contra o menor, ao atingir a maioridade, acção de
interdição ou inabilitação, manter-se-á o poder paternal ou a tutela até ao
trânsito em julgado da respectiva sentença.
ARTIGO 132º
(Emancipação)
O menor é, de pleno direito, emancipado pelo casamento.
(Redacção do Dec.-Lei 496/77, de 25-11)
ARTIGO 133º
(Efeitos da emancipação)
A emancipação atribui ao menor plena capacidade de exercício de direitos,
habilitando-o a reger a sua pessoa e a dispor livremente dos seus bens como se
fosse maior, salvo o disposto no artigo 1649º.
(Redacção do Dec.-Lei 496/77, de 25-11)
ARTIGOS 134º A 137º
(Revogados pelo Dec.-Lei 496/77, de 25-11)
SUBSECÇÃO III
Interdições
ARTIGO 138º
(Pessoas sujeitas a interdição)
1. Podem ser interditos do exercício dos seus direitos todos aqueles que
por anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira se mostrem incapazes de
governar suas pessoas e bens.
2. As interdições são aplicáveis a maiores; mas podem ser requeridas e
decretadas dentro do ano anterior à maioridade, para produzirem os seus efeitos
a partir do dia em que o menor se torne maior.
(Redacção do Dec.-Lei 496/77, de 25-11)
ARTIGO 139º
(Capacidade do interdito e regime da interdição)
Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, o interdito é equiparado ao
menor, sendo-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que
regulam a incapacidade por menoridade e fixam os meios de suprir o poder
paternal.
ARTIGO 140º
(Competência dos tribunais comuns)
Pertence ao tribunal por onde corre o processo de interdição a competência
atribuída ao tribunal de menores nas disposições que regulam o suprimento do
poder paternal.
ARTIGO 141º
(Legitimidade)
1. A interdição pode ser requerida pelo cônjuge do interditando, pelo tutor
ou curador deste, por qualquer parente sucessível ou pelo Ministério Público.
2. Se o interditando estiver sob o poder paternal, só têm legitimidade para
requerer a interdição os progenitores que exercerem aquele poder e o Ministério
Público.
(Redacção do Dec.-Lei 496/77, de 25-11)
ARTIGO 142º
(Providências provisórias)
1. Em qualquer altura do processo pode ser nomeado um tutor provisório que
celebre em nome do interditando, com autorização do tribunal, os actos cujo
adiamento possa causar-lhe prejuízo.
2. Pode também ser decretada a interdição provisória, se houver necessidade
urgente de providenciar quanto à pessoa e bens do interditando.
ARTIGO 143º
(A quem incumbe a tutela)
1. A tutela é deferida pela ordem seguinte:
a) Ao cônjuge do interdito, salvo se estiver separado judicialmente de
pessoas e bens ou separado de facto por culpa sua, ou se for por outra causa
legalmente incapaz;
b) À pessoa designada pelos pais ou pelo progenitor que exercer o poder
paternal, em testamento ou documento autêntico ou autenticado;
c) A qualquer dos progenitores do interdito que, de acordo com o interesse
deste, o tribunal designar;
d) Aos filhos maiores, preferindo o mais velho, salvo se o tribunal, ouvido
o conselho de família, entender que algum dos outros dá maiores garantias de
bom desempenho do cargo.
2. Quando não seja possível ou razões ponderosas desaconselham o
deferimento da tutela nos termos do número anterior, cabe ao tribunal designar
tutor, ouvido o conselho de família.
(Redacção do Dec.-Lei 496/77, de 25-11)
ARTIGO 144º
(Exercício do poder paternal)
Recaindo a tutela no pai ou na mãe, exercem estes o poder paternal como se
dispõe nos artigos 1878º e seguintes.
(Redacção do Dec.-Lei 496/77, de 25-11)
ARTIGO 145º
(Dever especial de tutor)
O tutor deve cuidar especialmente da saúde do interdito, podendo para esse
efeito alienar os bens deste, obtida a necessária autorização judicial.
ARTIGO 146º
(Escusa da tutela e
exoneração do tutor)
1. O cônjuge do interdito,
bem como os descendentes ou ascendentes deste, não podem escusar-se da tutela,
nem ser dela exonerados, salvo se tiver havido violação do disposto no artigo
143º.
2. Os descendentes do
interdito podem, contudo, ser exonerados a seu pedido ao fim de cinco anos, se
existirem outros dependentes igualmente idóneos para o exercício do cargo.
ARTIGO 147º
(Publicidade da
interdição)
À sentença de interdição
definitiva é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos
1920º-B e 1920º-C.
(Redacção do Dec.-Lei
496/77, de 25-11)
ARTIGO 148º
(Actos do interdito posteriores
ao registo da sentença)
São anuláveis os negócios
jurídicos celebrados pelo interdito depois do registo da sentença de interdição
definitiva.
ARTIGO 149º
(Actos praticados no
decurso da acção)
1. São igualmente anuláveis
os negócios jurídicos celebrados pelo incapaz depois de anunciada a proposição
da acção nos termos da lei de processo, contanto qua a interdição venha a ser
definitivamente decretada e se mostre que o negócio causou prejuízo ao
interdito.
2. O prazo dentro do qual a
acção de anulação deve ser proposta só começa a contar-se a partir do registo
da sentença.
ARTIGO 150º
(Actos anteriores à
publicidade da acção)
Aos negócios celebrados
pelo incapaz antes de anunciada a proposição da acção é aplicável o disposto
acerca da incapacidade acidental.
ARTIGO 151º
(Levantamento da
interdição)
Cessando a causa que
determinou a interdição, pode esta ser levantada a requerimento do próprio
interdito ou das pessoas mencionadas no nº 1 do artigo 141º.
SUBSECÇÃO IV
Inabilitações
Artigo 152º
(Pessoas sujeitas a
inabilitação)
Podem ser inabilitados os
indivíduos cuja anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira, embora de carácter
permanente, não seja de tal modo grave que justifique a sua interdição, assim
como aqueles que, pela sua habitual prodigalidade ou pelo uso de bebidas
alcoólicas ou de estupefacientes, se mostrem incapazes de reger
convenientemente o seu património.
Artigo 153º
(Suprimento da
inabilidade)
1. Os inabilitados são
assistidos por um curador, a cuja autorização estão sujeitos os actos de
disposição de bens entre vivos e todos os que, em atenção às circunstâncias de
cada caso, forem especificados na sentença.
2. A autorização do curador
pode ser judicialmente suprida.
ARTIGO 154º
(Administração dos bens
do inabilitado)
1. A administração do
património do inabilitado pode ser entregue pelo tribunal, no todo ou em parte,
ao curador.
2. Neste caso, haverá lugar
à constituição do conselho de família e designação do vogal que, como
subcurador exerça as funções que na tutela cabem ao protutor.
3. O curador deve prestar
contas da sua administração.
ARTIGO 155º
(Levantamento da
inabilitação)
Quando a inabilitação tiver
por causa a prodigalidade ou o abuso de bebidas alcoólicas ou de
estupefacientes, o seu levantamento não será deferido antes que decorram cinco
anos sobre o trânsito em julgado da sentença que a decretou ou da decisão que
haja desatendido um pedido anterior.
ARTIGO 156º
(Regime supletivo)
Em tudo quanto se não ache
especialmente regulado nesta subsecção é aplicável à inabilitação, com as
necessárias adaptações, o regime das interdições.
CAPÍTULO II
Pessoas colectivas
SECÇÃO I
Disposições gerais
ARTIGO 157º
(Campo de aplicação)
As disposições do presente
capítulo são aplicáveis às associações que não tenham por fim o lucro económico
dos associados, às fundações de interesse social, e ainda às sociedades, quando
a analogia das situações o justifique.
ARTIGO 158º
(Aquisição da
personalidade)
1. As associações
constituídas por escritura pública, com as especificações referidas no nº 1 do
artigo 167º, gozam de personalidade jurídica.
2. As fundações adquirem
personalidade jurídica pelo reconhecimento, o qual é individual e da
competência da autoridade administrativa.
(Redacção do Dec.-Lei
496/77, de 25-11)
ARTIGO 158º-A
(Nulidade do acto de
constituição ou instituição)
É aplicável à constituição
de pessoas colectivas o disposto no artigo 280º, devendo o Ministério Público
promover a declaração judicial da nulidade.
(Aditado pelo Dec.-Lei
496/77, de 25-11)
ARTIGO 159º
(Sede)
A sede da pessoa colectiva
é a que os respectivos estatutos fixarem ou, na falta de designação
estatutária, o lugar em que funciona normalmente a administração principal.
ARTIGO 160º
(Capacidade)
1. A capacidade das pessoas
colectivas abrange todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes à
prossecução dos seus fins.
2. Exceptuam-se os direitos
e obrigações vedados por lei ou que sejam inseparáveis da personalidade
singular.
ARTIGO 161º
(Revogado pelo Dec.-Lei
496/77, de 25-11)
ARTIGO 162º
(Órgãos)
Os estatutos da pessoa
colectiva designarão os respectivos órgãos, entre os quais haverá um órgão
colegial de administração e um conselho fiscal, ambos eles constituídos por um
número ímpar de titulares, dos quais um será o presidente.
ARTIGO 163º
(Representação)
1. A representação da
pessoa colectiva, em juízo e fora dele, cabe a quem os estatutos determinarem
ou, na falta de disposição estatutária, à administração ou a quem por ela for
designado.
2. A designação de
representantes por parte da administração só é oponível a terceiros quando se
prove que estes a conheciam.
ARTIGO 164º
(Obrigações e
responsabilidade dos titulares dos órgãos da pessoa colectiva)
1. As obrigações e a
responsabilidade dos titulares dos órgãos das pessoas colectivas para com estas
são definidas nos respectivos estatutos, aplicando-se, na falta de disposições
estatutárias, as regras do mandato com as necessárias adaptações.
2. Os membros dos corpos
gerentes não podem abster-se de votar nas deliberações tomadas em reuniões a
que estejam presentes, e são responsáveis pelos prejuízos delas decorrentes,
salvo se houverem manifestado a sua discordância.
ARTIGO 165º
(Responsabilidade civil
das pessoas colectivas)
As pessoas colectivas
respondem civilmente pelos actos ou omissões dos seus representantes, agentes
ou mandatários nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou
omissões dos seus comissários.
ARTIGO 166º
(Destino dos bens no
caso de extinção)
1. Extinta a pessoa
colectiva, se existirem bens que lhe tenham sido doados ou deixados com
qualquer encargo ou que estejam afectados a um certo fim, o tribunal, a
requerimento do Ministério Público, dos liquidatários, de qualquer associado ou
interessado, ou ainda de herdeiros do doador ou do autor da deixa
testamentária, atribuí-los-á, com o mesmo encargo ou afectação, a outra pessoa
colectiva.
2. Os bens não abrangidos
pelo número anterior têm o destino que lhes for fixado pelos estatutos ou por
deliberação dos associados, sem prejuízo do disposto em leis especiais; na
falta de fixação ou de lei especial, o tribunal, a requerimento do Ministério
Público, dos liquidatários, ou de qualquer associado ou interessado,
determinará que sejam atribuídos a outra pessoa colectiva ou ao Estado,
assegurando, tanto quanto possível, a realização dos fins da pessoa extinta.
(Redacção do Dec.-Lei
496/77, de 25-11)
SECÇÃO II
Associações
ARTIGO 167º
(Acto de constituição e
estatutos)
1. O acto de constituição
da associação especificará os bens ou serviços com que os associados concorrem
para o património social, a denominação, fim e sede da pessoa colectiva, a
forma do seu funcionamento, assim como a sua duração, quando a associação se
não constitua por tempo indeterminado.
2. Os estatutos podem
especificar ainda os direitos e obrigações dos associados, as condições da sua
admissão, saída e exclusão, bem como os termos da extinção da pessoa colectiva
e consequente devolução do seu património.
ARTIGO 168º
(Forma e publicidade)
1. O acto de constituição
da associação, os estatutos e as suas alterações devem constar de escritura
pública.
2. O notário deve,
oficiosamente, a expensas da associação, comunicar a constituição e estatutos,
bem como as alterações destes, à autoridade administrativa e ao Ministério
Público e remeter ao jornal oficial um extracto para publicação.
3. O acto de constituição,
os estatutos e as suas alterações não produzem efeitos em relação a terceiros,
enquanto não forem publicados nos termos do número anterior.
(Redacção do Dec.-Lei
496/77, de 25-11)
ARTIGO 169º
(Revogado pelo Dec.-Lei 496/77,
de 25-11)
ARTIGO 170º
(Titulares dos órgãos da
associação e revogação dos seus poderes)
1. É a assembleia geral que
elege os titulares dos órgãos da associação, sempre que os estatutos não
estabeleçam outro processo de escolha.
2. As funções dos titulares
eleitos ou designados são revogáveis, mas a revogação não prejudica os direitos
fundados no acto de constituição.
3. O direito de revogação
pode ser condicionado pelos estatutos à existência de justa causa.
ARTIGO 171º
(Convocação e
funcionamento do órgão da administração e do conselho fiscal)
1. O órgão da administração
e o conselho fiscal são convocados pelos respectivos presidentes e só podem
deliberar com a presença da maioria dos seus titulares.
2. Salvo disposição legal
ou estatutária em contrário, as deliberações são tomadas por maioria de votos
dos titulares presentes, tendo o presidente, além do seu voto, direito a voto
de desempate.
ARTIGO 172º
(Competência da
assembleia geral)
1. Competem à assembleia
geral todas as deliberações não compreendidas nas atribuições legais ou
estatutárias de outros órgãos da pessoa colectiva.
2. São, necessariamente, da
competência da assembleia geral a destituição dos titulares dos órgãos da
associação, a aprovação do balanço, a alteração dos estatutos, a extinção da
associação e a autorização para esta demandar os administradores por factos
praticados no exercício do cargo.
ARTIGO 173º
(Convocação da
assembleia)
1. A assembleia geral deve
ser convocada pela administração nas circunstâncias fixadas pelos estatutos e,
em qualquer caso, uma vez em cada ano para aprovação do balanço.
2. A assembleia será ainda
convocada sempre que a convocação seja requerida, com um fim legítimo, por um
conjunto de associados não inferior à quinta parte da sua totalidade, se outro
número não for estabelecido nos estatutos.
3. Se a administração não
convocar a assembleia nos casos em que deve fazê-lo, a qualquer associado é
lícito efectuar a convocação.
ARTIGO 174º
(Forma de convocação)
1. A assembleia geral é
convocada por meio de aviso postal, expedido para cada um dos associados com a
antecedência mínima de oito dias; no aviso indicar-se-á o dia, hora e local da
reunião e a respectiva ordem do dia.
2. São anuláveis as
deliberações tomadas sobre matéria estranha à ordem do dia, salvo se todos os
associados comparecerem à reunião e todos concordarem com o aditamento.
3. A comparência de todos
os associados sanciona quaisquer irregularidades da convocação, desde que
nenhum deles se oponha à realização da assembleia.
ARTIGO 175º
(Funcionamento)
1. A assembleia não pode
deliberar, em primeira convocação, sem a presença de metade, pelo menos, dos
seus associados.
2. Salvo o disposto nos
números seguintes, as deliberações são tomadas por maioria absoluta dos
associados presentes.
3. As deliberações sobre
alterações dos estatutos exigem o voto favorável de três quartos do número dos
associados presentes.
4. As deliberações sobre a
dissolução ou prorrogação da pessoa colectiva requerem o voto favorável de três
quartos do número de todos os associados.
5. Os estatutos podem
exigir um número de votos superior ao fixado nas regras anteriores.
ARTIGO 176º
(Privação do direito de
voto)
1. O associado não pode
votar, por si ou como representante de outrem, nas matérias em que haja
conflito de interesses entre a associação e ele, seu cônjuge, ascendentes ou
descendentes.
2. As deliberações tomadas
com infracção do disposto no número anterior são anuláveis se o voto do
associado impedido for essencial à existência da maioria necessária.
ARTIGO 177º
(Deliberações contrárias
à lei ou aos estatutos)
As deliberações da
assembleia geral contrárias à lei ou aos estatutos, seja pelo seu objecto, seja
por virtude de irregularidades havidas na convocação dos associados ou no
funcionamento da assembleia, são anuláveis.
ARTIGO 178º
(Regime da
anulabilidade)
1. A anulabilidade prevista
nos artigos anteriores pode ser arguida, dentro do prazo de seis meses, pelo
órgão da administração ou por qualquer associado que não tenha votado a
deliberação.
2. Tratando-se de associado
que não foi convocado regularmente para a reunião da assembleia, o prazo só
começa a correr a partir da data em que ele teve conhecimento da deliberação.
ARTIGO 179º
(Protecção dos direitos
de terceiro)
A anulação das deliberações
da assembleia não prejudica os direitos que terceiro de boa fé haja adquirido
em execução das deliberações anuladas.
ARTIGO 180º
(Natureza pessoal da
qualidade de associado)
Salvo disposição
estatutária em contrário, a qualidade de associado não é transmissível, quer
por acto entre vivos, quer por sucessão; o associado não pode incumbir outrem
de exercer os seus direitos pessoais.
ARTIGO 181º
(Efeitos da saída ou
exclusão)
O associado que por
qualquer forma deixar de pertencer à associação não tem o direito de repetir as
quotizações que haja pago e perde o direito ao património social, sem prejuízo
da sua responsabilidade por todas as prestações relativas ao tempo em que foi
membro da associação.
ARTIGO 182º
(Causas de extinção)
1. As associações
extinguem-se:
a) Por deliberação da
assembleia geral;
b) Pelo decurso do prazo,
se tiverem sido constituídas temporariamente;
c) Pela verificação de
qualquer outra causa extintiva prevista no acto de constituição ou nos
estatutos;
d) Pelo falecimento ou
desaparecimento de todos os associados;
e) Por decisão judicial que
declare a sua insolvência.
2. As associações
extinguem-se ainda por decisão judicial:
a) Quando o seu fim se
tenha esgotado ou se haja tornado impossível;
b) Quando o seu fim real
não coincida com o fim expresso no acto de constituição ou nos estatutos;
c) Quando o seu fim seja
sistematicamente prosseguido por meios ilícitos ou imorais;
d) Quando a sua existência
se torne contrária à ordem pública.
(Redacção do Dec.-Lei
496/77, de 25-11)
ARTIGO 183º
(Declaração da extinção)
1. Nos casos previstos nas
alíneas b) e c) do nº 1 do artigo anterior, a extinção só se produzirá se, nos
trinta dias subsequentes à data em que devia operar-se, a assembleia geral não
decidir a prorrogação da associação ou a modificação dos estatutos.
2. Nos casos previstos no
nº 2 do artigo precedente, a declaração da extinção pode ser pedida em juízo
pelo Ministério Público ou por qualquer interessado.
3. A extinção por virtude
da declaração de insolvência dá-se em consequência da própria declaração.
(Redacção do Dec.-Lei
496/77, de 25-11)
ARTIGO 184º
(Efeitos da extinção)
1. Extinta a associação, os
poderes dos seus órgãos ficam limitados à prática dos actos meramente
conservatórios e dos necessários, quer à liquidação do património social, quer
à ultimação dos negócios pendentes; pelos actos restantes e pelos danos que
deles advenham à associação respondem solidariamente os administradores que os
praticarem.
2. Pelas obrigações que os
administradores contraírem, a associação só responde perante terceiros se estes
estavam de boa fé e à extinção não tiver sido dada a devida publicidade.
SECÇÃO III
Fundações
ARTIGO 185º
(Instituição e sua
revogação)
1. As fundações podem ser
instituídas por acto entre vivos ou por testamento, valendo como aceitação dos
bens a elas destinados, num caso ou noutro, o reconhecimento respectivo.
2. O reconhecimento pode
ser requerido pelo instituidor, seus herdeiros ou executores testamentários, ou
ser oficiosamente promovido pela autoridade competente.
3. A instituição por actos
entre vivos deve constar de escritura pública e torna-se irrevogável logo que
seja requerido o reconhecimento ou principie o respectivo processo oficioso.
4. Aos herdeiros do
instituidor não é permitido revogar a instituição, sem prejuízo do disposto acerca
da sucessão legitimária.
5. Ao acto de instituição
da fundação, quando conste de escritura pública, bem como, em qualquer caso,
aos estatutos e suas alterações, é aplicável o disposto na parte final do
artigo 168º.
ARTIGO 186º
(Acto de instituição e
estatutos)
1. No acto de instituição
deve o instituidor indicar o fim da fundação e especificar os bens que lhe são
destinados.
2. No acto de instituição
ou nos estatutos pode o instituidor providenciar ainda sobre a sede,
organização e funcionamento da fundação, regular os termos da sua transformação
ou extinção e fixar o destino dos respectivos bens.
ARTIGO 187º
(Estatutos lavrados por
pessoa diversa do instituidor)
1. Na falta de estatutos
lavrados pelo instituidor ou na insuficiência deles, constando a instituição de
testamento, é aos executadores deste que compete elaborá-los ou completá-los.
2. A elaboração total ou
parcial dos estatutos incumbe à própria autoridade competente para o
reconhecimento da fundação, quando o instituidor os não tenha feito e a
instituição não conste de testamento, ou quando os executores testamentários os
não lavrem dentro do ano posterior à abertura da sucessão.
3. Na elaboração dos
estatutos ter-se-á em conta, na medida do possível, a vontade real ou
presumível do fundador.
ARTIGO 188º
(Reconhecimento)
1. Não será reconhecida a
fundação cujo fim não for considerado de interesse social pela entidade
competente.
2. Será igualmente negado o
reconhecimento, quando os bens afectados à fundação se mostrem insuficientes
para a prossecução do fim visado e não haja fundadas expectativas de suprimento
da insuficiência.
3. Negado o reconhecimento
por insuficiência do património, fica a instituição sem efeito, se o
institutidor for vivo; mas, se já houver falecido, serão os bens entregues a
uma associação ou fundação de fins análogos, que a entidade competente
designar, salvo disposição do instituidor em contrário.
ARTIGO 189º
(Modificação dos
estatutos)
Os estatutos da fundação
podem a todo o tempo ser modificados pela autoridade competente para o
reconhecimento, sob proposta da respectiva administração, contanto que não haja
alteração essencial do fim da instituição e se não contrarie a vontade do
fundador.
ARTIGO 190º
(Transformação)
1. Ouvida a administração,
e também o fundador, se for vivo, a entidade competente para o reconhecimento
pode atribuir à fundação um fim diferente:
a) Quando tiver sido
inteiramente preenchido o fim para que foi instituída ou este se tiver tornado
impossível;
b) Quando o fim da
instituição deixar de revestir interesse social;
c) Quando o património se
tornar insuficiente para a realização do fim previsto.
2. O novo fim deve
aproximar-se, no que for possível, do fim fixado pelo fundador.
3. Não há lugar à mudança
de fim, se o acto de instituição prescrever a extinção da fundação.
ARTIGO 191º
(Encargo prejudicial aos
fins da fundação)
1. Estando o património da
fundação onerado com encargos cujo cumprimento impossibilite ou dificulte
gravemente o preenchimento do fim institucional, pode a entidade competente
para o reconhecimento sob proposta da administração, suprimir, reduzir ou
comutar esses encargos, ouvido o fundador, se for vivo.
2. Se, porém, o encargo
tiver sido motivo essencial da instituição, pode a mesma entidade considerar o
seu cumprimento como fim da fundação, ou incorporar a fundação noutra pessoa
colectiva capaz de satisfazer o encargo à custa do património incorporado, sem
prejuízo dos seus próprios fins.
ARTIGO 192º
(Causas de extinção)
1. As fundações
extinguem-se:
a) Pelo decurso do prazo,
se tiverem sido constituídas temporariamente;
b) Pela verificação de
qualquer outra causa extintiva prevista no acto de instituição;
c) Por decisão judicial que
declare a sua insolvência.
2. As fundações podem ainda
ser extintas pela entidade competente para o reconhecimento:
a) Quando o seu fim se
tenha esgotado ou se haja tornado impossível;
b) Quando o seu fim real
não coincida com o fim expresso no acto de instituição;
c) Quando o seu fim seja
sistematicamente prosseguido por meios ilícitos ou imorais;
d) Quando a sua existência
se torne contrária à ordem pública.
ARTIGO 193º
(Declaração da extinção)
Quando ocorra alguma das
causas extintivas previstas no nº 1 do artigo anterior, a administração da
fundação comunicará o facto à autoridade competente para o reconhecimento, a
fim de esta declarar a extinção e tomar as providências que julgue convenientes
para a liquidação do património.
ARTIGO 194º
(Efeitos da extinção)
Extinta a fundação, na
falta de providências especiais em contrário tomadas pela autoridade competente,
é aplicável o disposto no artigo 184º.
CAPÍTULO III
Associações sem
personalidade jurídica e comissões especiais
ARTIGO 195º
(Organização e
administração)
1. À organização interna e
administração das associações sem personalidade jurídica são aplicáveis as
regras estabelecidas pelos associados e, na sua falta, as disposições legais
relativas às associações, exceptuadas as que pressupõem a personalidade destas.
2. As limitações impostas
aos poderes normais dos administradores só são oponíveis a terceiro quando este
as conhecia ou devia conhecer.
3. À saída dos associados é
aplicável o disposto no artigo 181º.
(Redacção do Dec.-Lei
496/77, de 25-11)
ARTIGO 196º
(Fundo comum das
associações)
1. As contribuições dos
associados e os bens com elas adquiridos constituem o fundo comum da
associação.
2. Enquanto a associação
subsistir, nenhum associado pode exigir a divisão do fundo comum e nenhum
credor dos associados tem o direito de o fazer excutir.
ARTIGO 197º
(Liberalidades)
1. As liberalidades em
favor de associações sem personalidade jurídica consideram-se feitas aos
respectivos associados, nessa qualidade, salvo se o autor tiver condicionado a
deixa ou doação à aquisição da personalidade jurídica; neste caso, se tal
aquisição se não verificar dentro do prazo de um ano, fica a disposição sem
efeito.
2. Os bens deixados ou
doados à associação sem personalidade jurídica acrescem ao fundo comum,
independentemente de outro acto de transmissão.
(Redacção do Dec.-Lei
496/77, de 25-11)
ARTIGO 198º
(Responsabilidade por
dívidas)
1. Pelas obrigações
validamente assumidas em nome da associação responde o fundo comum e, na falta
ou insuficiência deste, o património daquele que as tiver contraído; sendo o
acto praticado por mais de uma pessoa, respondem todas solidariamente.
2. Na falta ou
insuficiência do fundo comum e do património dos associados directamente
responsáveis, têm os credores acção contra os restantes associados, que
respondem proporcionalmente à sua entrada para o fundo comum.
3. A representação em juízo
do fundo comum cabe àqueles que tiverem assumido a obrigação.
ARTIGO 199º
(Comissões especiais)
As comissões constituídas
para realizar qualquer plano de socorro ou beneficiência, ou promover a
execução de obras públicas, monumentos, festivais, exposições, festejos e actos
semelhantes, se não pedirem o reconhecimento da personalidade da associação ou
não a obtiverem, ficam sujeitas, na falta de lei em contário, às disposições
subsequentes.
ARTIGO 200º
(Responsabilidade dos
organizadores e administradores)
1. Os membros da comissão e
os encarregados de administrar os seus fundos são pessoal e solidariamente
responsáveis pela conservação dos fundos recolhidos e pela sua afectação ao fim
anunciado.
2. Os membros da comissão
respondem ainda, pessoal e solidariamente, pelas obrigações contraídas em nome
dela.
3. Os subscritores só podem
exigir o valor que tiverem subscrito quando se não cumpra, por qualquer motivo,
o fim para que a comissão foi constituída.
ARTIGO 201º
(Aplicação dos bens a
outro fim)
1. Se os fundos angariados
forem insuficientes para o fim anunciado, ou este se mostrar impossível, ou
restar algum saldo depois de satisfeito o fim da comissão, os bens terão a
aplicação prevista no acto constitutivo da comissão ou no programa anunciado.
2. Se nenhuma aplicação
tiver sido prevista e a comissão não quiser aplicar os bens a um fim análogo,
cabe à autoridade administrativa prover sobre o seu destino, respeitando na
medida do possível a intenção dos subscritores.
SUBTÍTULO II
Das coisas
ARTIGO 202º
(Noção)
1. Diz-se coisa tudo aquilo
que pode ser objecto de relações jurídicas.
2. Consideram-se, porém,
fora do comércio todas as coisas que não podem ser objecto de direitos
privados, tais como as que se encontram no domínio público e as que são, por
sua natureza, insusceptíveis de apropriação individual.
ARTIGO 203º
(Classificação das
coisas)
As coisas são imóveis ou
móveis, simples ou compostas, fungíveis ou não fungíveis, consumíveis ou não
consumíveis, divisíveis ou indivisíveis, principais ou acessórias, presentes ou
futuras.
ARTIGO 204º
(Coisas imóveis)
1. São coisas imóveis:
a) Os prédios rústicos e
urbanos;
b) As águas;
c) As árvores, os arbustos
e os frutos naturais, enquanto estiverem ligados ao solo;
d) Os direitos inerentes
aos imóveis mencionados nas alíneas anteriores;
e) As partes integrantes
dos prédios rústicos e urbanos.
2. Entende-se por prédio
rústico uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não
tenham autonomia económica, e por prédio urbano qualquer edifício incorporado
no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro.
3. É parte integrante toda
a coisa móvel ligada materialmente ao prédio com carácter de permanência.
ARTIGO 205º
(Coisas móveis)
1. São móveis todas as
coisas não compreendidas no artigo anterior.
2. Às coisas móveis
sujeitas a registo público é aplicável o regime das coisas móveis em tudo o que
não seja especialmente regulado.
ARTIGO 206º
(Coisas compostas)
1. É havida como coisa
composta, ou universalidade de facto, a pluralidade de coisas móveis que,
pertencendo à mesma pessoa, têm um destino unitário.
2. As coisas singulares que
constituem a universalidade podem ser objecto de relações jurídicas próprias.
ARTIGO 207º
(Coisas fungíveis)
São fungíveis as coisas que
se determinam pelo seu género, qualidade e quantidade, quando constituam
objecto de relações jurídicas.
ARTIGO 208º
(Coisas consumíveis)
São consumíveis as coisas
cujo uso regular importa a sua destruição ou a sua alienação.
ARTIGO 209º
(Coisas divisíveis)
São divisíveis as coisas
que podem ser fraccionadas sem alteração da sua substância, diminuição de valor
ou prejuízo para o uso a que se destinam.
ARTIGO 210º
(Coisas acessórias)
1. São coisas acessórias,
ou pertenças, as coisas móveis que, não constituindo partes integrantes, estão afectadas
por forma duradoura ao serviço ou ornamentação de uma outra.
2. Os negócios jurídicos
que têm por objecto a coisa principal não abrangem, salvo declaração em
contrário, as coisas acessórias.
ARTIGO 211º
(Coisas futuras)
São coisas futuras as que não
estão em poder do disponente, ou a que este não tem direito, ao tempo da
declaração negocial.
ARTIGO 212º
(Frutos)
1. Diz-se fruto de uma
coisa tudo o que ela produz periodicamente, sem prejuízo da sua substância.
2. Os frutos são naturais
ou civis; dizem-se naturais os que provêm directamente da coisa, e civis as
rendas ou interesses que a coisa produz em consequência de uma relação
jurídica.
3. Consideram-se frutos das
universalidades de animais as crias não destinadas à substituição das cabeças
que por qualquer causa vierem a faltar, os despojos, e todos os proventos
auferidos, ainda que a título eventual.
ARTIGO 213º
(Partilha dos frutos)
1. Os que têm direito aos
frutos naturais até um momento determinado, ou a partir de certo momento, fazem
seus todos os frutos percebidos durante a vigência do seu direito.
2. Quanto a frutos civis, a
partilha faz-se proporcionalmente à duração do direito.
ARTIGO 214º
(Frutos colhidos
prematuramente)
Quem colher prematuramente
frutos naturais é obrigado a restituí-los, se vier a extinguir-se o seu direito
antes da época normal das colheitas.
ARTIGO 215º
(Restituição de frutos)
1. Quem for obrigado por
lei à restituição de frutos percebidos tem direito a ser indemnizado das
despesas de cultura, sementes e matérias-primas e dos restantes encargos de
produção e colheita, desde que não sejam superiores ao valor desses frutos.
2. Quando se trate de
frutos pendentes, o que é obrigado à entrega da coisa não tem direito a
qualquer indemnização, salvo nos casos especialmente previstos na lei.
ARTIGO 216º
(Benfeitorias)
1. Consideram-se
benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.
2. As benfeitorias são
necessárias, úteis ou voluptuárias.
3. São benfeitorias
necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da
coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe
aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para
a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do
benfeitorizante.
SUBTÍTULO III
DOS FACTOS JURÍDICOS
CAPÍTULO I
Negócio jurídico
SECÇÃO I
Declaração negocial
SUBSECÇÃO I
Modalidades da
declaração
ARTIGO 217º
(Declaração expressa e
declaração tácita)
1. A declaração negocial
pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou
qualquer outro meio directo de manifestação da vontade, e tácita, quando se
deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.
2. O carácter formal da
declaração não impede que ela seja emitida tacitamente, desde que a forma tenha
sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz.
ARTIGO 218º
(O silêncio como meio
declarativo)
O silêncio vale como
declaração negocial, quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou
convenção.
SUBSECÇÃO II
Forma
ARTIGO 219º
(Liberdade de forma)
A validade da declaração
negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei a
exigir.
ARTIGO 220º
(Inobservância da forma
legal)
A declaração negocial que
careça da forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção
especialmente prevista na lei.
ARTIGO 221º
(Âmbito da forma legal)
1. As estipulações verbais
acessórias anteriores ao documento legalmente exigido para a declaração
negocial, ou contemporâneas dele, são nulas, salvo quando a razão determinante
da forma lhes não seja aplicável e se prove que correspondem à vontade do autor
da declaração.
2. As estipulações
posteriores ao documento só estão sujeitas à forma legal prescrita para a
declaração se as razões da exigência especial da lei lhe forem aplicáveis.
ARTIGO 222º
(Âmbito da forma
voluntária)
1. Se a forma escrita não
for exigida por lei, mas tiver sido adoptada pelo autor da declaração, as
estipulações verbais acessórias anteriores ao escrito, ou contemporâneas dele,
são válidas, quando se mostre que correspondem à vontade do declarante e a lei
as não sujeite à forma escrita.
2. As estipulações verbais
posteriores ao documento são válidas, excepto se, para o efeito, a lei exigir a
forma escrita.
ARTIGO 223º
(Forma convencional)
1. Podem as partes
estipular uma forma especial para a declaração; presume-se, neste caso, que as
partes se não querem vincular senão pela forma convencionada.
2. Se, porém, a forma só
for convencionada depois de o negócio estar concluído ou no momento da sua
conclusão, e houver fundamento para admitir que as partes se quiseram vincular
desde logo, presume-se que a convenção teve em vista a consolidação do negócio,
ou qualquer outro efeito, mas não a sua substituição.
SUBSECÇÃO III
Perfeição da declaração
negocial
ARTIGO 224º
(Eficácia da declaração
negocial)
1. A declaração negocial
que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele
conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma
adequada.
2. É também considerada
eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele
oportunamente recebida.
3. A declaração recebida
pelo destinatário em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida é
ineficaz.
ARTIGO 225º
(Anúncio público da
declaração)
A declaração pode ser feita
mediante anúncio publicado num dos jornais da residência do declarante, quando
se dirija a pessoa desconhecida ou cujo paradeiro seja por aquele ignorado.
ARTIGO 226º
(Morte, incapacidade ou
indisponibilidade superveniente)
1. A morte ou incapacidade
do declarante, posterior à emissão da declaração, não prejudica a eficácia
desta, salvo se o contrário resultar da própria declaração.
2. A declaração é ineficaz,
se o declarante, enquanto o destinatário não a receber ou dela não tiver
conhecimento, perder o poder de disposição do direito a que ela se refere.
ARTIGO 227º
(Culpa na formação dos
contratos)
1. Quem negoceia com outrem
para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação
dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos
que culposamente causar à outra parte.
2. A responsabilidade
prescreve nos termos do artigo 498º.
ARTIGO 228º
(Duração da proposta
contratual)
1. A proposta do contrato
obriga o proponente nos termos seguintes:
a) Se for fixado pelo
proponente ou convencionado pelas partes um prazo para a aceitação, a proposta
mantém-se até o prazo findar;
b) Se não for fixado prazo,
mas o proponente pedir resposta imediata, a proposta mantém-se até que, em
condições normais, esta e a aceitação cheguem ao seu destino;
c) Se não for fixado prazo
e a proposta for feita a pessoa ausente ou, por escrito, a pessoa presente,
manter-se-á até cinco dias depois do prazo que resulta do preceituado na alínea
precedente.
2. O disposto no número
anterior não prejudica o direito de revogação da proposta nos termos em que a
revogação é admitida no artigo 230º.
ARTIGO 229º
(Recepção tardia)
1. Se o proponente receber
a aceitação tardiamente, mas não tiver razões para admitir que ela foi expedida
fora do tempo, deve avisar imediatamente o aceitante de que o contrato se não
concluiu, sob pena de responder pelo prejuízo havido.
2. O proponente pode,
todavia, considerar eficaz a resposta tardia, desde que ela tenha sido expedida
em tempo oportuno; em qualquer outro caso, a formação do contrato depende de
nova proposta e nova aceitação.
ARTIGO 230º
(Irrevogabilidade da
proposta)
1. Salvo declaração em
contrário, a proposta de contrato é irrevogável depois de ser recebida pelo destinatário
ou de ser dele conhecida.
2. Se, porém, ao mesmo
tempo que a proposta, ou antes dela, o destinatário receber a retractação do
proponente ou tiver por outro meio conhecimento dela, fica a proposta sem
efeito.
3. A revogação da proposta,
quando dirigida ao público, é eficaz, desde que seja feita na forma da oferta
ou em forma equivalente.
ARTIGO 231º
(Morte ou incapacidade
do proponente ou do destinatário)
1. Não obsta à conclusão do
contrato a morte ou incapacidade do proponente, excepto se houver fundamento
para presumir que outra teria sido a sua vontade.
2. A morte ou incapacidade
do destinatário determina a ineficácia da proposta.
ARTIGO 232º
(Âmbito do acordo de
vontades)
O contrato não fica
concluído enquanto as partes não houverem acordado em todas as cláusulas sobre
as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo.
ARTIGO 233º
(Aceitação com
modificações)
A aceitação com
aditamentos, limitações ou outras modificações importa a rejeição da proposta;
mas, se a modificação for suficientemente precisa, equivale a nova proposta,
contanto que outro sentido não resulte da declaração.
Artigo 234º
(Dispensa da declaração
de aceitação)
Qaundo a proposta, a
própria natureza ou circunstâncias do negócio, ou os usos tornem dispensável a
declaração de aceitação, tem-se o contrato por concluído logo que a conduta da
outra parte mostre a intenção de aceitar a proposta.
Artigo 235º
(Revogação da aceitação
ou da rejeição)
1. Se o destinatário
rejeitar a proposta, mas depois a aceitar, prevalece a aceitação, desde que
esta chegue ao poder do proponente, ou seja dele conhecida, ao mesmo tempo que
a rejeição, ou antes dela.
2. A aceitação pode ser
revogada mediante declaração que ao mesmo tempo, ou antes dela, chegue ao poder
do proponente ou seja dele conhecida.
SUBSECÇÃO IV
Interpretação e
integração
ARTIGO 236º
(Sentido normal da
declaração)
1. A declaração negocial
vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real
declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não
puder razoavelmente contar com ele.
2. Sempre que o
declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale
a declaração emitida.
ARTIGO 237º
(Casos duvidosos)
Em caso de dúvida sobre o
sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para
o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das
prestações.
ARTIGO 238º
(Negócios formais)
1. Nos negócios formais não
pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência
no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
2. Esse sentido pode,
todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões
determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.
ARTIGO 239º
(Integração)
Na falta de disposição
especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade
que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo
com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta.
SUBSECÇÃO V
Falta e vícios da
vontade
ARTIGO 240º
(Simulação)
1. Se, por acordo entre
declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver
divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o
negócio diz-se simulado.
2. O negócio simulado é
nulo.
ARTIGO 241º
(Simulação relativa)
1. Quando sob o negócio
simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o
regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a
sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado.
2. Se, porém, o negócio
dissimulado for de natureza formal, só é válido se tiver sido observada a forma
exigida por lei.
ARTIGO 242º
(Legitimidade para
arguir a simulação)
1. Sem prejuízo do disposto
no artigo 286º, a nulidade do negócio simulado pode ser arguida pelos próprios
simuladores entre si, ainda que a simulação seja fraudulenta.
2. A nulidade pode também
ser invocada pelos herdeiros legitimários que pretendam agir em vida do autor
da sucessão contra os negócios por ele simuladamente feitos com o intuito de os
prejudicar.
ARTIGO 243º
(Inoponibilidade da
simulação a terceiros de boa fé)
1. A nulidade proveniente
da simulação não pode ser arguida pelo simulador contra terceiro de boa fé.
2. A boa fé consiste na
ignorância da simulação ao tempo em que foram constituídos os respectivos
direitos.
3. Considera-se sempre de
má fé o terceiro que adquiriu o direito posteriormente ao registo da acção de
simulação, quando a este haja lugar.
ARTIGO 244º
(Reserva mental)
1. Há reserva mental,
sempre que é emitida uma declaração contrária à vontade real com o intuito de
enganar o declaratário.
2. A reserva não prejudica
a validade da declaração, excepto se for conhecida do declaratário; neste caso,
a reserva tem os efeitos da simulação.
ARTIGO 245º
(Declarações não sérias)
1. A declaração não séria,
feita na expectativa de que a falta de seriedade não seja desconhecida, carece
de qualquer efeito.
2. Se, porém, a declaração
for feita em circunstâncias que induzam o declaratário a aceitar
justificadamente a sua seriedade, tem ele o direito de ser indemnizado pelo
prejuízo que sofrer.
ARTIGO 246º
(Falta de consciência da
declaração e coacção física)
A declaração não produz
qualquer efeito, se o declarante não tiver a consciência de fazer uma
declaração negocial ou for coagido pela força física a emiti-la; mas, se a
falta de consciência da declaração foi devida a culpa, fica o declarante
obrigado a indemnizar o declaratário.
ARTIGO 247º
(Erro na declaração)
Quando, em virtude de erro,
a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração
negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar
a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.
ARTIGO 248º
(Validação do negócio)
A anulabilidade fundada em
erro na declaração não procede, se o declaratário aceitar o negócio como o
declarante o queria.
ARTIGO 249º
(Erro de cálculo ou de
escrita)
O simples erro de cálculo
ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das
circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá o direito à rectificação
desta.
ARTIGO 250º
(Erro na trasmissão da
declaração)
1. A declaração negocial
inexactamente transmitida por quem seja incumbido da transmissão pode ser
anulada nos termos do artigo 247º.
2. Quando, porém, a
inexactidão for devida a dolo do intermediário, a declaração é sempre anulável.
ARTIGO 251º
(Erro sobre a pessoa ou
sobre o objecto do negócio)
O erro que atinja os
motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou
ao objecto do negócio, torna este anulável nos termos do artigo 247º.
ARTIGO 252º
(Erro sobre os motivos)
1. O erro que recaia nos
motivos determinantes da vontade, mas se não refira à pessoa do declaratário
nem ao objecto do negócio, só é causa de anulação se as partes houverem
reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo.
2. Se, porém, recair sobre
as circunstâncias que constituem a base do negócio, é aplicável ao erro do
declarante o disposto sobre a resolução ou modificação do contrato por
alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o negócio foi
concluído.
ARTIGO 253º
(Dolo)
1. Entende-se por dolo
qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou
consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a
dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante.
2. Não constituem dolo
ilícito as sugestões ou artifícios usuais, considerados legítimos segundo as
concepções dominantes no comércio jurídico, nem a dissimulação do erro, quando
nenhum dever de elucidar o declarante resulte da lei, de estipulação negocial
ou daquelas concepções.
ARTIGO 254º
(Efeitos do dolo)
1. O declarante cuja
vontade tenha sido determinada por dolo pode anular a declaração; a
anulabilidade não é excluída pelo facto de o dolo ser bilateral.
2. Quando o dolo provier de
terceiro, a declaração só é anulável se o destinatário tinha ou devia ter
conhecimento dele; mas, se alguém tiver adquirido directamente algum direito
por virtude da declaração, esta é anulável em relação ao beneficiário, se tiver
sido ele o autor do dolo ou se o conhecia ou devia ter conhecido.
ARTIGO 255º
(Coacção moral)
1. Diz-se feita sob coacção
moral a declaração negocial determinada pelo receio de um mal de que o
declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração.
2. A ameaça tanto pode
respeitar à pessoa como à honra ou fazenda do declarante ou de terceiro.
3. Não constitui coacção a
ameaça do exercício normal de um direito nem o simples temor reverencial.
ARTIGO 256º
(Efeitos da coacção)
A declaração negocial
extorquida por coacção é anulável, ainda que esta provenha de terceiro; neste
caso, porém, é necessário que seja grave o mal e justificado o receio da sua
consumação.
ARTIGO 257º
(Incapacidade acidental)
1. A declaração negocial
feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente
incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua
vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do
declaratário.
2. O facto é notório,
quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar.
SUBSECÇÃO VI
Representação
DIVISÃO I
Princípios gerais
ARTIGO 258º
(Efeitos da
representação)
O negócio jurídico
realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes
que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último.
ARTIGO 259º
(Falta ou vícios da
vontade e estados subjectivos relevantes)
1. À excepção dos elementos
em que tenha sido decisiva a vontade do representado, é na pessoa do
representante que deve verificar-se, para efeitos de nulidade ou anulabilidade
da declaração, a falta ou vício da vontade, bem como o conhecimento ou
ignorância dos factos que podem influir nos efeitos do negócio.
2. Ao representado de má fé
não aproveita a boa fé do representante.
ARTIGO 260º
(Justificação dos
poderes do representante)
1. Se uma pessoa dirigir em
nome de outrem uma declaração a terceiro, pode este exigir que o representante,
dentro de prazo razoável, faça prova dos seus poderes, sob pena de a declaração
não produzir efeitos.
2. Se os poderes de
representação constarem de documento, pode o terceiro exigir uma cópia dele
assinada pelo representante.
ARTIGO 261º
(Negócio consigo mesmo)
1. É anulável o negócio
celebrado pelo representante consigo mesmo, seja em nome próprio, seja em
representação de terceiro, a não ser que o representado tenha especificadamente
consentido na celebração, ou que o negócio excluía por sua natureza a
possibilidade de um conflito de interesses.
2. Considera-se celebrado
pelo representante, para o efeito do número precedente, o negócio realizado por
aquele em quem tiverem sido substabelecidos os poderes de representação.
DIVISÃO II
Representação voluntária
ARTIGO 262º
(Procuração)
1. Diz-se procuração o acto
pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos.
2. Salvo disposição legal
em contrário, a procuração revestirá a forma exigida para o negócio que o
procurador deva realizar.
ARTIGO 263º
(Capacidade do
procurador)
O procurador não necessita
de ter mais do que a capacidade de entender e querer exigida pela natureza do
negócio que haja de efectuar.
ARTIGO 264º
(Substituição do
procurador)
1. O procurador só pode
fazer-se substituir por outrem se o representado o permitir ou se a faculdade
de substituição resultar do conteúdo da procuração ou da relação jurídica que a
determina.
2. A substituição não
envolve exclusão do procurador primitivo, salvo declaração em contrário.
3. Sendo autorizada a
substituição, o procurador só é responsável para com o representado se tiver
agido com culpa na escolha do substituto ou nas instruções que lhe deu.
4. O procurador pode
servir-se de auxiliares na execução da procuração, se outra coisa não resultar
do negócio ou da natureza do acto que haja de praticar.
ARTIGO 265º
(Extinção da procuração)
1. A procuração extingue-se
quando o procurador a ela renuncia, ou quando cessa a relação jurídica que lhe
serve de base, excepto se outra for, neste caso, a vontade do representado.
2. A procuração é
livremente revogável pelo representado, não obstante convenção em contrário ou
renúncia ao direito de revogação.
3. Mas, se a procuração
tiver sido conferida também no interesse do procurador ou de terceiro, não pode
ser revogada sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa.
ARTIGO 266º
(Protecção de terceiros)
1. As modificações e a
revogação da procuração devem ser levadas ao conhecimento de terceiros por
meios idóneos, sob pena de lhes não serem oponíveis senão quando se mostre que
delas tinham conhecimento no momento da conclusão do negócio.
2. As restantes causas
extintivas da procuração não podem ser opostas a terceiro que sem culpa, as
tenha ignorado.
ARTIGO 267º
(Restituição do
documento da representação)
1. O representante deve
restituir o documento de onde constem os seus poderes, logo que a procuração
tiver caducado.
2. O representante não goza
do direito de retenção do documento.
ARTIGO 268º
(Representação sem
poderes)
1. O negócio que uma
pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em
relação a este, se não for por ele ratificado.
2. A ratificação está
sujeita à forma exigida para a procuração e tem eficácia retroactiva, sem
prejuízo dos direitos de terceiro.
3. Considera-se negada a ratificação,
se não for feita dentro do prazo que a outra parte fixar para o efeito.
4. Enquanto o negócio não
for ratificado, tem a outra parte a faculdade de o revogar ou rejeitar, salvo
se, no momento da conclusão, conhecia a falta de poderes do representante.
ARTIGO 269º
(Abuso da representação)
O disposto no artigo
anterior é aplicável ao caso de o representante ter abusado dos seus poderes,
se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso.
SUBSECÇÃO VII
Condição e termo
ARTIGO 270º
(Noção de condição)
As partes podem subordinar
a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico
ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo,
resolutiva.
ARTIGO 271º
(Condições ilícitas ou
impossíveis)
1. É nulo o negócio
jurídico subordinado a uma condição contrária à lei ou à ordem pública, ou
ofensiva dos bons costumes.
2. É igualmente nulo o
negócio sujeito a uma condição suspensiva que seja física ou legalmente
impossível; se for resolutiva, tem-se a condição por não escrita.
ARTIGO 272º
(Pendência da condição)
Aquele que contrair uma
obrigação ou alienar um direito sob condição suspensiva, ou adquirir um direito
sob condição resolutiva, deve agir, na pendência da condição, segundo os
ditames da boa fé, por forma que não comprometa a integridade do direito da
outra parte.
ARTIGO 273º
(Pendência da condição:
actos conservatórios)
Na pendência da condição
suspensiva, o adquirente do direito pode praticar actos conservatórios, e
igualmente os pode realizar, na pendência da condição resolutiva, o devedor ou
o alienante condicional.
ARTIGO 274º
(Pendência da condição:
actos dispositivos)
1. Os actos de disposição
dos bens ou direitos que constituem objecto do negócio condicional, realizados
na pendência da condição, ficam sujeitos à eficácia ou ineficácia do próprio
negócio, salvo estipulação em contrário.
2. Se houver lugar à
restituição do que tiver sido alienado, é aplicável, directamente ou por
analogia, o disposto nos artigos 1269º e seguintes em relação ao possuidor de
boa fé.
ARTIGO 275º
(Verificação e não
verificação da condição)
1. A certeza de que a
condição se não pode verificar equivale à sua não verificação.
2. Se a verificação da
condição for impedida, contra as regras da boa fé, por aquele a quem prejudica,
tem-se por verificada; se for provocada, nos mesmos termos, por aquele a quem
aproveita, considera-se como não verificada.
ARTIGO 276º
(Retroactividade da
condição)
Os efeitos do preenchimento
da condição retrotraem-se à data da conclusão do negócio, a não ser que, pela
vontade das partes ou pela natureza do acto, hajam de ser reportados a outro
momento.
ARTIGO 277º
(Não retroactividade)
1. Sendo a condição
resolutiva aposta a um contrato de execução continuada ou periódica, é
aplicável o disposto no nº 2 do art. 434º.
2. O preenchimento da
condição não prejudica a validade dos actos de administração ordinária
realizados, enquanto a condição estiver pendente, pela parte a quem incumbir o
exercício do direito.
3. À aquisição de frutos
pela parte a que se refere o número anterior são aplicáveis as disposições
relativas à aquisição de frutos pelo possuidor de boa fé.
ARTIGO 278º
(Termo)
Se for estipulado que os
efeitos do negócio jurídico comecem ou cessem a partir de certo momento, é
aplicável à estipulação, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos
272º e 273º.
ARTIGO 279º
(Cômputo do termo)
À fixação do termo são
aplicáveis, em caso de dúvida, as seguintes regras:
a) Se o termo se referir ao
princípio, meio ou fim do mês, entende-se como tal, respectivamente, o primeiro
dia, o dia 15 e o último dia do mês; se for fixado no princípio, meio ou fim do
ano, entende-se, respectivamente, o primeiro dia do ano, o dia 30 de Junho e o
dia 31 de Dezembro;
b) Na contagem de qualquer
prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer
o evento a partir do qual o prazo começa a correr;
c) O prazo fixado em
semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que
corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no
último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse
mês;
d) É havido,
respectivamente, como prazo de uma ou duas semanas o designado por oito ou
quinze dias, sendo havido como prazo de um ou dois dias o designado por 24 ou
48 horas;
e) O prazo que termine em
domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e
dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo
tiver de ser praticado em juízo.
SECÇÃO II
Objecto negocial.
Negócios usurários
ARTIGO 280º
(Requisitos do objecto
negocial)
1. É nulo o negócio
jurídico cujo objecto seja física ou legamente impossível, contrário à lei ou
indeterminável.
2. É nulo o negócio
contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes.
ARTIGO 281º
(Fim contrário à lei ou
à ordem pública ou ofensivo dos bons costumes)
Se apenas o fim do negócio
jurídico for contrário à lei ou à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes,
o negócio só é nulo quando o fim for comum a ambas as partes.
ARTIGO 282º
(Negócios usurários)
1. É anulável, por usura, o
negócio jurídico, quando alguém, explorando a situação de necessidade,
inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de
outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de
benefícios excessivos ou injustificados.
2. Fica ressalvado o regime
especial estabelecido nos artigos 559º-A e 1146º.
(Redacção do Dec.-Lei
262/83, de 16-6)
ARTIGO 283º
(Modificação dos
negócios usurários)
1. Em lugar da anulação, o
lesado pode requerer a modificação do negócio segundos juízos de equidade.
2. Requerida a anulação, a
parte contrária tem a faculdade de opor-se ao pedido, declarando aceitar a
modificação do negócio nos termos do número anterior.
ARTIGO 284º
(Usura criminosa)
Quando o negócio usurário
constituir crime, o prazo para o exercício do direito de anulação ou
modificação não termina enquanto o crime não prescrever; e, se a
responsabilidade criminal se extinguir por causa diferente da prescrição ou no
juízo penal for proferida sentença que transite em julgado, aquele prazo
conta-se da data da extinção da responsabilidade criminal ou daquela em que a
sentença transitar em julgado, salvo se houver de contar-se a partir de momento
posterior, por força do disposto no nº 1 do artigo 287º.
SECÇÃO III
Nulidade e anulabilidade
do negócio jurídico
ARTIGO 285º
(Disposição geral)
Na falta de regime
especial, são aplicáveis à nulidade e à anulabilidade do negócio jurídico as
disposições dos artigos subsequentes.
ARTIGO 286º
(Nulidade)
A nulidade é invocável a
todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo
tribunal.
ARTIGO 287º
(Anulabilidade)
1. Só têm legitimidade para
arguir a anulabilidade as pessoas em cujo interesse a lei a estabelece, e só
dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento.
2. Enquanto, porém, o
negócio não estiver cumprido, pode a anulabilidade ser arguida, sem dependência
de prazo, tanto por via de acção como por via de excepção.
ARTIGO 288º
(Confirmação)
1. A anulabilidade é
sanável mediante confirmação.
2. A confirmação compete à
pessoa a quem pertencer o direito de anulação, e só é eficaz quando for
posterior à cessação do vício que serve de fundamento à anulabilidade e o seu autor
tiver conhecimento do vício e do direito à anulação.
3. A confirmação pode ser
expressa ou tácita e não depende de forma especial.
4. A confirmação tem
eficácia retroactiva, mesmo em relação a terceiro.
ARTIGO 289º
(Efeitos da declaração
de nulidade e da anulação)
1. Tanto a declaração de
nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser
restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não
for possível, o valor correspondente.
2. Tendo alguma das partes
alienado gratuitamente coisa que devesse restituir, e não podendo tornar-se
efectiva contra o alienante a restituição do valor dela, fica o adquirente
obrigado em lugar daquele, mas só na medida do seu enriquecimento.
3. É aplicável em qualquer
dos casos previstos nos números anteriores, directamente ou por analogia, o
disposto nos artigos 1269º e seguintes.
ARTIGO 290º
(Momento da restituição)
As obrigações recíprocas de
restituição que incumbem às partes por força da nulidade ou anulação do negócio
devem ser cumpridas simultaneamente, sendo extensivas ao caso, na parte
aplicável, as normas relativas à excepção de não cumprimento do contrato.
ARTIGO 291º
(Inoponibilidade da
nulidade e da anulação)
1. A declaração de nulidade
ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a bens móveis
sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens,
a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for
anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo
entre as partes acerca da invalidade do negócio.
2. Os direitos de terceiro
não são, todavia, reconhecidos, se a acção for proposta e registada dentro dos
três anos posteriores à conclusão do negócio.
3. É considerado de boa fé
o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecia, sem culpa, o
vício do negócio nulo ou anulável.
ARTIGO 292º
(Redução)
A nulidade ou anulação
parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre
que este não teria sido concluído sem a parte viciada.
ARTIGO 293º
(Conversão)
O negócio nulo ou anulado
pode converter-se num negócio de tipo ou conteúdo diferente, do qual contenha
os requisitos essenciais de substância e de forma, quando o fim prosseguido
pelas partes permita supor que elas o teriam querido, se tivessem previsto a
invalidade.
ARTIGO 294º
(Negócios celebrados
contra a lei)
Os negócios celebrados
contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em
que outra solução resulte da lei.
CAPÍTULO II
Actos jurídicos
ARTIGO 295º
(Disposições
reguladoras)
Aos actos jurídicos que não
sejam negócios jurídicos são aplicáveis, na medida em que a analogia das
situações o justifique, as disposições do capítulo precedente.
CAPÍTULO III
O tempo e a sua
repercussão nas relações jurídicas
SECÇÃO I
Disposições gerais
ARTIGO 296º
(Contagem dos prazos)
As regras constantes do
artigo 279º são aplicáveis, na falta de disposição especial em contrário, aos
prazos e termos fixados por lei, pelos tribunais ou por qualquer outra
autoridade.
ARTIGO 297º
(Alteração de prazos)
1. A lei que estabelecer,
para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é
também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta
a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga,
falte menos tempo para o prazo se completar.
2. A lei que fixar um prazo
mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas
computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial.
3. A doutrina dos números
anteriores é extensiva, na parte aplicável, aos prazos fixados pelos tribunais
ou por qualquer autoridade.
ARTIGO 298º
(Prescrição, caducidade
e não uso do direito)
1. Estão sujeitos a
prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na
lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos
de prescrição.
2. Quando, por força da lei
ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo,
são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira
expressamente à prescrição.
3. Os direitos de
propriedade, usufruto, uso e habitação, enfiteuse, superfície e servidão não
prescrevem, mas podem extinguir-se pelo não uso nos casos especialmente previstos
na lei, sendo aplicáveis nesses casos, na falta de disposição em contrário, as
regras da caducidade.
ARTIGO 299º
(Alteração da
qualificação)
1. Se a lei considerar de
caducidade um prazo que a lei anterior tratava como prescricional, ou se, ao
contrário, considerar como prazo de prescrição o que a lei antiga tratava como
caso de caducidade, a nova qualificação é também aplicável aos prazos em curso.
2. No primeiro caso, porém,
se a prescrição estiver suspensa ou tiver sido interrompida no domínio da lei
antiga, nem a suspensão nem a interrupção serão atingidas pela aplicação da
nova lei; no segundo, o prazo passa a ser susceptível de suspensão e
interrupção nos termos gerais da prescrição.
SECÇÃO II
Prescrição
SUBSECÇÃO I
Disposições gerais
ARTIGO 300º
(Inderrogabilidade do
regime da prescrição)
São nulos os negócios
jurídicos destinados a modificar os prazos legais da prescrição ou a facilitar
ou dificultar por outro modo as condições em que a prescrição opera os seus
efeitos.
ARTIGO 301º
(A quem aproveita a
prescrição)
A prescrição aproveita a
todos os que dela possam tirar benefício, sem excepção dos incapazes.
ARTIGO 302º
(Renúncia da prescrição)
1. A renúncia da prescrição
só é admitida depois de haver decorrido o prazo prescricional.
2. A renúncia pode ser
tácita e não necessita de ser aceita pelo beneficiário.
3. Só tem legitimidade para
renunciar à prescrição quem puder dispor do benefício que a prescrição tenha
criado.
ARTIGO 303º
(Invocação da
prescrição)
O tribunal não pode suprir,
de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada,
judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu
representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público.
ARTIGO 304º
(Efeitos da prescrição)
1. Completada a prescrição,
tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se
opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.
2. Não pode, contudo, ser
repetida a prestação realizada espontaneamente em cumprimento de uma obrigação
prescrita, ainda quando feita com ignorância da prescrição; este regime é
aplicável a quaisquer formas de satisfação do direito prescrito, bem como ao
seu reconhecimento ou à prestação de garantias.
3. No caso de venda com
reserva de propriedade até ao pagamento do preço, se prescrever o crédito do
preço, pode o vendedor, não obstante a prescrição, exigir a restituição da
coisa quando o preço não seja pago.
ARTIGO 305º
(Oponibilidade da
prescrição por terceiros)
1. A prescrição é invocável
pelos credores e por terceiros com legítimo interesse na sua declaração, ainda
que o devedor a ela tenha renunciado.
2. Se, porém, o devedor
tiver renunciado, a prescrição só pode ser invocada pelos credores desde que se
verifiquem os requisitos exigidos para a impugnação pauliana.
3. Se, demandado o devedor,
este não alegar a prescrição e for condenado, o caso julgado não afecta o
direito reconhecido aos seus credores.
ARTIGO 306º
(Início do curso da
prescrição)
1. O prazo da prescrição
começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário
da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a
interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição.
2. A prescrição de direitos
sujeitos a condição suspensiva ou termo inicial só começa depois de a condição
se verificar ou o termo se vencer.
3. Se for estipulado que o
devedor cumprirá quando puder, ou o prazo for deixado ao arbítrio do devedor, a
prescrição só começa a correr depois da morte dele.
4. Se a dívida for
ilíquida, a prescrição começa a correr desde que ao credor seja lícito promover
a liquidação; promovida a liquidação, a prescrição do resultado líquido começa
a correr desde que seja feito o seu apuramento por acordo ou sentença passada
em julgado.
ARTIGO 307º
(Prestações periódicas)
Tratando-se de renda
perpétua ou vitalícia ou de outras prestações periódicas análogas, a prescrição
do direito unitário do credor corre desde a exigibilidade da primeira prestação
que não for paga.
ARTIGO 308º
(Transmissão)
1. Depois de iniciada, a
prescrição continua a correr, ainda que o direito passe para novo titular.
2. Se a dívida for assumida
por terceiro, a prescrição continua a correr em benefício dele, a não ser que a
assunção importe reconhecimento interruptivo da prescrição.
SUBSECÇÃO II
Prazos da prescrição
ARTIGO 309º
(Prazo ordinário)
O prazo ordinário da
prescrição é de vinte anos.
ARTIGO 310º
(Prescrição de cinco
anos)
Prescrevem no prazo de
cinco anos:
a) As anuidades de rendas
perpétuas ou vitalícias;
b) As rendas e alugueres
devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez;
c) Os foros;
d) Os juros convencionais
ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;
e) As quotas de amortização
do capital pagáveis com os juros;
f) As pensões alimentícias
vencidas;
g) Quaisquer outras
prestações periodicamente renováveis.
ARTIGO 311º
(Direitos reconhecidos
em sentença ou título executivo)
1. O direito para cuja
prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que
o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em
julgado que o reconheça, ou outro título executivo.
2. Quando, porém, a
sentença ou outro título se referir a prestações ainda não devidas, a
prescrição continua a ser, em relação a elas, a de curto prazo.
SUBSECÇÃO III
Prescrições presuntivas
ARTIGO 312º
(Fundamento das
prescrições presuntivas)
As prescrições de que trata
a presente subsecção fundam-se na presunção de cumprimento.
ARTIGO 313º
(Confissão do devedor)
1. A presunção de
cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão do devedor
originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão.
2. A confissão
extrajudicial só releva quando for realizada por escrito.
ARTIGO 314º
(Confissão tácita)
Considera-se confessada a
dívida se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal, ou
praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento.
ARTIGO 315º
(Aplicação das regras
gerais)
As obrigações sujeitas a
prescrição presuntiva estão subordinadas, nos termos gerais, às regras da
prescrição ordinária.
ARTIGO 316º
(Prescrição de seis
meses)
Prescrevem no prazo de seis
meses os créditos de estabelecimentos de alojamento, comidas ou bebidas, pelo
alojamento, comidas ou bebidas que forneçam, sem prejuízo do disposto na alínea
a) do artigo seguinte.
ARTIGO 317º
(Prescrição de dois
anos)
Prescrevem no prazo de dois
anos:
a) Os créditos dos
estabelecimentos que forneçam alojamento, ou alojamento e alimentação, a
estudantes, bem como os créditos dos estabelecimentos de ensino, educação,
assistência ou tratamento, relativamente aos serviços prestados;
b) Os créditos dos
comerciantes pelos objectos vendidos a quem não seja comerciante ou os não
destine ao seu comércio, e bem assim os créditos daqueles que exerçam
profissionalmente uma indústria, pelo fornecimento de mercadorias ou produtos,
execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, incluindo as despesas que
hajam efectuado, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do
devedor;
c) Os créditos pelos
serviços prestados no exercício de profissões liberais e pelo reembolso das
despesas correspondentes.
SUBSECÇÃO IV
Suspensão da prescrição
ARTIGO 318º
(Causas bilaterais da
suspensão)
A prescrição não começa nem
corre:
a) Entre os cônjuges, ainda
que separados judicialmente de pessoas e bens;
b) Entre quem exerça o
poder paternal e as pessoas a ele sujeitas, entre o tutor e o tutelado ou entre
o curador e o curatelado;
c) Entre as pessoas cujos
bens estejam sujeitos, por lei ou por determinação judicial ou de terceiro, à
administração de outrem e aquelas que exercem a administração, até serem
aprovadas as contas finais;
d) Entre as pessoas
colectivas e os respectivos administradores, relativamente à responsabilidade
destes pelo exercício dos seus cargos, enquanto neles se mantiverem;
e) Entre quem presta o
trabalho doméstico e o respectivo patrão, enquanto o contrato durar;
f) Enquanto o devedor for
usufrutuário do crédito ou tiver direito de penhor sobre ele.
ARTIGO 319º
(Suspensão a favor de
militares e pessoas adstritas às forças militares)
A prescrição não começa nem
corre contra militares em serviço, durante o tempo de guerra ou mobilização,
dentro ou fora do País, ou contra as pessoas que estejam, por motivo de
serviço, adstritas às forças militares.
ARTIGO 320º
(Suspensão a favor de
menores, interditos ou inabilitados)
1. A prescrição não começa
nem corre contra menores enquanto não tiverem quem os represente ou administre
seus bens, salvo se respeitar a actos para os quais o menor tenha capacidade;
e, ainda que o menor tenha representante legal ou quem administre os seus bens,
a prescrição contra ele não se completa sem ter decorrido um ano a partir do
termo da incapacidade.
2. Tratando-se de
prescrições presuntivas, a prescrição não se suspende, mas não se completa sem
ter decorrido um ano sobre a data em que o menor passou a ter representante
legal ou administrador dos seus bens ou adquiriu plena capacidade.
3. O disposto nos números
anteriores é aplicável aos interditos e inabilitados que não tenham capacidade
para exercer o seu direito, com a diferença de que a incapacidade se considera
finda, caso não tenha cessado antes, passados três anos sobre o termo do prazo
que seria aplicável se a suspensão se não houvesse verificado.
ARTIGO 321º
(Suspensão por motivo de
força maior ou dolo do obrigado)
1. A prescrição suspende-se
durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito,
por motivo de força maior, no decurso dos últimos três meses do prazo.
2. Se o titular não tiver
exercido o seu direito em consequência de dolo do obrigado, é aplicável o
disposto no número anterior.
ARTIGO 322º
(Prescrição dos direitos
da herança ou contra ela)
A prescrição de direitos da
herança ou contra ela não se completa antes de decorridos seis meses depois de
haver pessoa por quem ou contra quem os direitos possam ser invocados.
SUBSECÇÃO V
Interrupção da
prescrição
ARTIGO 323º
(Interrupção promovida
pelo titular)
1. A prescrição
interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que
exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual
for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
2. Se a citação ou
notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por
causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo
que decorram os cinco dias.
3. A anulação da citação ou
notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores.
4. É equiparado à citação
ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo
qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.
ARTIGO 324º
(Compromisso arbitral)
1. O compromisso arbitral
interrompe a prescrição relativamente ao direito que se pretende tornar
efectivo.
2. Havendo cláusula
compromissória ou sendo o julgamento arbitral determinado por lei, a prescrição
considera-se interrompida quando se verifique algum dos casos previstos no
artigo anterior.
ARTIGO 325º
(Reconhecimento)
1. A prescrição é ainda
interrompida pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo
titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido.
2. O reconhecimento tácito
só é relevante quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam.
ARTIGO 326º
(Efeitos da interrupção)
1. A interrupção inutiliza
para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo
prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do
artigo seguinte.
2. A nova prescrição está
sujeita ao prazo da prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311º.
ARTIGO 327º
(Duração da interrupção)
1. Se a interrupção
resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso
arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em
julgado a decisão que puser termo ao processo.
2. Quando, porém, se
verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada
deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo prescricional
começa a correr logo após o acto interruptivo.
3. Se, por motivo
processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da
instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo da prescrição
tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em
julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso,
não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses.
SECÇÃO III
Caducidade
ARTIGO 328º
(Suspensão e
interrupção)
O prazo de caducidade não
se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine.
ARTIGO 329º
(Começo do prazo)
O prazo de caducidade, se a
lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder
legalmente ser exercido.
ARTIGO 330º
(Estipulações válidas
sobre a caducidade)
1. São válidos os negócios
pelos quais se criem casos especiais de caducidade, se modifique o regime legal
desta ou se renuncie a ela, contanto que não se trate de matéria subtraída à
disponibilidade das partes ou de fraude às regras legais da prescrição.
2. São aplicáveis aos casos
convencionais de caducidade, na dúvida acerca da vontade dos contraentes, as
disposições relativas à suspensão da prescrição.
ARTIGO 331º
(Causas impeditivas da
caducidade)
1. Só impede a caducidade a
prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou
convenção atribua efeito impeditivo.
2. Quando, porém, se trate
de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível,
impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra
quem deva ser exercido.
ARTIGO 332º
(Absolvição e
interrupção da instância e ineficácia do compromisso arbitral)
1. Quando a caducidade se
referir ao direito de propor certa acção em juízo e esta tiver sido
tempestivamente proposta, é aplicável o disposto no nº 3 do artigo 327º; mas,
se o prazo fixado para a caducidade for inferior a dois meses, é substituido
por ele o designado nesse preceito.
2. Nos casos previstos na
primeira parte do artigo anterior, se a instância se tiver interrompido, não se
conta para efeitos de caducidade o prazo decorrido entre a proposição da acção
e a interrupção da instância.
ARTIGO 333º
(Apreciação oficiosa da
caducidade)
1. A caducidade é apreciada
oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se
for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes.
2. Se for estabelecida em
matéria não excluída da disponibilidade das partes, é aplicável à caducidade o
disposto no artigo 303º.
SUBTÍTULO IV
DO EXERCÍCIO E TUTELA
DOS DIREITOS
CAPÍTULO I
Disposições gerais
ARTIGO 334º
(Abuso do direito)
É ilegítimo o exercício de
um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa
fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
ARTIGO 335º
(Colisão de direitos)
1. Havendo colisão de
direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do
necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior
detrimento para qualquer das partes.
2. Se os direitos forem
desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior.
ARTIGO 336º
(Acção directa)
1. É lícito o recurso à
força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito, quando a acção
directa for indispensável, pela impossibilidade de recorrer em tempo útil aos
meios coercivos normais, para evitar a inutilização prática desse direito,
contanto que o agente não exceda o que for necessário para evitar o prejuízo.
2. A acção directa pode
consistir na apropriação, destruição ou deterioração de uma coisa,na eliminação
da resistência irregularmente oposta ao exercício do direito, ou noutro acto
análogo.
3. A acção directa não é
lícita, quando sacrifique interesses superiores aos que o agente visa realizar
ou assegurar.
ARTIGO 337º
(Legítima defesa)
1. Considera-se justificado
o acto destinado a afastar qualquer agressão actual e contrária à lei contra a
pessoa ou património do agente ou de terceiro, desde que não seja possível
fazê-lo pelos meios normais e o prejuízo causado pelo acto não seja
manifestamente superior ao que pode resultar da agressão.
2. O acto considera-se
igualmente justificado, ainda que haja excesso de legítima defesa, se o excesso
for devido a perturbação ou medo não culposo do agente.
ARTIGO 338º
(Erro acerca dos
pressupostos da acção directa ou da legítima defesa)
Se o titular do direito
agir na suposição errónea de se verificarem os pressupostos que justificam a
acção directa ou a legítima defesa, é obrigado a indemnizar o prejuízo causado,
salvo se o erro for desculpável.
ARTIGO 339º
(Estado de necessidade)
1. É lícita a acção daquele
que destruir ou danificar coisa alheia com o fim de remover o perigo actual de
um dano manifestamente superior, quer do agente, quer de terceiro.
2. O autor da destruição ou
do dano é, todavia, obrigado a indemnizar o lesado pelo prejuízo sofrido, se o
perigo for provocado por sua culpa exclusiva; em qualquer outro caso, o
tribunal pode fixar uma indemnização equitativa e condenar nela não só o
agente, como aqueles que tiraram proveito do acto ou contribuíram para o estado
de necessidade.
ARTIGO 340º
(Consentimento do
lesado)
1. O acto lesivo dos
direitos de outrem é lícito, desde que este tenha consentido na lesão.
2. O consentimento do
lesado não exclui, porém, a ilicitude do acto, quando este for contrário a uma
proibição legal ou aos bons costumes.
3. Tem-se por consentida a
lesão, quando esta se deu no interesse do lesado e de acordo com a sua vontade
presumível.
CAPÍTULO II
Provas
SECÇÃO I
Disposições gerais
ARTIGO 341º
(Função das provas)
As provas têm por função a
demonstração da realidade dos factos.
ARTIGO 342º
(Ónus da prova)
1. Àquele que invocar um
direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
2. A prova dos factos
impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele
contra quem a invocação é feita.
3. Em caso de dúvida, os
factos devem ser considerados como constitutivos do direito.
ARTIGO 343º
(Ónus da prova em casos
especiais)
1. Nas acções de simples
apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos
constitutivos do direito que se arroga.
2. Nas acções que devam ser
propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento
de determinado facto, cabe ao réu a prova de o prazo ter já decorrido, salvo se
outra for a solução especialmente consignada na lei.
3. Se o direito invocado
pelo autor estiver sujeito a condição suspensiva ou a termo inicial, cabe-lhe a
prova de que a condição se verificou ou o termo se venceu; se o direito estiver
sujeito a condição resolutiva ou a termo final, cabe ao réu provar a
verificação da condição ou o vencimento do prazo.
ARTIGO 344º
(Inversão do ónus da
prova)
1. As regras dos artigos
anteriores invertem-se, quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do
ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, e, de um modo geral, sempre
que a lei o determine.
2. Há também inversão do
ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a
prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande
especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações.
ARTIGO 345º
(Convenções sobre as
provas)
1. É nula a convenção que
inverta o ónus da prova, quando se trate de direito indisponível ou a inversão
torne excessivamente difícil a uma das partes o exercício do direito.
2. É nula, nas mesmas
condições, a convenção que excluir algum meio legal de prova ou admitir um meio
de prova diverso dos legais; mas, se as determinações legais quanto à prova
tiverem por fundamento razões de ordem pública, a convenção é nula em quaisquer
circunstâncias.
ARTIGO 346º
(Contraprova)
Salvo o disposto no artigo
seguinte, à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus
probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos
factos, destinada a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida
contra a parte onerada com a prova.
ARTIGO 347º
(Modo de contrariar a
prova legal plena)
A prova legal plena só pode
ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que
dela for objecto, sem prejuízo de outras restrições especialmente determinadas
na lei.
ARTIGO 348º
(Direito
consuetudinário, local, ou estrangeiro)
1. Àquele que invocar
direito consuetudinário, local ou estrangeiro, compete fazer a prova da sua
existência e conteúdo; mas o tribunal deve procurar, oficiosamente, obter o
respectivo conhecimento.
2. O conhecimento oficioso
incumbe também ao tribunal, sempre que este tenha de decidir com base no
direito consuetudinário, local ou estrangeiro, e nenhuma das partes o tenha
invocado, ou a parte contrária tenha reconhecido a sua existência e conteúdo ou
não haja deduzido oposição.
3. Na impossibilidade de
determinar o conteúdo do direito aplicável, o tribunal recorrerá às regras do
direito comum português.
SECÇÃO II
Presunções
ARTIGO 349º
(Noção)
Presunções são as ilações
que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto
desconhecido.
ARTIGO 350º
(Presunções legais)
1. Quem tem a seu favor a
presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz.
2. As presunções legais
podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em
que a lei o proibir.
ARTIGO 351º
(Presunções judiciais)
As presunções judiciais só
são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal.
SECÇÃO III
Confissão
ARTIGO 352º
(Noção)
Confissão é o
reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável
e favorece a parte contrária.
ARTIGO 353º
(Capacidade e
legitimação)
1. A confissão só é eficaz
quando feita por pessoa com capacidade e poder para dispor do direito a que o
facto confessado se refira.
2. A confissão feita pelo
litisconsorte é eficaz, se o litisconsócio for voluntário, embora o seu efeito
se restrinja ao interesse do confitente; mas não o é, se o litisconsórcio for
necessário.
3. A confissão feita por um
substituto processual não é eficaz contra o substituído.
ARTIGO 354º
(Inadmissibilidade da
confissão)
A confissão não faz prova
contra o confitente:
a) Se for declarada
insuficiente por lei ou recair sobre facto cujo reconhecimento ou investigação
a lei proíba;
b) Se recair sobre factos
relativos a direitos indisponíveis;
c) Se o facto confessado
for impossível ou notoriamente inexistente.
ARTIGO 355º
(Modalidades)
1. A confissão pode ser
judicial ou extrajudicial.
2. Confissão judicial é a
feita em juízo, competente ou não, mesmo quando arbitral, e ainda que o
processo seja de jurisdição voluntária.
3. A confissão feita num
processo só vale como judicial nesse processo; a realizada em qualquer
procedimento preliminar ou incidental só vale como confissão judicial na acção
correspondente.
4. Confissão extrajudicial
é a feita por algum modo diferente da confissão judicial.
ARTIGO 356º
(Formas da confissão
judicial)
1. A confissão judicial
espontânea pode ser feita nos articulados, segundo as prescrições da lei
processual, ou em qualquer outro acto do processo, firmado pela parte
pessoalmente ou por procurador especialmente autorizado.
2. A confissão judicial
provocada pode ser feita em depoimento de parte ou em prestação de informações
ou esclarecimentos ao tribunal.
ARTIGO 357º
(Declaração confessória)
1. A declaração confessória
deve ser inequívoca, salvo se a lei o dispensar.
2. Se for ordenado o
depoimento de parte ou o comparecimento desta para prestação de informações ou
esclarecimento, mas ela não comparecer ou se recusar a depor ou a prestar as
informações ou esclarecimentos, sem provar justo impedimento, ou responder que
não se recorda ou nada sabe, o tribunal apreciará livremente o valor da conduta
da parte para efeitos probatórios.
ARTIGO 358º
(Força probatória da
confissão)
1. A confissão judicial
escrita tem força probatória plena contra o confitente.
2. A confissão
extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos
termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a
quem a represente, tem força probatória plena.
3. A confissão
extrajudicial não constante de documento não pode ser provada por testemunhas
nos casos em que não é admitida a prova testemunhal; quando esta seja admitida,
a força probatória da confissão é livremente apreciada pelo tribunal.
4. A confissão judicial que
não seja escrita e a confissão extrajudicial feita a terceiro ou contida em
testamento são apreciadas livremente pelo tribunal.
ARTIGO 359º
(Nulidade e
anulabilidade da confissão)
1. A confissão, judicial ou
extrajudicial, pode ser declarada nula ou anulada, nos termos gerais, por falta
ou vícios da vontade, mesmo depois do trânsito em julgado da decisão, se ainda
não tiver caducado o direito de pedir a sua anulação.
2. O erro, desde que seja
essencial, não tem de satisfazer aos requisitos exigidos para a anulação dos
negócios jurídicos.
ARTIGO 360º
(Indivisibilidade da
confissão)
Se a declaração
confessória, judicial ou extrajudicial, for acompanhada da narração de outros
factos ou circunstâncias tendentes a infirmar a eficácia do facto confessado ou
a modificar ou extinguir os seus efeitos, a parte que dela quiser aproveitar-se
como prova plena tem de aceitar também como verdadeiros os outros factos ou
circunstâncias, salvo se provar a sua inexactidão.
ARTIGO 361º
(Valor do reconhecimento
não confessório)
O reconhecimento de factos
desfavoráveis, que não possa valer como confissão, vale como elemento
probatório que o tribunal apreciará livremente.
SECÇÃO IV
Prova documental
SUBSECÇÃO I
Disposições gerais
ARTIGO 362º
(Noção)
Prova documental é a que
resulta de documento; diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem
com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto.
ARTIGO 363º
(Modalidades dos
documentos escritos)
1. Os documentos escritos
podem ser autênticos ou particulares.
2. Autênticos são os
documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos
limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividades que lhe é
atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública; todos
os outros documentos são particulares.
3. Os documentos
particulares são havidos por autenticados, quando confirmados pelas partes,
perante notário, nos termos prescritos nas leis notariais.
ARTIGO 364º
(Exigência legal de
documento escrito)
1. Quando a lei exigir,
como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou
particular, não pode este ser subtituído por outro meio de prova ou por outro
documento que não seja de força probatória superior.
2. Se, porém, resultar
claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração,
pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial,
contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou
superior valor probatório.
ARTIGO 365º
(Documentos passados em
país estrangeiro)
1. Os documentos autênticos
ou particulares passados em país estrangeiro, na conformidade da respectiva
lei, fazem prova como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em
Portugal.
2. Se o documento não
estiver legalizado, nos termos da lei processual, e houver fundadas dúvidas
acerca da sua autenticidade ou da autenticidade do reconhecimento, pode ser
exigida a sua legalização.
ARTIGO 366º
(Falta de requisitos
legais)
A força probatória do
documento escrito a que falte algum dos requisitos exigidos na lei é apreciada
livremente pelo tribunal.
ARTIGO 367º
(Reforma de documentos
escritos)
Podem ser reformados
judicialmente os documentos escritos que por qualquer modo tiverem
desaparecido.
ARTIGO 368º
(Reproduções mecânicas)
As reproduções fotográficas
ou cinematográficas, os registos fonográficos e, de um modo geral, quaisquer
outras reproduções mêcanicas de factos ou de coisas fazem prova plena dos
factos e das coisas que representam, se a parte contra quem os documentos são
apresentados não impugnar a sua exactidão.
SUBSECÇÃO II
Documentos autênticos
ARTIGO 369º
(Competência da
autoridade ou oficial público)
1. O documento só é
autêntico quando a autoridade ou oficial público que o exara for competente, em
razão da matéria e do lugar, e não estiver legalmente impedido de o lavrar.
2. Considera-se, porém,
exarado por autoridade ou oficial público competente o documento lavrado por
quem exerça publicamente as respectivas funções, a não ser que os
intervenientes ou beneficiários conhecessem, no momento da sua feitura, a falsa
qualidade da autoridade ou oficial público, a sua incompetência ou a
irregularidade da sua investidura.
ARTIGO 370º
(Autenticidade)
1. Presume-se que o
documento provém da autoridade ou oficial público a quem é atribuído, quando
estiver subscrito pelo autor com assinatura reconhecida por notário ou com o
selo do respectivo serviço.
2. A presunção de
autenticidade pode ser ilidida mediante prova em contrário, e pode ser excluída
oficiosamente pelo tribunal quando seja manifesta pelos sinais exteriores do
documento a sua falta de autenticidade; em caso de dúvida, pode ser ouvida a
autoridade ou oficial público a quem o documento é atribuído.
3. Quando o documento for
anterior ao século XVIII, a sua autenticidade será estabelecida por meio de
exame feito na Torre do Tombo, desde que seja contestada ou posta em dúvida por
alguma das partes ou pela entidade a quem o documento for apresentado.
ARTIGO 371º
(Força probatória)
1. Os documentos autênticos
fazem prova plena dos factos que referem como praticados pelo autoridade ou
oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com
base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do
documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador.
2. Se o documento contiver
palavras emendadas, truncadas ou escritas sobre rasuras ou entrelinhas, sem a
devida ressalva, determinará o julgador livremente a medida em que os vícios
externos do documentos excluem ou reduzem a sua força probatória.
ARTIGO 372º
(Falsidade)
1. A força probatória dos
documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua falsidade.
2. O documento é falso,
quando nele se atesta como tendo sido objecto da percepção da autoridade ou
oficial público qualquer facto que na realidade se não verificou, ou como tendo
sido praticado pela entidade responsável qualquer acto que na realidade o não
foi.
3. Se a falsidade for
evidente em face dos sinais exteriores do documento, pode o tribunal,
oficiosamente, declará-lo falso.
SUBSECÇÃO III
Documentos particulares
ARTIGO 373º
(Assinatura)
1. Os documentos
particulares devem ser assinados pelo seu autor, ou por outrem a seu rogo, se o
rogante não souber ou não puder assinar.
2. Nos títulos emitidos em
grande número ou nos demais casos em que o uso o admita, pode a assinatura ser
substituída por simples reprodução mecânica.
3. Se o documento for
subscrito por pessoa que não saiba ou não possa ler, a subscrição só obriga
quando feita ou confirmada perante notário, depois de lido o documento ao subscritor.
4. O rogo deve igualmente
ser dado ou confirmado perante notário, depois de lido o documento ao rogante.
ARTIGO 374º
(Autoria da letra e da
assinatura)
1. A letra e a assinatura,
ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras,
quando reconhecidas ou não impugnadas, pela parte contra quem o documento é
apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe
serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como
verdadeiras.
2. Se a parte contra quem o
documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou
declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe
à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade.
ARTIGO 375º
(Reconhecimento
notarial)
1. Se estiverem
reconhecidas presencialmente, nos termos das leis notariais, a letra e a
assinatura do documento, ou só a assinatura, têm-se por verdadeiras.
2. Se a parte contra quem o
documento é apresentado arguir a falsidade do reconhecimento presencial da
letra e da assinatura, ou só da assinatura, a ela incumbe a prova dessa
falsidade.
3. Salvo disposição legal
em contrário, o reconhecimento por semelhança vale como mero juízo pericial.
ARTIGO 376º
(Força probatória)
1. O documento particular
cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova
plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e
prova da falsidade do documento.
2. Os factos compreendidos
na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos
interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos
para a prova por confissão.
3. Se o documento contiver
notas marginais, palavras entrelinhadas, rasuras, emendas ou outros vícios externos,
sem a devida ressalva, cabe ao julgador fixar livremente a medida em que esses
vícios excluem ou reduzem a força probatória do documento.
ARTIGO 377º
(Documentos
autenticados)
Os documentos particulares
autenticados nos termos da lei notarial têm a força probatória dos documentos
autênticos, mas não os substituem quando a lei exija documento desta natureza
para a validade do acto.
ARTIGO 378º
(Assinatura em branco)
Se o documento tiver sido
assinado em branco, total ou parcialmente, o seu valor probatório pode ser
ilidido, mostrando-se que nele se inseriram declarações divergentes do ajustado
com o signatário ou que o documento lhe foi subtraído.
ARTIGO 379º
(Valor dos telegramas)
Os telegramas cujos
originais tenham sido escritos e assinados ou somente assinados, pela pessoa em
nome de quem são expedidos, ou por outrem a seu rogo, nos termos do nº 4 do
artigo 373º, são considerados para todos os efeitos como documentos
particulares e estão sujeitos, como tais, ao disposto nos artigos anteriores.
SUBSECÇÃO IV
Diposições especiais
ARTIGO 380º
(Registos e outros
escritos)
1. Os registos e outros
escritos onde habitualmente alguém tome nota dos pagamentos que lhe são
efectuados fazem prova contra o seu autor, se indicarem inequivocamente, posto
que mediante um simples sinal, a recepção de algum pagamento; mas o autor do
escrito pode provar, por qualquer meio, que a nota não corresponde à realidade.
2. Têm igual força
probatória os mesmos escritos, quando feitos e assinados por outrem, segundo
instruções do credor.
3. É aplicável nestes casos
a regra da indivisibilidade, nos termos prescritos para a prova por confissão.
ARTIGO 381º
(Notas em seguimento, à
margem ou no verso do documento)
1. A nota escrita pelo
credor, ou por outrem segundo instruções dele, em seguimento, à margem ou no
verso do documento que ficou em poder do credor, ainda que não esteja datada
nem firmada, faz prova do facto anotado, se favorecer a exoneração do devedor.
2. Idêntico valor é
atribuído à nota escrita pelo credor, ou segundo instruções dele, em
seguimento, à margem ou no verso de documento de quitação ou de título de
dívida em poder do devedor.
3. A força probatória das
notas pode ser contrariada por qualquer meio de prova; mas, quando se trate de
quitação no documento ou título em poder do devedor, se a nota estiver assinada
pelo credor, são aplicáveis as regras legais acerca dos documentos particulares
assinados pelo seu autor.
ARTIGO 382º
(Cancelamento dos
escritos ou notas)
Se forem cancelados pelo
credor, os escritos a que se referem os dois artigos anteriores perdem a força
probatória que neles lhes é atribuída, ainda que o cancelamento não prejudique
a sua leitura, salvo quando forem feitos por exigência do devedor ou de
terceiro, nos termos do artigo 788º.
ARTIGO 383º
(Certidões)
1. As certidões de teor
extraídas de documentos arquivados nas repartições notariais ou noutras
repartições públicas, quando expedidas pelo notário ou por outro depositário
público autorizado, têm a força probatória dos originais.
2. A prova resultante da
certidão de teor parcial pode ser invalidada ou modificada por meio da certidão
de teor integral.
3. Qualquer interessado, e
bem assim a autoridade pública a quem for exibida, para efeito de prova, uma
certidão parcial, podem exigir do apresentante a exibição da certidão integral
correspondente.
ARTIGO 384º
(Certidões de certidões)
As certidões de certidões,
expedidas na conformidade da lei, têm a força probatória das certidões de que
forem extraídas.
ARTIGO 385º
(Invalidação da força
probatória das certidões)
1. A força probatória das
certidões pode ser invalidada ou modificada por confronto com o original ou com
a certidão de que foram extraídas.
2. A pessoa contra quem for
apresentada a certidão pode exigir que o confronto seja feito na sua presença.
ARTIGO 386º
(Públicas-formas)
1. As cópias de teor, total
ou parcial, expedidas por oficial público autorizado e extraídas de documentos
avulsos que lhe sejam apresentados para esse efeito têm a força probatória do
respectivo original, se a parte contra a qual forem apresentadas não requerer a
exibição desse original.
2. Requerida a exibição, a
pública-forma não tem a força probatória do original, se este não for
apresentado ou, sendo-o, se não mostrar conforme com ela.
ARTIGO 387º
(Fotocópias de documentos)
1. As cópias fotográficas
de documentos arquivados nas repartições notariais ou noutras repartições
públicas têm a força probatória das certidões de teor, se a conformidade delas
com o original for atestada pela entidade competente para expedir estas últimas;
é aplicável, neste caso, o disposto no artigo 385º.
2. As cópias fotográficas
de documentos estranhos aos arquivos mencionados no número anterior têm o valor
da pública-forma, se a sua conformidade com o original for atestada por
notário; é aplicável, neste caso, o disposto no artigo 386º.
SECÇÃO V
Prova pericial
ARTIGO 388º
(Objecto)
A prova pericial tem por
fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam
necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os
factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial.
ARTIGO 389º
(Força probatória)
A força probatória das
respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal.
SECÇÃO VI
Prova por inspecção
ARTIGO 390º
(Objecto)
A prova por inspecção tem
por fim a percepção directa de factos pelo tribunal.
ARTIGO 391º
(Força probatória)
O resultado da inspecção é
livremente apreciado pelo tribunal.
SECÇÃO VII
Prova testemunhal
ARTIGO 392º
(Admissibilidade)
A prova por testemunhas é
admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada.
ARTIGO 393º
(Inadmissibilidade da
prova testemunhal)
1. Se a declaração
negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser
reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida
prova testemunhal.
2. Também não é admitida
prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento
ou por outro meio com força probatória plena.
3. As regras dos números
anteriores não são aplicáveis à simples interpretação do contexto do documento.
ARTIGO 394º
(Convenções contra o
conteúdo de documentos ou além dele)
1. É inadmissível a prova
por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou
adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares
mencionados nos artigos 373º a 379º, quer as convenções sejam anteriores à
formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores.
2. A proibição do número
anterior aplica-se ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando
invocados pelos simuladores.
3. O disposto nos números
anteriores não é aplicável a terceiros.
ARTIGO 395º
(Factos extintivos da
obrigação)
As disposições dos artigos
precedentes são aplicáveis ao cumprimento, remissão, novação, compensação e, de
um modo geral, aos contratos extintivos da relação obrigacional, mas não aos
factos extintivos da obrigação, quando invocados por terceiro.
ARTIGO 396º
(Força probatória)
A força probatória dos
depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal.
LIVRO II
DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
TÍTULO I
DAS OBRIGAÇÕES EM GERAL
CAPÍTULO I
Disposições gerais
SECÇÃO I
Conteúdo da obrigação
ARTIGO 397º
(Noção)
Obrigação é o vínculo
jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à
realização de uma prestação.
ARTIGO 398º
(Conteúdo da prestação)
1. As partes podem fixar
livremente, dentro dos limites da lei, o conteúdo positivo ou negativo da
prestação.
2. A prestação não
necessita de ter valor pecuniário; mas deve corresponder a um interesse do
credor, digno de protecção legal.
ARTIGO 399º
(Prestação de coisa
futura)
É admitida a prestação de
coisa futura sempre que a lei não a proíba.
ARTIGO 400º
(Determinação da
prestação)
1. A determinação da
prestação pode ser confiada a uma ou outra das partes ou a terceiro; em
qualquer dos casos deve ser feita segundo juízos de equidade, se outros
critérios não tiverem sido estipulados.
2. Se a determinação não
puder ser feita ou não tiver sido feita no tempo devido, sê-lo-á pelo tribunal,
sem prejuízo do disposto acerca das obrigações genéricas e alternativas.
ARTIGO 401º
(Impossibilidade
originária da prestação)
1. A impossibilidade
originária da prestação produz a nulidade do negócio jurídico.
2. O negócio é, porém,
válido, se a obrigação for assumida para o caso de a prestação se tornar
possível, ou se, estando o negócio dependente de condição suspensiva ou de
termo inicial, a prestação se tornar possível até à verificação da condição ou
até ao vencimento do termo.
3. Só se considera
impossível a prestação que o seja relativamente ao objecto, e não apenas em
relação à pessoa do devedor.
SECÇÃO II
Obrigações naturais
ARTIGO 402º
(Noção)
A obrigação diz-se natural,
quando se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é
judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça.
ARTIGO 403º
(Não repetição do
indevido)
1. Não pode ser repetido o
que for prestado espontaneamente em cumprimento de obrigação natural, excepto
se o devedor não tiver capacidade para efectuar a prestação.
2. A prestação considera-se
espontânea, quando é livre de toda a coacção.
ARTIGO 404º
(Regime)
As obrigações naturais
estão sujeitas ao regime das obrigações civis em tudo o que não se relacione
com a realização coactiva da prestação, salvas as disposições especiais da lei.
CAPÍTULO II
Fontes das obrigações
SECÇÃO I
Contratos
SUBSECÇÃO I
Dispsosições gerais
ARTIGO 405º
(Liberdade contratual)
1. Dentro dos limites da
lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos,
celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as
claúsulas que lhes aprouver.
2. As partes podem ainda
reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente
regulados na lei.
ARTIGO 406º
(Eficácia dos contratos)
1. O contrato deve ser
pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo
consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.
2. Em relação a terceiros,
o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei.
ARTIGO 407º
(Incompatibilidade entre
direitos pessoais de gozo)
Quando, por contratos
sucessivos, se constituírem, a favor de pessoas diferentes, mas sobre a mesma
coisa, direitos pessoais de gozo incompatíveis entre si, prevalece o direito
mais antigo em data, sem prejuízo das regras próprias do registo.
ARTIGO 408º
(Contratos com eficácia
real)
1. A constituição ou
transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito
do contrato, salvas as excepções previstas na lei.
2. Se a transferência
respeitar a coisa futura ou indeterminada, o direito transfere-se quando a
coisa for adquirida pelo alienante ou determinada com conhecimento de ambas as
partes, sem prejuízo do disposto em matéria de obrigações genéricas e do
contrato de empreitada; se, porém, respeitar a frutos naturais ou a partes
componentes ou integrantes, a transferência só se verifica no momento da
colheita ou separação.
ARTIGO 409º
(Reserva da propriedade)
1. Nos contratos de
alienação é lícito ao alienante reservar para si a propriedade da coisa até ao
cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou até à verificação
de qualquer outro evento.
2. Tratando-se de coisa
imóvel, ou de coisa móvel sujeita a registo, só a cláusula constante do registo
é oponível a terceiros.
SUBSECÇÃO II
Contrato-promessa
ARTIGO 410º
(Regime aplicável)
1. À convenção pela qual
alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais
relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por
sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa.
2. Porém, a promessa
respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer
autêntico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte
que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou
bilateral.
3. No caso de promessa
relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de
direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, já construído, em
construção ou a construir, o documento referido no número anterior deve conter
o reconhecimento presencial da assinatura do promitente ou promitentes e a
certificação, pelo notário, da existência da licença respectiva de utilização
ou de construção; contudo, o contraente que promete transmitir ou constituir o
direito só pode invocar a omissão destes requisitos quando a mesma tenha sido
culposamente causada pela outra parte.
(Redacção do Dec.-Lei
379/86, de 11-11)
ARTIGO 411º
(Promessa unilateral)
Se o contrato-promessa
vincular apenas uma das partes e não se fixar o prazo dentro do qual o vínculo
é eficaz, pode o tribunal, a requerimento do promitente, fixar à outra parte um
prazo para o exercício do direito, findo o qual este caducará.
ARTIGO 412º
(Transmissão dos
direitos e obrigações das partes)
1. Os direitos e obrigações
resultantes do contrato-promessa que não sejam exclusivamente pessoais
transmitem-se aos sucessores das partes.
2. A transmissão por acto
entre vivos está sujeita às regras gerais.
(Redacção do Dec.-Lei
379/86, de 11-11)
ARTIGO 413º
(Eficácia real da
promessa)
1. À promessa de
transmissão ou constituição de direitos reais sobre bens imóveis, ou móveis
sujeitos a registo, podem as partes atribuir eficácia real, mediante declaração
expressa e inscrição no registo.
2. Deve constar de
escritura pública a promessa a que as partes atribuam eficácia real; porém,
quando a lei não exija essa forma para o contrato prometido, é bastante
documento particular com reconhecimento da assinatura da parte que se vincula
ou de ambas, consoante se trate de contrato-promessa unilateral ou bilateral.
(Redacção do Dec.-Lei
379/86, de 11-11)
SUBSECÇÃO III
Pactos de preferência
ARTIGO 414º
(Noção)
O pacto de preferência
consiste na convenção pela qual alguém assume a obrigação de dar preferência a
outrem na venda de determinada coisa.
ARTIGO 415º
(Forma)
É aplicável ao pacto de
preferência o disposto no nº 2 do artigo 410º.
ARTIGO 416º
(Conhecimento do
preferente)
1. Querendo vender a coisa
que é objecto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o
projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato.
2. Recebida a comunicação,
deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de
caducidade, salvo se estiver vinculado a prazo mais curto ou o obrigado lhe
assinar prazo mais longo.
ARTIGO 417º
(Venda da coisa
juntamente com outras)
1. Se o obrigado quiser
vender a coisa juntamente com outra ou outras, por um preço global, pode o
direito ser exercido em relação àquela pelo preço que proporcionalmente lhe for
atribuído, sendo lícito, porém, ao obrigado exigir que a preferência abranja
todas as restantes, se estas não forem separáveis sem prejuízo apreciável.
2. O disposto no número
anterior é aplicável ao caso de o direito de preferência ter eficácia real e a
coisa ter sido vendida a terceiro juntamente com outra ou outras.
ARTIGO 418º
(Prestação acessória)
1. Se o obrigado receber de
terceiro a promessa de uma prestação acessória que o titular do direito de
preferência não possa satisfazer, será essa prestação compensada em dinheiro;
não sendo avaliável em dinheiro, é excluída a preferência, salvo se for lícito
presumir que, mesmo sem a prestação estipulada, a venda não deixaria de ser
efectuada, ou que a prestação foi convencionada para afastar a preferência.
2. Se a prestação acessória
tiver sido convencionada para afastar a preferência, o preferente não é
obrigado a satisfazê-la, mesmo que ela seja avaliável em dinheiro.
ARTIGO 419º
(Pluralidade de titulares)
1. Pertencendo
simultaneamente a vários titulares, o direito de preferência só pode ser
exercido por todos em conjunto; mas, se o direito se extinguir em relação a
algum deles, ou algum declarar que não o quer exercer, acresce o seu direito
aos restantes.
2. Se o direito pertencer a
mais de um titular, mas houver de ser exercido apenas por um deles, na falta de
designação abrir-se-á licitação entre todos, revertendo o excesso para o
alienante.
ARTIGO 420º
(Transmissão do direito
e da obrigação de preferência)
O direito e a obrigação de
preferência não são transmissíveis em vida nem por morte, salvo estipulação em
contrário.
ARTIGO 421º
(Eficácia real)
1. O direito de preferência
pode, por convenção das partes, gozar de eficácia real se, respeitando a bens
imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, forem observados os requisitos de
forma e de publicidade exigidos no artigo 413º.
2. É aplicável neste caso,
com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 1410º.
(Redacção do Dec.-Lei
379/86, de 11-11)
ARTIGO 422º
(Valor relativo do
direito de preferência)
O direito convencional de
preferência não prevalece contra os direitos legais de preferência; e, se não
gozar de eficácia real, também não procede relativamente à alienação efectuada
em execução, falência, insolvência ou casos análogos.
ARTIGO 423º
(Extensão das
disposições anteriores a outros contratos)
As disposições dos artigos
anteriores relativas à compra e venda são extensivas, na parte aplicável, à
obrigação de preferência que tiver por objecto outros contratos com ela
compatíveis.
SUBSECÇÃO IV
Cessão da posição
contratual
ARTIGO 424º
(Noção. Requisitos)
1. No contrato com
prestações recíprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a
terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou
depois da celebração do contrato, consinta na transmissão.
2. Se o consentimento do
outro contraente for anterior à cessão, esta só produz efeitos a partir da sua
notificação ou reconhecimento.
ARTIGO 425º
(Regime)
A forma da transmissão, a
capacidade de dispor e de receber, a falta e vícios da vontade e as relações
entre as partes definem-se em função do tipo de negócio que serve de base à
cessão.
ARTIGO 426º
(Garantia da existência
da posição contratual)
1. O cedente garante ao cessionário,
no momento da cessão, a existência da posição contratual transmitida, nos
termos aplicáveis ao negócio, gratuito ou oneroso, em que a cessão se integra.
2. A garantia do
cumprimento das obrigações só existe se for convencionada nos termos gerais.
ARTIGO 427º
(Relações entre o outro
contraente e o cessionário)
A outra parte no contrato
tem o direito de opor ao cessionário os meios de defesa provenientes desse
contrato, mas não os que provenham de outras relações com o cedente, a não ser
que os tenha reservado ao consentir na cessão.
SUBSECÇÃO V
Excepção de não
cumprimento do contrato
ARTIGO 428º
(Noção)
1. Se nos contratos
bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada
um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro
não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.
2. A excepção não pode ser
afastada mediante a prestação de garantias.
ARTIGO 429º
(Insolvência ou
diminuição de garantias)
Ainda que esteja obrigado a
cumprir em primeiro lugar, tem o contraente a faculdade de recusar a respectiva
prestação enquanto o outro não cumprir ou não der garantias de cumprimento, se,
posteriormente ao contrato, se verificar alguma das circunstâncias que importam
a perda do benefício do prazo.
ARTIGO 430º
(Prescrição)
Prescrito um dos direitos,
o respectivo titular continua a gozar da excepção de não cumprimento, excepto
quando se trate de prescrição presuntiva.
ARTIGO 431º
(Eficácia em relação a
terceiros)
A excepção de não cumprimento
é oponível aos que no contrato vierem a substituir qualquer dos contraentes nos
seus direitos e obrigações.
SUBSECÇÃO VI
Resolução do contrato
ARTIGO 432º
(Casos em que é
admitida)
1. É admitida a resolução
do contrato fundada na lei ou em convenção.
2. A parte, porém, que, por
circunstâncias não imputáveis ao outro contraente, não estiver em condições de
restituir o que houver recebido não tem o direito de resolver o contrato.
ARTIGO 433º
(Efeitos entre as
partes)
Na falta de disposição
especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou
anulabilidade do negócio jurídico, com ressalva do disposto nos artigos
seguintes.
ARTIGO 434º
(Retroactividade)
1. A resolução tem efeito
retroactivo, salvo se a retroactividade contrariar a vontade das partes ou a
finalidade da resolução.
2. Nos contratos de
execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já
efectuadas, excepto se entre estas e a causa de resolução existir um vínculo
que legitime a resolução de todas elas.
ARTIGO 435º
(Efeitos em relação a
terceiros)
1. A resolução, ainda que
expressamente convencionada, não prejudica os direitos adquiridos por terceiro.
2. Porém, o registo da
acção de resolução que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo,
torna o direito de resolução oponível a terceiro que não tenha registado o seu
direito antes do registo da acção.
ARTIGO 436º
(Como e quando se
efectiva a resolução)
1. A resolução do contrato
pode fazer-se mediante declaração à outra parte.
2. Não havendo prazo
convencionado para a resolução do contrato, pode a outra parte fixar ao titular
do direito de resolução um prazo razoável para que o exerça, sob pena de
caducidade.
SUBSECÇÃO VII
Resolução ou modificação
do contrato por alteração das circunstâncias
ARTIGO 437º
(Condições de
admissibilidade)
1. Se as circunstâncias em
que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração
anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação
dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela
assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos
riscos próprios do contrato.
2. Requerida a resolução, a
parte contrária pode opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do
contrato nos termos do número anterior.
ARTIGO 438º
(Mora da parte lesada)
A parte lesada não goza do
direito de resolução ou modificação do contrato, se estava em mora no momento
em que a alteração das circunstâncias se verificou.
ARTIGO 439º
(Regime)
Resolvido o contrato, são
aplicáveis à resolução as disposições da subsecção anterior.
SUBSECÇÃO VIII
Antecipação do
cumprimento. Sinal
ARTIGO 440º
(Antecipação do
cumprimento)
Se, ao celebrar-se o
contrato ou em momento posterior, um dos contraentes entregar ao outro coisa
que coincida, no todo ou em parte, com a prestação a que fica adstrito, é a
entrega havida como antecipação total ou parcial do cumprimento, salvo se as
partes quiserem atribuir à coisa entregue o carácter de sinal.
ARTIGO 441º
(Contrato-promessa de
compra e venda)
No contrato-promessa de
compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue
pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de
antecipação ou princípio de pagamento do preço.
ARTIGO 442º
(Sinal)
1. Quando haja sinal, a
coisa entregue deve ser imputada na prestação devida, ou restituída quando a
imputação não for possível.
2. Se quem constitui o
sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o
outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não
cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de
exigir o dobro do que prestou, ou, se houve tradição da coisa a que se refere o
contrato prometido, o seu valor, ou o do direito a transmitir ou a constituir
sobre ela, determinado objectivamente, à data do não cumprimento da promessa,
com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e
a parte do preço que tenha pago.
3. Em qualquer dos casos
previstos no número anterior, o contraente não faltoso pode, em alternativa,
requerer a execução específica do contrato, nos termos do artigo 830º; se o
contraente não faltoso optar pelo aumento do valor da coisa ou do direito, como
se estabelece no número anterior, pode a outra parte opor-se ao exercício dessa
faculdade, oferecendo-se para cumprir a promessa, salvo o disposto no artigo
808º.
4. Na ausência de
estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a
qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do
dobro deste, ou do aumento do valor da coisa ou do direito à data do não
cumprimento.
(Redacção do Dec.-Lei nº
379/86, de 11-11)
SUBSECÇÃO IX
Contrato a favor de
terceiro
ARTIGO 443º
(Noção)
1. Por meio de contrato,
pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse
digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de
terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação
e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
2. Por contrato a favor de
terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder
créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir
direitos reais.
ARTIGO 444º
(Direitos do terceiro e
do promissário)
1. O terceiro a favor de
quem for convencionada a promessa adquire direito à prestação,
independentemente de aceitação.
2. O promissário tem
igualmente o direito de exigir do promitente o cumprimento da promessa, a não
ser que outra tenha sido a vontade dos contraentes.
3. Quando se trate da
promessa de exonerar o promissário de uma dívida para com terceiro, só àquele é
lícito exigir o cumprimento da promessa.
ARTIGO 445º
(Prestações em benefício
de pessoa indeterminada)
Se a prestação for
estipulada em benefício de um conjunto indeterminado de pessoas ou no interesse
público, o direito de a reclamar pertence não só ao promissário ou seus
herdeiros, como às entidades competentes para defender os interesses em causa.
ARTIGO 446º
(Direitos dos herdeiros
do promissário)
1. Nem os herdeiros do
promissário, nem as entidades a que o artigo anterior se refere, podem dispor
do direito à prestação ou autorizar qualquer modificação do seu objecto.
2. Quando a prestação se
torne impossível por causa imputável ao promitente, têm os herdeiros do
promissário, bem como as entidades competentes para reclamar o cumprimento da
prestação, o direito de exigir a correspondente indemnização, para os fins
convencionados.
ARTIGO 447º
(Rejeição ou adesão do
terceiro beneficiário)
1. O terceiro pode rejeitar
a promessa ou aderir a ela.
2. A rejeição faz-se
mediante declaração ao promitente, o qual deve comunicá-la ao promissário; se
culposamente deixar de o fazer, é responsável em face deste.
3. A adesão faz-se mediante
declaração, tanto ao promitente como ao promissário.
ARTIGO 448º
(Revogação pelos
contraentes)
1. Salvo estipulação em
contrário, a promessa é revogável enquanto o terceiro não manifestar a sua
adesão, ou enquanto o promissário for vivo, quando se trate de promessa que
haja de ser cumprida depois da morte deste.
2. O direito de revogação
pertence ao promissário; se, porém, a promessa foi feita no interesse de ambos
os outorgantes, a revogação depende do consentimento do promitente.
ARTIGO 449º
(Meios de defesa
oponíveis pelo promitente)
São oponíveis ao terceiro,
por parte do promitente, todos os meios de defesa derivados do contrato, mas
não aqueles que advenham de outra relação entre promitente e promissário.
ARTIGO 450º
(Relações entre o
promissário e pessoas estranhas ao benefício)
1. Só no que respeita à
contribuição do promissário para a prestação a terceiro são aplicáveis as
disposições relativas à colação, imputação e redução das doações e à impugnação
pauliana.
2. Se a designação de
terceiro for feita a título de liberalidade, são aplicáveis, com as necessárias
adaptações, as normas relativas à revogação das doações por ingratidão do
donatário.
(Redacção do Dec.-Lei
496/77, de 25-11)
ARTIGO 451º
(Promessa a cumprir
depois da morte do promissário)
1. Se a prestação a
terceiro houver de ser efectuada após a morte do promissário, presume-se que só
depois do falecimento deste o terceiro adquire direito a ela.
2. Se, porém, o terceiro
morrer antes do promissário, os seus herdeiros são chamados em lugar dele à
titularidade da promessa.
SUBSECÇÃO X
Contrato para pessoa a
nomear
ARTIGO 452º
(Noção)
1. Ao celebrar o contrato,
pode uma das partes reservar o direito de nomear um terceiro que adquira os
direitos e assuma as obrigações provenientes desse contrato.
2. A reserva de nomeação
não é possível nos casos em que não é admitida a representação ou é
indispensável a determinação dos contraentes.
ARTIGO 453º
(Nomeação)
1. A nomeação deve ser
feita mediante declaração por escrito ao outro contraente, dentro do prazo
convencionado ou, na falta de convenção, dentro dos cinco dias posteriores à
celebração do contrato.
2. A declaração de nomeação
deve ser acompanhada, sob pena de ineficácia, do instrumento de ratificação do
contrato ou de procuração anterior à celebração deste.
ARTIGO 454º
(Forma da ratificação)
1. A ratificação deve
constar de documento escrito.
2. Se, porém, o contrato
tiver sido celebrado por meio de documento de maior força probatória, necessita
a ratificação de revestir igual forma.
ARTIGO 455º
(Efeitos)
1. Sendo a declaração de
nomeação feita nos termos do art. 453º, a pessoa nomeada adquire os direitos e
assume as obrigações provenientes do contrato a partir da celebração dele.
2. Não sendo feita a
declaração de nomeação nos termos legais, o contrato produz os seus efeitos
relativamente ao contraente originário, desde que não haja estipulação em
contrário.
ARTIGO 456º
(Publicidade)
1. Se o contrato estiver
sujeito a registo, pode este ser feito em nome do contraente originário, com
indicação da cláusula para pessoa a nomear, fazendo-se posteriormente os
necessários averbamentos.
2. O disposto no número
anterior é extensivo a qualquer outra forma de publicidade a que o contrato
esteja sujeito.
SECÇÃO II
Negócios unilaterais
ARTIGO 457º
(Princípio geral)
A promessa unilateral de
uma prestação só obriga nos casos previstos na lei.
ARTIGO 458º
(Promessa de cumprimento
e reconhecimento de dívida)
1. Se alguém, por simples
declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação
da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental,
cuja existência se presume até prova em contrário.
2. A promessa ou
reconhecimento deve, porém, constar de documento escrito, se outras
formalidades não forem exigidas para a prova da relação fundamental.
ARTIGO 459º
(Promessa pública)
1. Aquele que, mediante
anúncio público, prometer uma prestação a quem se encontre em determinada
situação ou pratique certo facto, positivo ou negativo, fica vinculado desde
logo à promessa.
2. Na falta de declaração
em contrário, o promitente fica obrigado mesmo em relação àqueles que se
encontrem na situação prevista ou tenham praticado o facto sem atender à
promessa ou na ignorância dela.
ARTIGO 460º
(Prazo de validade)
A promessa pública sem
prazo de validade fixado pelo promitente ou imposto pela natureza ou fim da
promessa mantém-se enquanto não for revogada.
ARTIGO 461º
(Revogação)
1. Não tendo prazo de
validade, a promessa pública é revogável a todo o tempo pelo promitente; se
houver prazo, só é revogável ocorrendo justa causa.
2. Em qualquer dos casos, a
revogação não é eficaz, se não for feita na forma da promessa ou em forma
equivalente, ou se a situação prevista já se tiver verificado ou o facto já
tiver sido praticado.
ARTIGO 462º
(Cooperação de várias
pessoas)
Se na produção do resultado
previsto tiverem cooperado várias pessoas, conjunta ou separadamente, e todas
tiverem direito à prestação, esta será dividida equitativamente, atendendo-se à
parte que cada uma delas teve nesse resultado.
ARTIGO 463º
(Concursos públicos)
1. A oferta da prestação
como prémio de um concurso só é válida quando se fixar no anúncio público o
prazo para a apresentação dos concorrentes.
2. A decisão sobre a
admissão dos concorrentes ou a concessão do prémio a qualquer deles pertence
exclusivamente às pessoas designadas no anúncio ou, se não houver designação,
ao promitente.
SECÇÃO III
Gestão de negócios
ARTIGO 464º
(Noção)
Dá-se a gestão de negócios,
quando uma pessoa assume a direcção de negócio alheio no interesse e por conta
do respectivo dono, sem para tal estar autorizada.
ARTIGO 465º
(Deveres do gestor)
O gestor deve:
a) Conformar-se com o
interesse e a vontade, real ou presumível, do dono do negócio, sempre que esta
não seja contrária à lei ou à ordem pública, ou ofensiva dos bons costumes;
b) Avisar o dono do
negócio, logo que seja possível, de que assumiu a gestão;
c) Prestar contas, findo o
negócio ou interrompida a gestão, ou quando o dono as exigir;
d) Prestar a este todas as
informações relativas à gestão;
e) Entregar-lhe tudo o que
tenha recebido de terceiros no exercício da gestão ou o saldo das respectivas
contas, com os juros legais, relativamente às quantias em dinheiro, a partir do
momento em que a entrega haja de ser efectuada.
ARTIGO 466º
(Responsabilidade do
gestor)
1. O gestor responde
perante o dono do negócio, tanto pelos danos a que der causa, por culpa sua, no
exercício da gestão, como por aqueles que causar com a injustificada
interrupção dela.
2. Considera-se culposa a
actuação do gestor, quando ele agir em desconformidade com o interesse ou a
vontade, real ou presumível, do dono do negócio.
ARTIGO 467º
(Solidariedade dos
gestores)
Havendo dois ou mais
gestores que tenham agido conjuntamente, são solidárias as obrigações deles para
com o dono do negócio.
ARTIGO 468º
(Obrigações do dono do
negócio)
1. Se a gestão tiver sido
exercida em conformidade com o interesse e a vontade, real ou presumível, do
dono do negócio, é este obrigado a reembolsar o gestor das despesas que ele
fundadamente tenha considerado indispensáveis, com juros legais a contar do
momento em que foram feitas, e a indemnizá-lo do prejuízo que haja sofrido.
2. Se a gestão não foi
exercida nos termos do número anterior, o dono do negócio responde apenas
segundo as regras do enriquecimento sem causa, com ressalva do disposto no
artigo seguinte.
ARTIGO 469º
(Aprovação da gestão)
A aprovação da gestão
implica a renúncia ao direito de indemnização pelos danos devidos a culpa do
gestor e vale como reconhecimento dos direitos que a este são conferidos no nº
1 do artigo anterior.
ARTIGO 470º
(Remuneração do gestor)
1. A gestão não dá direito
a qualquer remuneração, salvo se corresponder ao exercício da actividade
profissional do gestor.
2. À fixação da remuneração
é aplicável, neste caso, o disposto no nº 2 do artigo 1158º.
ARTIGO 471º
(Representação sem
poderes e mandato sem representação)
Sem prejuízo do que
preceituam os artigos anteriores quando às relações entre o gestor e o dono do
negócio, é aplicável aos negócios jurídicos celebrados por aquele em nome deste
o disposto no artigo 268º; se o gestor os realizar em seu próprio nome, são
extensivas a esses negócios, na parte aplicável, as disposições relativas ao
mandato sem representação.
ARTIGO 472º
(Gestão de negócio alheio
julgado próprio)
1. Se alguém gerir negócio
alheio, convencido de que ele lhe pertence, só é aplicável o disposto nesta
secção se houver aprovação da gestão; em quaisquer outras circunstâncias, são
aplicáveis à gestão as regras do enriquecimento sem causa, sem prejuízo de
outras que ao caso couberem.
2. Se houver culpa do
gestor na violação do direito alheio, são aplicáveis ao caso as regras da
responsabilidade civil.
SECÇÃO IV
Enriquecimento sem causa
ARTIGO 473º
(Princípio geral)
1. Aquele que, sem causa
justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restiuir aquilo com
que injustamente se locupletou.
2. A obrigação de
restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que
for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que
deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.
ARTIGO 474º
(Natureza subsidiária da
obrigação)
Não há lugar à restituição
por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser
indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros
efeitos ao enriquecimento.
ARTIGO 475º
(Falta do resultado
previsto)
Também não há lugar à
restituição se, ao efectuar a prestação, o autor sabia que o efeito com ela
previsto era impossível, ou se, agindo contra a boa fé, impediu a sua
verificação.
ARTIGO 476º
(Repetição do indevido)
1. Sem prejuízo do disposto
acerca das obrigações naturais, o que for prestado com intenção de cumprir uma
obrigação pode ser repetido, se esta não existia no momento da prestação.
2. A prestação feita a
terceiro pode ser repetida pelo devedor enquanto não se tornar liberatória nos
termos do artigo 770º.
3. A prestação feita por
erro desculpável antes do vencimento da obrigação só dá lugar à repetição
daquilo com que o credor se enriqueceu por efeito do cumprimento antecipado.
ARTIGO 477º
(Cumprimento de
obrigação alheia na convicção de que é própria)
1. Aquele que, por erro
desculpável, cumprir uma obrigação alheia, julgando-a própria, goza de direito
de repetição, excepto se o credor, desconhecendo o erro do autor da prestação,
se tiver privado do título ou das garantias do crédito, tiver deixado
prescrever ou caducar o seu direito, ou não o tiver exercido contra o devedor
ou contra o fiador enquanto solventes.
2. Quando não existe o
direito de repetição, fica o autor da prestação sub-rogado nos direitos do
credor.
ARTIGO 478º
(Cumprimento de
obrigação alheia na convicção de estar obrigado a cumpri-la)
Aquele que cumprir
obrigação alheia, na convicção errónea de estar obrigado para com o devedor a
cumpri-la, não tem o direito de repetição contra o credor, mas apenas o direito
de exigir do devedor exonerado aquilo com que este injustamento se locupletou,
excepto se o credor conhecia o erro ao receber a prestação.
ARTIGO 479º
(Objecto da obrigação de
restituir)
1. A obrigação de restituir
fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quando se tenha obtido à
custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor
correspondente.
2. A obrigação de restituir
não pode exceder a medida do locupletamento à data da verificação de algum dos
factos referidos nas duas alíneas do artigo seguinte.
ARTIGO 480º
(Agravamento da
obrigação)
O enriquecido passa a
responder também pelo perecimento ou deterioração culposa da coisa, pelos
frutos que por sua culpa deixem de ser percebidos e pelos juros legais das
quantias a que o empobrecido tiver direito, depois de se verificar algumas das
seguintes circunstâncias:
a) Ter sido o enriquecido
citado judicialmente para a restituição;
b) Ter ele conhecimento da
falta de causa do seu enriquecimento ou da falta do efeito que se pretendia
obter com a prestação.
ARTIGO 481º
(Obrigação de restituir
no caso de alienação gratuita)
1. Tendo o enriquecido
alienado gratuitamente coisa que devesse restituir, fica o adquirente obrigado
em lugar dele, mas só na medida do seu próprio enriquecimento.
2. Se, porém, a transmissão
teve lugar depois da verificação de algum dos factos referidos no artigo
anterior, o alienante è responsável nos termos desse artigo, e o adquirente, se
estiver de má fé, é responsável nos mesmos termos.
ARTIGO 482º
(Prescrição)
O direito à restituição por
enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o
credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável,
sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a
contar do enriquecimento.
SECÇÃO V
Responsabilidade civil
SUBSECÇÃO I
Responsabilidade por
factos ilícitos
ARTIGO 483º
(Princípio geral)
1. Aquele que, com dolo ou
mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição
legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o
lesado pelos danos resultantes da violação.
2. Só existe obrigação de indemnizar
independentemente de culpa nos casos especificados na lei.
ARTIGO 484º
(Ofensa do crédito ou do
bom nome)
Quem afirmar ou difundir um
facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular
ou colectiva, responde pelos danos causados.
ARTIGO 485º
(Conselhos,
recomendações ou informações)
1. Os simples conselhos,
recomendações ou informações não responsabilizam quem os dá, ainda que haja
negligência da sua parte.
2. A obrigação de
indemnizar existe, porém, quando se tenha assumido a responsabilidade pelos
danos, quando havia o dever jurídico de dar conselho, recomendação ou
informação e se tenha procedido com negligência ou intenção de prejudicar, ou
quando o procedimento do agente constitua facto punível.
ARTIGO 486º
(Omissões)
As simples omissões dão
lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros
requisitos legais, havia, por força da lei ou do negócio jurídico, o dever de
praticar o acto omitido.
ARTIGO 487º
(Culpa)
1. É ao lesado que incumbe
provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa.
2. A culpa é apreciada, na
falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em
face das circunstâncias de cada caso.
ARTIGO 488º
(Imputabilidade)
1. Não responde pelas
consequências do facto danoso quem, no momento em que o facto ocorreu, estava,
por qualquer causa, incapacitado de entender ou querer, salvo se o agente se
colocou culposamente nesse estado, sendo este transitório.
2. Presume-se falta de
imputabilidade nos menores de sete anos e nos interditos por anomalia psíquica.
ARTIGO 489º
(Indemnização por pessoa
não impútavel)
1. Se o acto causador dos
danos tiver sido praticado por pessoa não imputável, pode esta, por motivo de
equidade, ser condenada a repará-los, total ou parcialmente, desde que não seja
possível obter a devida reparação das pessoas a quem incumbe a sua vigilância.
2. A indemnização será,
todavia, calculada por forma a não privar a pessoa não imputável dos alimentos
necessários, conforme o seu estado e condição, nem dos meios indispensáveis
para cumprir os seus deveres legais de alimentos.
ARTIGO 490º
(Responsabilidade dos
autores, instigadores e auxiliares)
Se forem vários os autores,
instigadores ou auxiliares do acto ilícito, todos eles respondem pelos danos
que hajam causado.
ARTIGO 491º
(Responsabilidade das
pessoas obrigadas à vigilância de outrem)
As pessoas que, por lei ou
negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, por virtude da incapacidade
natural destas, são responsáveis pelos danos que elas causem a terceiro, salvo
se mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam
produzido ainda que o tivessem cumprido.
ARTIGO 492º
(Danos causados por
edifícios ou outras obras)
1. O proprietário ou
possuidor de edifício ou de outra obra que ruir, no todo ou em parte, por vício
de construção ou defeito de conservação, responde pelos danos causados, salvo
se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência
devida, se não teriam evitado os danos.
2. A pessoa obrigada, por
lei ou negócio jurídico, a conservar o edifício ou obra responde, em lugar do
proprietário ou possuidor, quando os danos forem devidos exclusivamente a
defeito de conservação.
ARTIGO 493º
(Danos causados por
coisas, animais ou actividades)
1. Quem tiver em seu poder
coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido
o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa
ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou
que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
2. Quem causar danos a
outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou
pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar
que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de
os prevenir.
ARTIGO 494º
(Limitação da
indemnização no caso de mera culpa)
Quando a responsabilidade
se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em
montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de
culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais
circunstâncias do caso o justifiquem.
ARTIGO 495º
(Indemnização a terceiros
em caso de morte ou lesão corporal)
1. No caso de lesão de que
proveio a morte, é o responsável obrigado a indemnizar as despesas feitas para
salvar o lesado e todas as demais, sem exceptuar as do funeral.
2. Neste caso, como em
todos os outros de lesão corporal, têm direito a indemnização aqueles que
socorreram o lesado, bem como os estabelecimentos hospitalares, médicos ou
outras pessoas ou entidades que tenham contribuído para o tratamento ou
assistência da vítima.
3. Têm igualmente direito a
indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o
lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.
ARTIGO 496º
(Danos não patrimoniais)
1. Na fixação da
indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade,
mereçam a tutela do direito.
2. Por morte da vítima, o
direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge
não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros
descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último
aos irmãos ou sobrinhos que os representem.
3. O montante da
indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em
qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; no caso de morte,
podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como
os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos número
anterior.
ARTIGO 497º
(Responsabilidade
solidária)
1. Se forem várias as
pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade.
2. O direito de regresso
entre os responsáveis existe na medida das respectivas culpas e das
consequências que delas advieram, presumindo-se iguais as culpas das pessoas
responsáveis.
ARTIGO 498º
(Prescrição)
1. O direito de indemnização
prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve
conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa
do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição
ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.
2. Prescreve igualmente no
prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os
responsáveis.
3. Se o facto ilícito
constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais
longo, é este o prazo aplicável.
4. A prescrição do direito
de indemnização não importa prescrição da acção de reivindicação nem da acção
de restituição por enriquecimento sem causa, se houver lugar a uma ou a outra.
SUBSECÇÃO II
Responsabilidade pelo
risco
ARTIGO 499º
(Disposições aplicáveis)
São extensivas aos casos de
responsabilidade pelo risco, na parte aplicável e na falta de preceitos legais
em contrário, as disposições que regulam a responsabilidade por factos
ilícitos.
ARTIGO 500º
(Responsabilidade do
comitente)
1. Aquele que encarrega
outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos
que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de
indemnizar.
2. A responsabilidade do
comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que
intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que
lhe foi confiada.
3. O comitente que
satisfizer a indemnização tem o direito de exigir do comissário o reembolso de
tudo quanto haja pago, excepto se houver também culpa da sua parte; neste caso
será aplicável o disposto no nº 2 do artigo 497º.
ARTIGO 501º
(Responsabilidade do
Estado e de outras pessoas colectivas públicas)
O Estado e demais pessoas
colectivas públicas, quando haja danos causados a terceiro pelos seus órgãos,
agentes ou representantes no exercício de actividades de gestão privada,
respondem civilmente por esses danos nos termos em que os comitentes respondem
pelos danos causados pelos seus comissários.
ARTIGO 502º
(Danos causados por
animais)
Quem no seu próprio
interesse utilizar quaisquer animais responde pelos danos que eles causarem,
desde que os danos resultem do perigo especial que envolve a sua utilização.
ARTIGO 503º
(Acidentes causados por
veículos)
1. Aquele que tiver a
direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no
seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos
danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se
encontre em circulação.
2. As pessoas não
imputáveis respondem nos termos do art. 489º.
3. Aquele que conduzir o
veículo por conta de outrem responde pelos danos que causar, salvo se provar
que não houve culpa da sua parte; se, porém, o conduzir fora do exercício das
suas funções de comissário, responde nos termos do nº 1.
ARTIGO 504º
(Beneficiários da
responsabilidade)
1. A responsabilidade pelos
danos causados por veículos aproveita a terceiros, bem como às pessoas
transportadas.
2. No caso de transporte
por virtude de contrato, a responsabilidade abrange só os danos que atinjam a
própria pessoa e as coisas por ela transportadas.
3. No caso de transporte
gratuito, a responsabilidade abrange apenas os danos pessoais da pessoa
transportada.
4. São nulas as cláusulas
que excluam ou limitem a responsabilidade do transportador pelos acidentes que
atinjam a pessoa transportada.
(Redacção do Dec.-Lei
14/96, de 6-3)
ARTIGO 505º
(Exclusão da
responsabilidade)
Sem prejuízo do disposto no
artigo 570º, a responsabilidade fixada pelo nº 1 do artigo 503º só é excluída
quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando
resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo.
ARTIGO 506º
(Colisão de veículos)
1. Se da colisão entre dois
veículos resultarem danos em relação aos dois ou em relação a um deles, e
nenhum dos condutores tiver culpa no acidente, a responsabilidade é repartida
na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os
danos; se os danos forem causados somente por um dos veículos, sem culpa de
nenhum dos condutores, só a pessoa por eles responsável é obrigada a
indemnizar.
2. Em caso de dúvida,
considera-se igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os
danos, bem como a contribuição da culpa de cada um dos condutores.
ARTIGO 507º
(Responsabilidade
solidária)
1. Se a responsabilidade
pelo risco recair sobre várias pessoas, todas respondem solidariamente pelos
danos, mesmo que haja culpa de alguma ou algumas.
2. Nas relações entre os
diferentes responsáveis, a obrigação de indemnizar reparte-se de harmonia com o
interesse de cada um na utilização do veículo; mas, se houver culpa de algum ou
de alguns, apenas os culpados respondem, sendo aplicável quanto ao direito de
regresso, entre eles, ou em relação a eles, o disposto no nº 2 do artigo 497º.
ARTIGO 508º
(Limites máximos)
1. A indemnização fundada
em acidente de viação, quando não haja culpa do responsável, tem como limites
máximos: no caso de morte ou lesão de uma pessoa, o montante correspondente ao
dobro da alçada da relação; no caso de morte ou lesão de várias pessoas em
consequência do mesmo acidente, o montante correspondente ao dobro da alçada da
relação para cada uma delas, com o máximo total do sextuplo da alçada da relação;
no caso de danos causados em coisas, ainda que pertencentes a diferentes
proprietários, o montante correspondente à alçada da relação.
2. Se a indemnização for
fixada sob a forma de renda anual e não houver culpa do responsável, o limite
máximo é de um quarto da alçada da relação para cada lesado, não podendo
ultrapassar três quartos da alçada da relação quando sejam vários os lesados em
virtude do mesmo acidente.
3. Se o acidente for
causado por veículo utilizado em transporte colectivo, são elevados ao triplo
os máximos totais fixados nos números anteriores; se for causado por caminho de
ferro, ao décuplo.
(Redacção do Dec.-Lei
423/91, de 30-10)
ARTIGO 509º
(Danos causados por
instalações de energia eléctrica ou gás)
1. Aquele que tiver a
direcção efectiva de instalação destinada à condução ou entrega da energia
eléctrica ou do gás, e utilizar essa instalação no seu interesse, responde
tanto pelo prejuízo que derive da condução ou entrega da electricidade ou do
gás, como pelos danos resultantes da própria instalação, excepto se ao tempo do
acidente esta estiver de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito
estado de conservação.
2. Não obrigam a reparação
os danos devidos a causa de força maior; considera-se de força maior toda a
causa exterior independente do funcionamento e utilização da coisa.
3. Os danos causados por
utensílios de uso de energia não são reparáveis nos termos desta disposição.
ARTIGO 510º
(Limites da
responsabilidade)
1. A responsabilidade a que
se refere o artigo precedente, quando não haja culpa do responsável, tem para
cada acidente, como limite máximo, no caso de morte ou lesão corpórea, um
capital ou uma renda anual iguais aos estabelecidos, para a morte ou lesão de
uma pessoa, no nº 1 do artigo 508º.
2. Quando se trate de danos
em coisas, ainda que sejam várias e pertencentes a diversos proprietários, o
limite máximo é um capital igual ao da indemnização por morte ou lesão de uma
pessoa, nos termos no nº 1 do artigo 508º.
3. Quando se trate de danos
em prédios, o limite máximo da responsabilidade pelo risco é elevado ao décuplo
do previsto nos números anteriores, para cada prédio.
(Redacção do Dec.-Lei
190/85, de 24-06)
CAPÍTULO III
Modalidades das
obrigações
SECÇÃO I
Obrigações de sujeito
activo indeterminado
ARTIGO 511º
(Determinação da pessoa
do credor)
A pessoa do credor pode não
ficar determinada no momento em que a obrigação é constituída; mas deve ser
determinável, sob pena de ser nulo o negócio jurídico do qual a obrigação
resultaria.
SECÇÃO II
Obrigações solidárias
SUBSECÇÃO I
Disposições gerais
ARTIGO 512º
(Noção)
1. A obrigação é solidária,
quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos
libera, ou quando cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por si só, a
prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles.
2. A obrigação não deixa de
ser solidária pelo facto de os devedores estarem obrigados em termos diversos
ou com diversas garantias, ou de ser diferente o conteúdo das prestações de
cada um deles; igual diversidade se pode verificar quanto à obrigação do
devedor relativamente a cada um dos credores solidários.
ARTIGO 513º
(Fontes da
solidariedade)
A solidariedade de
devedores ou credores só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes.
ARTIGO 514º
(Meios de defesa)
1. O devedor solidário
demandado pode defender-se por todos os meios que pessoalmente lhe competem ou
que são comuns a todos os condevedores.
2. Ao credor solidário são
oponíveis igualmente não só os meios de defesa comum, como os que pessoalmente
lhe respeitem.
ARTIGO 515º
(Herdeiros dos devedores
ou credores solidários)
1. Os herdeiros do devedor
solidário respondem colectivamente pela totalidade da dívida; efectuada a
partilha, cada co-herdeiro responde nos termos do artigo 2098º.
2. Os herdeiros do credor
solidário só conjuntamente podem exonerar o devedor; efectuada a partilha, se o
crédito tiver sido adjudicado a dois ou mais herdeiros, também só em conjunto
estes podem exonerar o devedor.
ARTIGO 516º
(Participação nas
dívidas e nos créditos)
Nas relações entre si,
presume-se que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes
iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles
existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles
deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito.
ARTIGO 517º
(Litisconsórcio)
1. A solidariedade não
impede que os devedores solidários demandem conjuntamente o credor ou sejam por
ele conjuntamente demandados.
2. De igual direito gozam
os credores solidários relativamente ao devedor e este em relação àqueles.
SUBSECÇÃO II
Solidariedade entre
devedores
ARTIGO 518º
(Exclusão do benefício
da divisão)
Ao devedor solidário
demandado não é lícito opor o benefício da divisão; e, ainda que chame os outros
devedores à demanda, nem por isso se libera da obrigação de efectuar a
prestação por inteiro.
ARTIGO 519º
(Direitos do credor)
1. O credor tem o direito
de exigir de qualquer dos devedores toda a prestação, ou parte dela,
proporcional ou não à quota do interpelado; mas, se exigir judicialmente a um
deles a totalidade ou parte da prestação, fica inibido de proceder
judicialmente contra os outros pelo que ao primeiro tenha exigido, salvo se
houver razão atendível, como a insolvência ou risco de insolvência do
demandado, ou dificuldade, por outra causa, em obter dele a prestação.
2. Se um dos devedores
tiver qualquer meio de defesa pessoal contra o credor, não fica este inibido de
reclamar dos outros a prestação integral, ainda que esse meio já lhe tenha sido
oposto.
ARTIGO 520º
(Impossibilidade da
prestação)
Se a prestação se tornar
impossível por facto imputável a um dos devedores, todos eles são
solidariamente responsáveis pelo seu valor; mas só o devedor a quem o facto é
imputável responde pela reparação dos danos que excedam esse valor, e, sendo
vários, é solidária a sua responsabilidade.
ARTIGO 521º
(Prescrição)
1. Se, por efeito da
suspensão ou interrupção da prescrição, ou de outra causa, a obrigação de um
dos devedores se mantiver, apesar de prescritas as obrigações dos outros, e
aquele for obrigado a cumprir, cabe-lhe o direito de regresso contra os seus
condevedores.
2. O devedor que não haja
invocado a prescrição não goza do direito de regresso contra os condevedores
cujas obrigações tenham prescrito, desde que estes aleguem a prescrição.
ARTIGO 522º
(Caso julgado)
O caso julgado entre o
credor e um dos devedores não é oponível aos restantes devedores, mas pode ser
oposto por estes, desde que não se baseie em fundamento que respeite
pessoalmente àquele devedor.
ARTIGO 523º
(Satisfação do direito
do credor)
A satisfação do direito do
credor, por cumprimento, dação em cumprimento, novação, consignação em depósito
ou compensação, produz a extinção, relativamente a ele, das obrigações de todos
os devedores.
ARTIGO 524º
(Direito de regresso)
O devedor que satisfizer o
direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra
cada um dos condevedores, na parte que a estes compete.
Artigo 525º
(Meios de defesa
oponíveis pelos condevedores)
1. Os condevedores podem
opor ao que satisfaz o direito do credor a falta de decurso do prazo que lhes
tenha sido concedido para o cumprimento da obrigação, bem como qualquer outro
meio de defesa, quer este seja comum, quer respeite pessoalmente ao demandado.
2. A faculdade concedida no
número anterior tem lugar, ainda que o condevedor tenha deixado, sem culpa sua,
de opor ao credor o meio comum de defesa, salvo se a falta de oposição for
imputável ao devedor que pretende valer-se do mesmo meio.
ARTIGO 526º
(Insolvência dos
devedores ou impossibilidade de cumprimento)
1. Se um dos devedores
estiver insolvente ou não puder por outro motivo cumprir a prestação a que está
adstrito, é a sua quota-parte repartida proporcionalmente entre todos os
demais, incluíndo o credor de regresso e os devedores que pelo credor hajam
sido exonerados da obrigação ou apenas do vínculo da solidariedade.
2. Ao credor de regresso
não aproveita o benefício da repartição na medida em que só por negligência sua
lhe não tenha sido possível cobrar a parte do seu condevedor na obrigação
solidária.
ARTIGO 527º
(Renúncia à
solidariedade)
A renúncia à solidariedade
a favor de um ou alguns dos devedores não prejudica o direito do credor
relativamente aos restantes, contra os quais conserva o direito à prestação por
inteiro.
SUBSECÇÃO III
Solidariedade entre
credores
ARTIGO 528º
(Escolha do credor)
1. É permitido ao devedor
escolher o credor solidário a quem satisfaça a prestação, enquanto não tiver
sido judicialmente citado para a respectiva acção por outro credor cujo crédito
se ache vencido.
2. Se o devedor cumprir
perante credor diferente daquele que judicialmente exigiu a prestação, não fica
dispensado de realizar a favor deste a prestação integral; mas, quando a
solidariedade entre os credores tiver sido estabelecida em favor do devedor,
este pode, renunciando total ou parcialmente ao benefício, prestar a cada um
dos credores a parte que lhe cabe no crédito comum ou satisfazer a algum dos
outros a prestação com dedução da parte do demandante.
ARTIGO 529º
(Impossibilidade da
prestação)
1. Se a prestação se tornar
impossível por facto imputável ao devedor, subsiste a solidariedade
relativamente ao crédito da indemnização.
2. Se a prestação se tornar
impossível por facto imputável a um dos credores, fica este obrigado a
indemnizar os outros.
ARTIGO 530º
(Prescrição)
1. Se o direito de um dos
credores se mantiver devido a suspensão ou interrupção da prescrição ou a outra
causa, apesar de haverem prescrito os direitos dos restantes credores, pode o
devedor opor àquele credor a prescrição do crédito na parte relativa a estes
últimos.2. A renúncia à prescrição, feita pelo devedor em benefício de um dos
credores, não produz efeito relativamente aos restantes.
ARTIGO 531º
(Caso julgado)
O caso julgado entre um dos
credores e o devedor não é oponível aos outros credores; mas pode ser oposto
por estes ao devedor, sem prejuízo das excepções pessoais que o devedor tenha o
direito de invocar em relação a cada um deles.
ARTIGO 532º
(Satisfação do direito
de um dos credores)
A satisfação do direito de
um dos credores, por cumprimento, dação em cumprimento, novação, consignação em
depósito ou compensação, produz a extinção, relativamente a todos os credores,
da obrigação do devedor.
ARTIGO 533º
(Obrigação do credor que
foi pago)
O credor cujo direito foi
satisfeito além da parte que lhe competia na relação interna entre os credores
tem de satisfazer aos outros a parte que lhes cabe no crédito comum.
SECÇÃO III
Obrigações divisíveis e
indivisíveis
ARTIGO 534º
(Obrigações divisíveis)
São iguais as partes que
têm na obrigação divisível os vários credores ou devedores, se outra proporção
não resultar da lei ou do negócio jurídico; mas entre os herdeiros do devedor,
depois da partilha, serão essas partes fixadas proporcionalmente às suas quotas
hereditárias, sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 2098º.
ARTIGO 535º
(Obrigações indivisíveis
com pluralidade de devedores)
1. Se a prestação for
indivisível e vários os devedores, só de todos os obrigados pode o credor
exigir o cumprimento da prestação, salvo se tiver sido estipulada a
solidariedade ou esta resultar da lei.
2. Quando ao primitivo
devedor da prestação indivisível sucedam vários herdeiros, também só de todos
eles tem o credor a possibilidade de exigir o cumprimento da prestação.
ARTIGO 536º
(Extinção relativamente
a um dos devedores)
Se a obrigação indivisível
se extinguir apenas em relação a algum ou alguns dos devedores, não fica o
credor inibido de exigir a prestação dos restantes obrigados, contanto que lhes
entregue o valor da parte que cabia ao devedor ou devedores exonerados.
ARTIGO 537º
(Impossibilidade da
prestação)
Se a prestação indivisível
se tornar impossível por facto imputável a algum ou alguns dos devedores, ficam
os outros exonerados.
ARTIGO 538º
(Pluralidade de
credores)
1. Sendo vários os credores
da prestação indivisível, qualquer deles tem o direito de exigi-la por inteiro;
mas o devedor, enquanto não for judicialmente citado, só relativamente a todos,
em conjunto, se pode exonerar.
2. O caso julgado favorável
a um dos credores aproveita aos outros, se o devedor não tiver, contra estes,
meios especiais de defesa
SECÇÃO IV
Obrigações genéricas
ARTIGO 539º
(Determinação do
objecto)
Se o objecto da prestação
for determinado apenas quanto ao género, compete a sua escolha ao devedor, na
falta de estipulação em contrário.
ARTIGO 540º
(Não perecimento do
género)
Enquanto a prestação for
possível com coisas do género estipulado, não fica o devedor exonerado pelo
facto de perecerem aquelas com que se dispunha a cumprir.
ARTIGO 541º
(Concentração da
obrigação)
A obrigação concentra-se,
antes do cumprimento, quando isso resultar de acordo das partes, quando o
género se extinguir a ponto de restar apenas uma das coisas nele compreendidas,
quando o credor incorrer em mora, ou ainda nos termos do artigo 797º.
ARTIGO 542º
(Concentração por facto
do credor ou de terceiro)
1. Se couber ao credor ou a
terceiro, a escolha só é eficaz se for declarada, respectivamente, ao devedor
ou a ambas as partes, e é irrevogável.
2. Se couber a escolha ao
credor e este a não fizer dentro do prazo estabelecido ou daquele que para o
efeito lhe for fixado pelo devedor, é a este que a escolha passa a competir.
SECÇÃO V
Obrigações alternativas
ARTIGO 543º
(Noção)
1. É alternativa a
obrigação que compreende duas ou mais prestações, mas em que o devedor se
exonera efectuando aquela que, por escolha, vier a ser designada.
2. Na falta de determinação
em contrário, a escolha pertence ao devedor.
ARTIGO 544º
(Indivisibilidade das prestações)
O devedor não pode escolher
parte de uma prestação e parte de outra ou outras, nem ao credor ou a terceiro
é lícito fazê-lo quando a escolha lhes pertencer.
ARTIGO 545º
(Impossibilidade não
imputável às partes)
Se uma ou algumas das
prestações se tornarem impossíveis por causa não imputável às partes, a
obrigação considera-se limitada às prestações que forem possíveis.
ARTIGO 546º
(Impossibilidade
imputável ao devedor)
Se a impossibilidade de
alguma das prestações for imputável ao devedor e a escolha lhe pertencer, deve
efectuar uma das prestações possíveis; se a escolha pertencer ao credor, este
poderá exigir uma das prestações possíveis, ou pedir a indemnização pelos danos
provenientes de não ter sido efectuada a prestação que se tornou impossível, ou
resolver o contrato nos termos gerais.
ARTIGO 547º
(Impossibilidade
imputável ao credor)
Se a impossibilidade de
alguma das prestações for imputável ao credor e a escolha lhe pertencer,
considera-se cumprida a obrigação; se a escolha pertencer ao devedor, também a
obrigação se tem por cumprida, a menos que este prefira efectuar outra
prestação e ser indemnizado dos danos que houver sofrido.
ARTIGO 548º
(Falta de escolha pelo
devedor)
O credor, na execução, pode
exigir que o devedor, dentro do prazo que lhe for fixado pelo tribunal, declare
por qual das prestações quer optar, sob pena de se devolver ao credor o direito
de escolha.
ARTIGO 549º
(Escolha pelo credor ou
por terceiro)
À escolha que o credor ou
terceiro deva efectuar é aplicável o disposto no artigo 542º.
SECÇÃO VI
Obrigações pecuniárias
SUBSECÇÃO I
Obrigações de quantidade
ARTIGO 550º
(Princípio nominalista)
O cumprimento das
obrigações pecuniárias faz-se em moeda que tenha curso legal no País à data em
que for efectuado e pelo valor nominal que a moeda nesse momento tiver, salvo
estipulação em contrário.
ARTIGO 551º
(Actualização das
obrigações pecuniárias)
Quando a lei permitir a
actualização das prestações pecuniárias, por virtude das flutuações do valor da
moeda, atender-se-á, na falta de outro critério legal, aos índices dos preços,
de modo a restabelecer, entre a prestação e a quantidade de mercadorias a que
ela equivale, a relação existente na data em que a obrigação se constituiu.
SUBSECÇÃO II
Obrigações de moeda
específica
ARTIGO 552º
(Validade das obrigações
de moeda específica)
O curso legal ou forçado da
nota de banco não prejudica a validade do acto pelo qual alguém se comprometa a
pagar em moeda metálica ou em valor dessa moeda.
ARTIGO 553º
(Obrigações de moeda
específica sem quantitativo expresso em moeda corrente)
Quando for estipulado o
pagamento em certa espécie monetária, o pagamento deve ser feito na espécie
estipulada, existindo ela legalmente, embora tenha variado de valor após a data
em que a obrigação foi constituída.
ARTIGO 554º
(Obrigações de moeda
específica ou de certo metal com quantitativo expresso em moeda corrente)
Quando o quantitativo da
obrigação é expresso em dinheiro corrente, mas se estipula que o cumprimento
será efectuado em certa espécie monetária ou em moedas de certo metal,
presume-se que as partes querem vincular-se ao valor corrente que a moeda ou as
moedas do metal escolhido tinham à data da estipulação.
ARTIGO 555º
(Falta da moeda
estipulada)
1. Quando se tiver
estipulado o cumprimento em determinada espécie monetária, em certo metal ou em
moedas de certo metal, e se não encontrem as espécies ou as moedas estipuladas
em quantidade bastante, pode o pagamento ser feito, quanto à parte da dívida
que não for possível cumprir nos termos acordados, em moeda corrente que
perfaça o valor dela, segundo a cotação que a moeda escolhida ou as moedas do
metal indicado tiverem na bolsa no dia do cumprimento.
2. Se as moedas estipuladas
ou as moedas do metal indicado não tiverem cotação na bolsa, atender-se-á ao
valor corrente, ou, na falta deste, ao valor corrente do metal; a esse mesmo
valor se atenderá, quando a moeda, devido à sua raridade, tenha atingido uma
cotação ou preço corrente anormal, com que as partes não hajam contado no
momento em que a obrigação se constituiu.
ARTIGO 556º
(Moeda específica sem
curso legal)
1. Sempre que a espécie
monetária estipulada ou as moedas do metal estipulado não tenham já curso legal
na data do cumprimento, deve a prestação ser feita em moeda que tenha curso
legal nessa data, de harmonia com a norma de redução que a lei tiver
estabelecido ou, na falta de determinação legal, segundo a relação de valores
correntes na data em que a nova moeda for introduzida.
2. Quando o quantitativo da
obrigação tiver sido expresso em moeda corrente, estipulando-se o pagamento em
espécies monetárias, em certo metal ou em moedas de certo metal, e essas moedas
carecerem de curso legal na data do cumprimento, observar-se-á a doutrina do
número anterior, uma vez determinada a quantidade dessas moedas que constituía
o montante da prestação em dívida.
ARTIGO 557º
(Cumprimento em moedas
de dois ou mais metais ou de um entre vários metais)
1. No caso de se ter
convencionado o cumprimento em moedas de um entre dois ou mais metais, a
determinação da pessoa a quem a escolha pertence é feita de acordo com as
regras das obrigações alternativas.
2. Quando se estipular o
cumprimento da obrigação em moedas de dois ou mais metais, sem se fixar a
proporção de umas e outras, cumprirá o devedor entregando em partes iguais
moedas dos metais especificados.
SUBSECÇÃO III
Obrigações em moeda
estrangeira
ARTIGO 558º
(Termos do cumprimento)
1. A estipulação do
cumprimento em moeda estrangeira não impede o devedor de pagar em moeda
nacional, segundo o câmbio do dia do cumprimento e do lugar para este
estabelecido, salvo se essa faculdade houver sido afastada pelos interessados.
2. Se, porém, o credor
estiver em mora, pode o devedor cumprir de acordo com o câmbio da data em que a
mora se deu.
SECÇÃO VII
Obrigações de juros
ARTIGO 559º
(Taxa de juro)
1. Os juros legais e os
estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo são os fixados em portaria
conjunta dos Ministros da Justiça e das Finanças e do Plano.
2. A estipulação de juros a
taxa superior à fixada nos termos do número anterior deve ser feita por
escrito, sob pena de serem apenas devidos na medida dos juros legais.
(Redacção do Dec.-Lei
200-C/80, de 24-6)
ARTIGO 559º-A
(Juros usurários)
É aplicável o disposto no
artigo 1146º a toda a estipulação de juros ou quaisquer outras vantagens em
negócios ou actos de concessão, outorga, renovação, desconto ou prorrogação do
prazo de pagamento de um crédito e em outros análogos.
(Aditado pelo Dec.-Lei
262/83, de 16-6)
ARTIGO 560º
(Anatocismo)
1. Para que os juros
vencidos produzam juros é necessária convenção posterior ao vencimento; pode
haver também juros de juros, a partir da notificação judicial feita ao devedor
para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de
capitalização.
2. Só podem ser capitalizados
os juros correspondentes ao período mínimo de um ano.
3. Não são aplicáveis as
restrições dos números anteriores, se forem contrárias a regras ou usos
particulares do comércio.
ARTIGO 561º
(Autonomia do crédito de
juros)
Desde que se constitui, o
crédito de juros não fica necessariamente dependente do crédito principal,
podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro.
SECÇÃO VIII
Obrigação de
indemnização
ARTIGO 562º
(Princípio geral)
Quem estiver obrigado a
reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse
verificado o evento que obriga à reparação.
ARTIGO 563º
(Nexo de causalidade)
A obrigação de indemnização
só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se
não fosse a lesão.
ARTIGO 564º
(Cálculo da
indemnização)
1. O dever de indemnizar
compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de
obter em consequência da lesão.
2. Na fixação da
indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam
previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização
correspondente será remetida para decisão ulterior.
ARTIGO 565º
(Indemnização
provisória)
Devendo a indemnização ser
fixada em execução de sentença, pode o tribunal condenar desde logo o devedor
no pagamento de uma indemnização, dentro do quantitativo que considere já
provado.
ARTIGO 566º
(Indemnização em
dinheiro)
1. A indemnização é fixada
em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare
integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
2. Sem prejuízo do
preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a
diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que
puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem
danos.
3. Se não puder ser
averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro
dos limites que tiver por provados.
ARTIGO 567º
(Indemnização em renda)
1. Atendendo à natureza
continuada dos danos, pode o tribunal, a requerimento do lesado, dar à
indemnização, no todo ou em parte, a forma de renda vitalícia ou temporária,
determinando as providências necessárias para garantir o seu pagamento.
2. Quando sofram alteração
sensível as circunstâncias em que assentou, quer o estabelecimento da renda,
quer o seu montante ou duração, quer a dispensa ou imposição de garantias, a
qualquer das partes é permitido exigir a correspondente modificação da sentença
ou acordo.
ARTIGO 568º
(Cessão dos direitos do
lesado)
Quando a indemnização
resulte da perda de qualquer coisa ou direito, o responsável pode exigir, no
acto do pagamento ou em momento posterior, que o lesado lhe ceda os seus
direitos contra terceiros.
ARTIGO 569º
(Indicação do montante
dos danos)
Quem exigir a indemnização
não necessita de indicar a importância exacta em que avalia os danos, nem o
facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da acção, de
reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores
aos que foram inicialmente previstos.
ARTIGO 570º
(Culpa do lesado)
1. Quando um facto culposo
do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao
tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas
consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente
concedida, reduzida ou mesmo excluída.
2. Se a responsabilidade se
basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de
disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.
ARTIGO 571º
(Culpa dos
representantes legais e auxiliares)
Ao facto culposo do lesado
é equiparado o facto culposo dos seus representantes legais e das pessoas de
quem ele se tenha utilizado.
ARTIGO 572º
(Prova da culpa do
lesado)
Àquele que alega a culpa do
lesado incumbe a prova da sua verificação; mas o tribunal conhecerá dela, ainda
que não seja alegada.
SECÇÃO IX
Obrigação de informação
e de apresentação de coisas ou documentos
ARTIGO 573º
(Obrigação de
informação)
A obrigação de informação
existe, sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua
existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as
informações necessárias.
ARTIGO 574º
(Apresentação de coisas)
1. Ao que invoca um
direito, pessoal ou real, ainda que condicional ou a prazo, relativo a certa
coisa, móvel ou imóvel, é lícito exigir do possuidor ou detentor a apresentação
da coisa, desde que o exame seja necessário para apurar a existência ou o
conteúdo do direito e o demandado não tenha motivos para fundadamente se opor à
diligência.
2. Quando aquele de quem se
exige a apresentação da coisa a detiver em nome de outrem, deve avisar a pessoa
em cujo nome a detém, logo que seja exigida a apresentação, a fim de ela, se
quiser, usar os meios de defesa que no caso couberem.
ARTIGO 575º
(Apresentação de
documentos)
As disposições do artigo
anterior são, com as necessárias adaptações, extensivas aos documentos, desde
que o requerente tenha um interesse jurídico atendível no exame deles.
ARTIGO 576º
(Reprodução das coisas e
dos documentos)
Feita a apresentação, o
requerente tem a faculdade de tirar cópias ou fotografias, ou usar de outros
meios destinados a obter a reprodução da coisa ou documento, desde que a
reprodução se mostre necessária e se lhe não oponha motivo grave alegado pelo
requerido.
CAPÍTULO IV
Transmissão de créditos
e de dívidas
SECÇÃO I
Cessão de créditos
ARTIGO 577º
(Admissibilidade da
cessão)
1. O credor pode ceder a
terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do
consentimento do devedor, contanto que a cessão não seja interdita por
determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela
própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor.
2. A convenção pela qual se
proíba ou restrinja a possibilidade da cessão não é oponível ao cessionário,
salvo se este a conhecia no momento da cessão.
ARTIGO 578º
(Regime aplicável)
1. Os requisitos e efeitos
da cessão entre as partes definem-se em função do tipo de negócio que lhe serve
de base.
2. A cessão de créditos
hipotecários, quando não seja feita em testamento e a hipoteca recaia sobre
bens imóveis, deve necessariamente constar de escritura pública.
ARTIGO 579º
(Proibição da cessão de
direitos litigiosos)
1. A cessão de créditos ou
outros direitos litigiosos feita, directamente ou por interposta pessoa, a
juízes ou magistrados do Ministério Público, funcionários de justiça ou
mandatários judiciais é nula, se o processo decorrer na área em que exercem
habitualmente a sua actividade ou profissão; é igualmente nula a cessão desses
créditos ou direitos feita a peritos ou outros auxiliares da justiça que tenham
intervenção no respectivo processo.
2. Entende-se que a cessão
é efectuada por interposta pessoa, quando é feita ao cônjuge do inibido ou a
pessoa de quem este seja herdeiro presumido, ou quando é feita a terceiro, de
acordo com o inibido, para o cessionário transmitir a este a coisa ou direito
cedido.
3. Diz-se litigioso o
direito que tiver sido contestado em juízo contencioso, ainda que arbitral, por
qualquer interessado.
ARTIGO 580º
(Sanções)
1. A cessão feita com
quebra do disposto no artigo anterior, além de nula, sujeita o cessionário à
obrigação de reparar os danos causados, nos termos gerais.
2. A nulidade da cessão não
pode ser invocada pelo cessionário.
ARTIGO 581º
(Excepções)
A proibição da cessão dos
créditos ou direitos litigiosos não tem lugar nos casos seguintes:
a) Quando a cessão for
feita ao titular de um direito de preferência ou de remição relativo ao direito
cedido;
b) Quando a cessão se
realizar para defesa de bens possuídos pelo cessionário;
c) Quando a cessão se fizer
ao credor em cumprimento do que lhe é devido.
ARTIGO 582º
(Transmissão de
garantias e outros acessórios)
1. Na falta de convenção em
contrário, a cessão do crédito importa a transmissão, para o cessionário, das
garantias e outros acessórios do direito transmitido, que não sejam
inseparáveis da pessoa do cedente.
2. A coisa empenhada que
estiver na posse do cedente será entregue ao cessionário, mas não a que estiver
na posse de terceiro.
ARTIGO 583º
(Efeitos em relação ao
devedor)
1. A cessão produz efeitos
em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que
extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite.
2. Se, porém, antes da
notificação ou aceitação, o devedor pagar ao cedente ou celebrar com ele algum
negócio jurídico relativo ao crédito, nem o pagamento nem o negócio é oponível
ao cessionário, se este provar que o devedor tinha conhecimento da cessão.
ARTIGO 584º
(Cessão a várias
pessoas)
Se o mesmo crédito for
cedido a várias pessoas, prevalece a cessão que primeiro for notificada ao
devedor ou que por este tiver sido aceita.
ARTIGO 585º
(Meios de defesa
oponíveis pelo devedor)
O devedor pode opor ao
cessionário, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que lhe
seria lícito invocar contra o cedente, com ressalva dos que provenham de facto
posterior ao conhecimento da cessão.
ARTIGO 586º
(Documentos e outros
meios probatórios)
O cedente é obrigado a
entregar ao cessionário os documentos e outros meios probatórios do crédito,
que estejam na sua posse e em cuja conservação não tenha interesse legítimo.
ARTIGO 587º
(Garantia da existência
do crédito e da solvência do devedor)
1. O cedente garante ao
cessionário a existência e a exigibilidade do crédito ao tempo da cessão, nos
termos aplicáveis ao negócio, gratuito ou oneroso, em que a cessão se integra.
2. O cedente só garante a
solvência do devedor se a tanto expressamente se tiver obrigado.
ARTIGO 588º
(Aplicação das regras da
cessão a outra figuras)
As regras da cessão de
créditos são extensivas, na parte aplicável, à cessão de quaisquer outros
direitos não exceptuados por lei, bem como à transferência legal ou judicial de
créditos.
SECÇÃO II
Sub-rogação
ARTIGO 589º
(Sub-rogação pelo
credor)
O credor que recebe a
prestação de terceiro pode sub-rogá-lo nos seus direitos, desde que o faça
expressamente até ao momento do cumprimento da obrigação.
ARTIGO 590º
(Sub-rogação pelo
devedor)
1. O terceiro que cumpre a
obrigação pode ser igualmente sub-rogado pelo devedor até ao momento do
cumprimento, sem necessidade do consentimento do credor.
2. A vontade de sub-rogar
deve ser expressamente manifestada.
ARTIGO 591º
(Sub-rogação em
consequência de empréstimo feito ao devedor)
1. O devedor que cumpre a
obrigação com dinheiro ou outra coisa fungível emprestada por terceiro pode
sub-rogar este nos direitos do credor.
2. A sub-rogação não
necessita do consentimento do credor, mas só se verifica quando haja declaração
expressa, no documento do empréstimo, de que a coisa se destina ao cumprimento
da obrigação e de que o mutuante fica sub-rogado nos direitos do credor.
ARTIGO 592º
(Sub-rogação legal)
1. Fora dos casos previstos
nos artigos anteriores ou noutras disposições da lei, o terceiro que cumpre a
obrigação só fica sub-rogado nos direitos do credor quando tiver garantido o
cumprimento, ou quando, por outra causa, estiver directamente interessado na
satisfação do crédito.
2. Ao cumprimento é
equiparada a dação em cumprimento, a consignação em depósito, a compensação ou
outra causa de satisfação do crédito compatível com a sub-rogação.
ARTIGO 593º
(Efeitos da sub-rogação)
1. O sub-rogado adquire, na
medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este
competiam.
2. No caso de satisfação
parcial, a sub-rogação não prejudica os direitos do credor ou do seu
cessionário, quando outra coisa não for estipulada.
3. Havendo vários
sub-rogados, ainda que em momentos sucessivos, por satisfações parciais do
crédito, nenhum deles tem preferência sobre os demais.
ARTIGO 594º
(Disposições aplicáveis)
É aplicável à sub-rogação,
com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 582º a 584º.
SECÇÃO III
Transmissão singular de
dívidas
ARTIGO 595º
(Assunção de dívida)
1. A transmissão a título
singular de uma dívida pode verificar-se:
a) Por contrato entre o
antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor;
b) Por contrato entre o
novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor.
2. Em qualquer dos casos a
transmissão só exonera o antigo devedor havendo declaração expressa do credor;
de contrário, o antigo devedor responde solidariamente com o novo obrigado.
ARTIGO 596º
(Ratificação do credor)
1. Enquanto não for
ratificado pelo credor, podem as partes distratar o contrato a que se refere a
alínea a) do nº 1 do artigo anterior.
2. Qualquer das partes tem
o direito de fixar ao credor um prazo para a ratificação, findo o qual esta se
considera recusada.
ARTIGO 597º
(Invalidade da
transmissão)
Se o contrato de
transmissão da dívida for declarado nulo ou anulado e o credor tiver exonerado
o anterior obrigado, renasce a obrigação deste, mas consideram-se extintas as
garantias prestadas por terceiro, excepto se este conhecia o vício na altura em
que teve notícia da transmissão.
ARTIGO 598º
(Meios de defesa)
Na falta de convenção em
contrário, o novo devedor não tem o direito de opor ao credor os meios de
defesa baseados nas relações entre ele e o antigo devedor, mas pode opor-lhe os
meios de defesa derivados das relações entre o antigo devedor e o credor, desde
que o seu fundamento seja anterior à assunção da dívida e se não trate de meios
de defesa pessoais do antigo devedor.
ARTIGO 599º
(Transmissão de
garantias e acessórios)
1. Com a dívida
transmitem-se para o novo devedor, salvo convenção em contrário, as obrigações
acessórias do antigo devedor que não sejam inseparáveis da pessoa deste.
2. Mantêm-se nos mesmos
termos as garantias do crédito, com excepção das que tiverem sido constituídas
por terceiro ou pelo antigo devedor, que não haja consentido na transmissão da
dívida.
ARTIGO 600º
(Insolvência do novo
devedor)
O credor que tiver
exonerado o antigo devedor fica impedido de exercer contra ele o seu direito de
crédito ou qualquer direito de garantia, se o novo devedor se mostrar
insolvente, a não ser que expressamente haja ressalvado a responsabilidade do
primitivo obrigado.
CAPÍTULO V
Garantia geral das
obrigações
SECÇÃO I
Disposições gerais
ARTIGO 601º
(Princípio geral)
Pelo cumprimento da
obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem
prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação
de patrimónios.
ARTIGO 602º
(Limitação da
responsabilidade por convenção das partes)
Salvo quando se trate de
matéria subtraída à disponibilidade das partes, é possível, por convenção entre
elas, limitar a responsabilidade do devedor a alguns dos seus bens, no caso de
a obrigação não ser voluntariamente cumprida.
ARTIGO 603º
(Limitação por
determinação de terceiro)
1. Os bens deixados ou
doados com a cláusula de exclusão da responsabilidade por dívidas do
beneficiário respondem pelas obrigações posteriores à liberalidade, e também
pelas anteriores se for registada a penhora antes do registo daquela cláusula.
2. Se a liberalidade tiver
por objecto bens não sujeitos a registo, a cláusula só é oponível aos credores
cujo direito seja anterior à liberalidade.
ARTIGO 604º
(Concurso de credores)
1. Não existindo causas
legítimas de preferência, os credores têm o direito de ser pagos
proporcionalmente pelo preço dos bens do devedor, quando ele não chegue para
integral satisfação dos débitos.
2. São causas legítimas de
preferência, além de outras admitidas na lei, a consignação de rendimentos, o
penhor, a hipoteca, o privilégio e o direito de retenção.
SECÇÃO II
Conservação da garantia
patrimonial
SUBSECÇÃO I
Declaração de nulidade
ARTIGO 605º
(Legitimidade dos
credores)
1. Os credores têm
legitimidade para invocar a nulidade dos actos praticados pelo devedor, quer
estes sejam anteriores, quer posteriores à constituição do crédito, desde que
tenham interesse na declaração da nulidade, não sendo necessário que o acto
produza ou agrave a insolvência do devedor.
2. A nulidade aproveita não
só ao credor que a tenha invocado, como a todos os demais.
SUBSECÇÃO II
Sub-rogação do credor ao
devedor
ARTIGO 606º
(Direitos sujeitos à
sub-rogação)
1. Sempre que o devedor o
não faça, tem o credor a faculdade de exercer, contra terceiro, os direitos de
conteúdo patrimonial que competem àquele, excepto se, por sua própria natureza
ou disposição da lei, só puderem ser exercidos pelo respectivo titular.
2. A sub-rogação, porém, só
é permitida quando seja essencial à satisfação ou garantia do direito do
credor.
ARTIGO 607º
(Credores sob condição
suspensiva ou a prazo)
O credor sob condição
suspensiva e o credor a prazo apenas são admitidos a exercer a sub-rogação
quando mostrem ter interesse em não aguardar a verificação da condição ou o
vencimento do crédito.
ARTIGO 608º
(Citação do devedor)
Sendo exercida
judicialmente a sub-rogação, é necessária a citação do devedor.
ARTIGO 609º
(Efeitos da sub-rogação)
A sub-rogação exercida por
um dos credores aproveita a todos os demais.
SUBSECÇÃO III
Impugnação pauliana
ARTIGO 610º
(Requisitos gerais)
Os actos que envolvam
diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal
podem ser impugnados pelo credor, se concorrerem as circunstâncias seguintes:
a) Ser o crédito anterior
ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de
impedir a satisfação do direito do futuro credor;
b) Resultar do acto a
imposibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito,
ou agravamento dessa impossibilidade.
ARTIGO 611º
(Prova)
Incumbe ao credor a prova
do montante das dívidas, e ao devedor ou a terceiro interessado na manutenção
do acto a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior
valor.
ARTIGO 612º
(Requisito da má fé)
1. O acto oneroso só está
sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé;
se o acto for gratuito, a impugnação procede, ainda que um e outro agissem de
boa fé.
2. Entende-se por má fé a
consciência do prejuízo que o acto causa ao credor.
ARTIGO 613º
(Transmissões
posteriores ou constituição posterior de direitos)
1. Para que a impugnação
proceda contra as transmissões posteriores é necessário:
a) Que, relativamente à
primeira transmissão, se verifiquem os requisitos da impugnabilidade referidos
nos artigos anteriores;
b) Que haja má fé tanto do
alienante como do posterior adquirente, no caso de a nova transmissão ser a
título oneroso.
2. O disposto no número
anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, à constituição de direitos
sobre os bens transmitidos em benefício de terceiro.
ARTIGO 614º
(Créditos não vencidos
ou sob condição suspensiva)
1. Não obsta ao exercício
da impugnação o facto de o direito do credor não ser ainda exigível.
2. O credor sob condição
suspensiva pode, durante a pendência da condição, verificados os requisitos da
impugnabilidade, exigir a prestação de caução.
ARTIGO 615º
(Actos impugnáveis)
1. Não obsta à impugnação a
nulidade do acto realizado pelo devedor.
2. O cumprimento de
obrigação vencida não está sujeito a impugnação; mas é impugnável o cumprimento
tanto da obrigação ainda não exigível como da obrigação natural.
ARTIGO 616º
(Efeitos em relação ao
credor)
1. Julgada procedente a
impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu
interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e
praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei.
2. O adquirente de má fé é
responsável pelo valor dos bens que tenha alienado, bem como dos que tenham
perecido ou se hajam deteriorado por caso fortuito, salvo se provar que a perda
ou deterioração se teriam igualmente verificado no caso de os bens se
encontrarem no poder do devedor.
3. O adquirente de boa fé
responde só na medida do seu enriquecimento.
4. Os efeitos da impugnação
aproveitam apenas ao credor que a tenha requerido.
ARTIGO 617º
(Relações entre devedor
e terceiro)
1. Julgada procedente a
impugnação, se o acto impugnado for de natureza gratuita, o devedor só é
responsável perante o adquirente nos termos do disposto em matéria de doações;
sendo o acto oneroso, o adquirente tem somente o direito de exigir do devedor
aquilo com que este se enriqueceu.
2. Os direitos que terceiro
adquira contra o devedor não prejudicam a satisfação dos direitos do credor
sobre os bens que são objecto da restituição.
ARTIGO 618º
(Caducidade)
O direito de impugnação
caduca ao fim de cinco anos, contados da data do acto impugnável.
SUBSECÇÃO IV
Arresto
ARTIGO 619º
(Requisitos)
1. O credor que tenha justo
receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto
de bens do devedor, nos termos da lei de processo.
2. O credor tem o direito
de requerer o arresto contra o adquirente dos bens do devedor, se tiver sido
judicialmente impugnada a transmissão.
ARTIGO 620º
(Caução)
O requerente do arresto é
obrigado a prestar caução, se esta lhe for exigida pelo tribunal.
ARTIGO 621º
(Responsabilidade do
credor)
Se o arresto for julgado
injustificado ou caducar, o requerente é responsável pelos danos causados ao
arrestado, quando não tenha agido com a prudência normal.
ARTIGO 622º
(Efeitos)
1. Os actos de disposição
dos bens arrestados são ineficazes em relação ao requerente do arresto, de
acordo com as regras próprias da penhora.
2. Ao arresto são
extensivos, na parte aplicável, os demais efeitos da penhora.
CAPÍTULO VI
Garantias especiais das
obrigações
SECÇÃO I
Prestação de caução
ARTIGO 623º
(Caução imposta ou
autorizada por lei)
1. Se alguém for obrigado
ou autorizado por lei a prestar caução, sem se designar a espécie que ela deve
revestir, pode a garantia ser prestada por meio de depósito de dinheiro,
títulos de crédito, pedras ou metais preciosos, ou por penhor, hipoteca ou
fiança bancária.
2. Se a caução não puder
ser prestada por nenhum dos meios referidos, é lícita a prestação de outra
espécie de fiança, desde que o fiador renuncie ao benefício da excussão.
3. Cabe ao tribunal
apreciar a idoneidade da caução, sempre que não haja acordo dos interessados.
ARTIGO 624º
(Caução resultante de
negócio jurídico ou determinação do tribunal)
1. Se alguém for obrigado
ou autorizado por negócio jurídico a prestar caução, ou esta for imposta pelo
tribunal, é permitido prestá-la por meio de qualquer garantia, real ou pessoal.
2. É aplicável, nestes
casos, o disposto no nº 3 do artigo anterior.
ARTIGO 625º
(Falta de prestação de
caução)
1. Se a pessoa obrigada à
caução a não prestar, o credor tem o direito de requerer o registo de hipoteca
sobre os bens do devedor, ou outra cautela idónea, salvo se for diferente a
solução especialmente fixada na lei.
2. A garantia limita-se aos
bens suficientes para assegurar o direito do credor.
ARTIGO 626º
(Insuficiência ou
impropriedade da caução)
Quando a caução prestada se
torne insuficiente ou imprópria, por causa não imputável ao credor, tem este o
direito de exigir que ela seja reforçada ou que seja prestada outra forma de
caução.
SECÇÃO II
Fiança
SUBSECÇÃO I
Disposições gerais
ARTIGO 627º
(Noção. Acessoriedade)
1. O fiador garante a
satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o
credor.
2. A obrigação do fiador é
acessória da que recai sobre o principal devedor.
ARTIGO 628º
(Requisitos)
1. A vontade de prestar
fiança deve ser expressamente declarada pela forma exigida para a obrigação
principal.
2. A fiança pode ser
prestada sem conhecimento do devedor ou contra a vontade dele, e à sua
prestação não obsta o facto de a obrigação ser futura ou condicional.
ARTIGO 629º
(Mandato de crédito)
1. Aquele que encarrega
outrem de dar crédito a terceiro, em nome e por conta do encarregado, responde
como fiador, se o encargo for aceito.
2. O autor do encargo tem a
faculdade de revogar o mandato enquanto o crédito não for concedido, assim como
a todo o momento o pode denunciar, sem prejuízo da responsabilidade pelos danos
que haja causado.
3. É lícito ao encarregado
recusar o cumprimento do encargo, sempre que a situação patrimonial dos outros
contraentes ponha em risco o seu futuro direito.
Artigo 630º
(Subfiança)
Subfiador é aquele que
afiança o fiador perante o credor.
ARTIGO 631º
(Âmbito da fiança)
1. A fiança não pode
exceder a dívida principal nem ser contraída em condições mais onerosas, mas
pode ser contraída por quantidade menor ou em menos onerosas condições.
2. Se exceder a dívida
principal ou for contraída em condições mais onerosas, a fiança não é nula, mas
apenas redutível aos precisos termos da dívida afiançada.
ARTIGO 632º
(Invalidade da obrigação
principal)
1. A fiança não é válida se
o não for a obrigação principal.
2. Sendo, porém, anulada a
obrigação principal, por incapacidade ou por falta ou vício da vontade do
devedor, nem por isso a fiança deixa de ser válida, se o fiador conhecia a
causa da anulabilidade ao tempo em que a fiança foi prestada.
ARTIGO 633º
(Idoneidade do fiador.
Reforço da fiança)
1. Se algum devedor estiver
obrigado a dar fiador, não é o credor forçado a aceitar quem não tiver
capacidade para se obrigar ou não tiver bens suficientes para garantir a
obrigação.
2. Se o fiador nomeado
mudar de fortuna, de modo que haja risco de insolvência, tem o credor a
faculdade de exigir o reforço da fiança.
3. Se o devedor não
reforçar a fiança ou não oferecer outra garantia idónea dentro do prazo que lhe
for fixado pelo tribunal, tem o credor o direito de exigir o imediato
cumprimento da obrigação.
SUBSECÇÃO II
Relações entre o credor
e o fiador
ARTIGO 634º
(Obrigação do fiador)
A fiança tem o conteúdo da
obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou
culpa do devedor.
ARTIGO 635º
(Caso julgado)
1. O caso julgado entre
credor e devedor não é oponível ao fiador, mas a este é lícito invocá-lo em seu
benefício, salvo se respeitar a circunstâncias pessoais do devedor que não
excluam a responsabilidade do fiador.
2. O caso julgado entre
credor e fiador aproveita ao devedor, desde que respeite à obrigação principal,
mas não o prejudica o caso julgado desfavorável.
ARTIGO 636º
(Prescrição:
interrupção, suspensão e renúncia)
1. A interrupção da
prescrição relativamente ao devedor não produz efeito contra o fiador, nem a
interrupção relativa a este tem eficácia contra aquele; mas, se o credor
interromper a prescrição contra o devedor e der conhecimento do facto ao
fiador, considera-se a prescrição interrompida contra este na data da
comunicação.
2. A suspensão da
prescrição relativamente ao devedor não produz efeito em relação ao fiador, nem
a suspensão relativa a este se repercute naquele.
3. A renúncia à prescrição
por parte de um dos obrigados também não produz efeito relativamente ao outro.
ARTIGO 637º
(Meios de defesa do
fiador)
1. Além dos meios de defesa
que lhe são próprios, o fiador tem o direito de opor ao credor aqueles que
competem ao devedor, salvo se forem incompatíveis com a obrigação do fiador.
2. A renúncia do devedor a
qualquer meio de defesa não produz efeito em relação ao fiador.
ARTIGO 638º
(Benefício da excussão)
1. Ao fiador é lícito
recusar o cumprimento enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do
devedor sem obter a satisfação do seu crédito.
2. É lícita ainda a recusa,
não obstante a excussão de todos os bens do devedor, se o fiador provar que o
crédito não foi satisfeito por culpa do credor.
ARTIGO 639º
(Benefício da excussão,
havendo garantias reais)
1. Se, para segurança da
mesma dívida, houver garantia real constituída por terceiro, contemporânea da
fiança ou anterior a ela, tem o fiador o direito de exigir a execução prévia
das coisas sobre que recai a garantia real.
2. Quando as coisas
oneradas garantam outros créditos do mesmo credor, o disposto no número
anterior só é aplicável se o valor delas for suficiente para satisfazer a
todos.
3. O autor da garantia
real, depois de executado, não fica sub-rogado nos direitos do credor contra o
fiador.
ARTIGO 640º
(Exclusão dos benefícios
anteriores)
O fiador não pode invocar
os benefícios constantes dos artigos anteriores:
a) Se houver renunciado ao
benefício da excussão e, em especial, se tiver assumido a obrigação de
principal pagador;
b) Se o devedor ou o dono
dos bens onerados com a garantia não puder, em virtude de facto posterior à
constituição da fiança, ser demandado ou executado no território continental ou
das ilhas adjacentes.
ARTIGO 641º
(Chamamento do devedor à
demanda)
1. O credor, ainda que o
fiador goze do benefício da excussão, pode demandá-lo só ou juntamente com o
devedor; se for demandado só, ainda que não goze do benefício da excussão, o
fiador tem a faculdade de chamar o devedor à demanda, para com ele se defender
ou ser conjuntamente condenado.
2. Salvo declaração
expressa em contrário no processo, a falta de chamamento do devedor à demanda
importa renúncia ao benefício da excussão.
ARTIGO 642º
(Outros meios de defesa
do fiador)
1. Ao fiador é lícito
recusar o cumprimento enquanto o direito do credor puder ser satisfeito por
compensação com um crédito do devedor ou este tiver a possibilidade de se valer
da compensação com uma dívida do credor.
2. Enquanto o devedor tiver
o direito de impugnar o negócio donde provém a sua obrigação, pode igualmente o
fiador recusar o cumprimento.
ARTIGO 643º
(Subfiador)
O subfiador goza do
benefício da excussão, tanto em relação ao fiador como em relação ao devedor.
SUBSECÇÃO III
Relações entre o devedor
e o fiador
ARTIGO 644º
(Sub-rogação)
O fiador que cumprir a
obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor, na medida em que estes foram
por ele satisfeitos.
ARTIGO 645º
(Aviso do cumprimento ao
devedor)
1. O fiador que cumprir a
obrigação deve avisar do cumprimento o devedor, sob pena de perder o seu
direito contra este no caso de o devedor, por erro, efectuar de novo a
prestação.
2. O fiador que, nos termos
do número anterior, perder o seu direito contra o devedor pode repetir do
credor a prestação feita, como se fosse indevida.
ARTIGO 646º
(Aviso do cumprimento ao
fiador)
O devedor que cumprir a
obrigação deve avisar o fiador, sob pena de responder pelo prejuízo que causar
se culposamente o não fizer.
ARTIGO 647º
(Meios de defesa)
O devedor que consentir no
cumprimento pelo fiador ou que, avisado por este, lhe não der conhecimento,
injustificadamente, dos meios de defesa que poderia opor ao credor fica
impedido de opor esses meios contra o fiador.
ARTIGO 648º
(Direito à liberação ou
à prestação de caução)
É permitido ao fiador
exigir a sua liberação, ou a prestação de caução para garantia do seu direito
eventual contra o devedor, nos casos seguintes:
a) Se o credor obtiver
contra o fiador sentença exequível;
b) Se os riscos da fiança
se agravarem sensivelmente;
c) Se, após a assunção da
fiança, o devedor se houver colocado na situação prevista na alínea b) do
artigo 640º;
d) Se o devedor se houver
comprometido a desonerar o fiador dentro de certo prazo ou verificado certo
evento e já tiver decorrido o prazo ou se tiver verificado o evento previsto;
e) Se houverem decorrido
cinco anos, não tendo a obrigação principal um termo, ou se, tendo-o, houver
prorrogação legal imposta a qualquer das partes.
SUBSECÇÃO IV
Pluralidade de fiadores
ARTIGO 649º
(Responsabilidade para
com o credor)
1. Se várias pessoas
tiverem, isoladamente, afiançado o devedor pela mesma dívida, responde cada uma
delas pela satisfação integral do crédito, excepto se foi convencionado o
benefício da divisão; são aplicáveis, naquele caso, com as ressalvas
necessárias, as regras das obrigações solidárias.
2. Se os fiadores se
houverem obrigado conjuntamente, ainda que em momentos diferentes, é lícito a
qualquer deles invocar o benefício da divisão, respondendo, porém, cada um
deles, proporcionalmente, pela quota do confiador que se encontre insolvente.
3. É equiparado ao fiador
insolvente aquele que não puder ser demandado, nos termos da alínea b) do
artigo 640º.
ARTIGO 650º
(Relações entre fiadores
e subfiadores)
1. Havendo vários fiadores,
e respondendo cada um deles pela totalidade da prestação, o que tiver cumprido
fica sub-rogado nos direitos do credor contra o devedor e, de harmonia com as
regras das obrigações solidárias, contra os outros fiadores.
2. Se o fiador,
judicialmente demandado, cumprir integralmente a obrigação ou uma parte
superior à sua quota, apesar de lhe ser lícito invocar o benefício da divisão,
tem o direito de reclamar dos outros as quotas deles, no que haja pago a mais,
ainda que o devedor não esteja insolvente.
3. Se o fiador, podendo
embora invocar o benefício da divisão, cumprir voluntariamente a obrigação nas
condições previstas no número anterior, o seu regresso contra os outros
fiadores só é admitido depois de excutidos todos os bens do devedor.
4. Se algum dos fiadores
tiver um subfiador, este não responde, perante os outros fiadores, pela quota
do seu afiançado que se mostre insolvente, salvo se o contrário resultar do
acto da subfiança.
SUBSECÇÃO V
Extinção da fiança
ARTIGO 651º
(Extinção da obrigação
principal)
A extinção da obrigação
principal determina a extinção da fiança.
ARTIGO 652º
(Vencimento da obrigação
principal)
1. Se a obrigação principal
for a prazo, o fiador que gozar do benefício da excussão pode exigir, vencida a
obrigação, que o credor proceda contra o devedor dentro de dois meses, a contar
do vencimento, sob pena de a fiança caducar; este prazo não termina sem
decorrer um mês sobre a notificação feita ao credor.
2. Sob igual cominação pode
o fiador que goze do benefício da excussão exigir a interpelação do devedor,
quando dela depender o vencimento da obrigação e houver decorrido mais de um
ano sobre a assunção da fiança.
ARTIGO 653º
(Liberação por
impossibilidade de sub-rogação)
Os fiadores, ainda que
solidários, ficam desonerados da obrigação que contraíram, na medida em que,
por facto positivo ou negativo do credor, não puderem ficar sub-rogados nos
direitos que a este competem.
ARTIGO 654º
(Obrigação futura)
Sendo a fiança prestada
para garantia de obrigação futura, tem o fiador, enquanto a obrigação se não
constituir, a possibilidade de liberar-se da garantia, se a situação
patrimonial do devedor se agravar em termos de pôr em risco os seus direitos
eventuais contra este, ou se tiverem decorrido cinco anos sobre a prestação da
fiança, quando outro prazo não resulte da convenção.
ARTIGO 655º
(Fiança do locatário)
1. A fiança pelas
obrigações do locatário abrange apenas, salvo estipulação em contrário, o
período inicial de duração do contrato.
2. Obrigando-se o fiador
relativamente aos períodos de renovação, sem se limitar o número destes, a
fiança extingue-se, na falta de nova convenção, logo que haja alteração da
renda ou decorra o prazo de cinco anos sobre o início da primeira prorrogação.
SECÇÃO III
Consignação de
rendimentos
ARTIGO 656º
(Noção)
1. O cumprimento da
obrigação, ainda que condicional ou futura, pode ser garantido mediante a
consignação dos rendimentos de certos bens imóveis, ou de certos bens móveis
sujeitos a registo.
2. A consignação de
rendimentos pode garantir o cumprimento da obrigação e o pagamento dos juros,
ou apenas o cumprimento da obrigação ou só o pagamento dos juros.
ARTIGO 657º
(Legitimidade.Consignação
constituída por terceiro)
1. Só tem legitimidade para
constituir a consignação quem puder dispor dos rendimentos consignados.
2. É aplicável à
consignação constituída por terceiro o disposto no artigo 717º.
ARTIGO 658º
(Espécies)
1. A consignação é
voluntária ou judicial.
2. É voluntária a
consignação constituída pelo devedor ou por terceiro, quer mediante negócio
entre vivos, quer por meio de testamento, e judicial a que resulta de decisão
do tribunal.
ARTIGO 659º
(Prazo)
1. A consignação de
rendimentos pode fazer-se por determinado número de anos ou até ao pagamento da
dívida garantida.
2. Quando incida sobre os
rendimentos de bens imóveis, a consignação nunca excederá o prazo de quinze
anos.
ARTIGO 660º
(Forma. Registo)
1. O acto constitutivo da
consignação voluntária deve constar de escritura pública ou testamento, se
respeitar a coisas imóveis, e de escrito particular, quando recaia sobre
móveis.
2. A consignação está
sujeita a registo, salvo se tiver por objecto os rendimentos de títulos de
crédito nominativos, devendo neste caso ser mencionada nos títulos e averbada,
nos termos da respectiva legislação.
ARTIGO 661º
(Modalidades)
1. Na consignação é
possível estipular:
a) Que continuem em poder
do concedente os bens cujos rendimentos são consignados;
b) Que os bens passem para
o poder do credor, o qual fica, na parte aplicável, equiparado ao locatário,
sem prejuízo da faculdade de por seu turno os locar;
c) Que os bens passem para
o poder de terceiro, por título de locação ou por outro, ficando o credor com o
direito de receber os respectivos frutos.
2. Os frutos da coisa são
imputados primeiro nos juros, e só depois no capital, se a consignação garantir
tanto o capital como os juros.
ARTIGO 662º
(Prestação de contas)
1. Continuando os bens no
poder do concedente, tem o credor o direito de exigir dele a prestação anual de
contas, se não houver de receber em cada período uma importância fixa.
2. De igual direito goza o
concedente, em relação ao credor, nos demais casos previstos no nº 1 do artigo
anterior.
ARTIGO 663º
(Obrigações do credor.
Renúncia à garantia)
1. Se os bens cujos
rendimentos são consignados passarem para o poder do credor, deve este
administrá-los como um proprietário diligente e pagar as contribuições e demais
encargos das coisas.
2. O credor só pode
liberar-se das obrigações referidas no número anterior renunciando à garantia.
3. À renúncia é aplicável o
disposto no artigo 731º.
ARTIGO 664º
(Extinção)
A consignação extingue-se
pelo decurso do prazo estipulado, e ainda pelas mesmas causas por que cessa o
direito de hipoteca, com excepção da indicada na alínea b) do artigo 730º.
ARTIGO 665º
(Remissão)
São aplicáveis à consignação,
com as necessárias adaptações, os artigos 692º, 694º a 696º, 701º e 702º.
SECÇÃO IV
Penhor
SUBSECÇÃO I
Disposições gerais
ARTIGO 666º
(Noção)
1. O penhor confere ao
credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver,
com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou
pelo valor de créditos ou outros direitos não susceptíveis de hipoteca,
pertencentes ao devedor ou a terceiro.
2. É havido como penhor o
depósito a que se refere o nº 1 do artigo 623º.
3. A obrigação garantida
pelo penhor pode ser futura ou condicional.
ARTIGO 667º
(Legitimidade para
empenhar.Penhor constituído por terceiro)
1. Só tem legitimidade para
dar bens em penhor quem os puder alienar.
2. É aplicável ao penhor
constituído por terceiro o disposto no artigo 717º.
ARTIGO 668º
(Regimes especiais)
As disposições desta secção
não prejudicam os regimes especiais estabelecidos por lei para certas
modalidades de penhor.
SUBSECÇÃO II
Penhor de coisas
ARTIGO 669º
(Constituição do penhor)
1. O penhor só produz os
seus efeitos pela entrega da coisa empenhada, ou de documento que confira a
exclusiva disponibilidade dela, ao credor ou a terceiro.
2. A entrega pode consistir
na simples atribuição da composse ao credor, se essa atribuição privar o autor
do penhor da possibilidade de dispor materialmente da coisa.
ARTIGO 670º
(Direitos do credor
pignoratício)
Mediante o penhor, o credor
pignoratício adquire o direito:
a) De usar, em relação à
coisa empenhada, das acções destinadas à defesa da posse, ainda que seja contra
o próprio dono;
b) De ser indemnizado das
benfeitorias necessárias e úteis e de levantar estas últimas, nos termos do
artigo 1273º;
c) De exigir a substituição
ou o reforço do penhor ou o cumprimento imediato da obrigação, se a coisa
empenhada perecer ou se tornar insuficiente para segurança da dívida, nos
termos fixados para a garantia hipotecária.
ARTIGO 671º
(Deveres do credor
pignoratício)
O credor pignoratício é
obrigado:
a) A guardar e administrar
como um proprietário diligente a coisa empenhada, respondendo pela sua
existência e conservação;
b) A não usar dela sem
consentimento do autor do penhor, excepto se o uso for indispensável à
conservação da coisa;
c) A restituir a coisa,
extinta a obrigação a que serve de garantia.
ARTIGO 672º
(Frutos da coisa
empenhada)
1. Os frutos da coisa
empenhada serão encontrados nas despesas feitas com ela e nos juros vencidos,
devendo o excesso, na falta de convenção em contrário, ser abatido no capital
que for devido.
2. Havendo lugar à restituição
de frutos, não se consideram estes, salvo convenção em contrário, abrangidos
pelo penhor.
ARTIGO 673º
(Uso da coisa empenhada)
Se o credor usar da coisa
empenhada contra o disposto na alínea b) do artigo 671º, ou proceder de forma a
que a coisa corra o risco de perder-se ou deteriorar-se, tem o autor do penhor
o direito de exigir que ele preste caução idónea ou que a coisa seja depositada
em poder de terceiro.
ARTIGO 674º
(Venda antecipada)
1. Sempre que haja receio
fundado de que a coisa empenhada se perca ou deteriore, tem o credor, bem como
o autor do penhor, a faculdade de proceder à venda antecipada da coisa,
mediante prévia autorização judicial.
2. Sobre o produto da venda
fica o credor com os direitos que lhe cabiam em relação à coisa vendida,
podendo o tribunal, no entanto, ordenar que o preço seja depositado.
3. O autor do penhor tem a
faculdade de impedir a venda antecipada da coisa, oferecendo outra garantia
real idónea.
ARTIGO 675º
(Execução do penhor)
1. Vencida a obrigação,
adquire o credor o direito de se pagar pelo produto da venda judicial da coisa
empenhada, podendo a venda ser feita extrajudicialmente, se as partes asssim o
tiverem convencionado.
2. É lícito aos
interessados convencionar que a coisa empenhada seja adjudicada ao credor pelo
valor que o tribunal fixar.
ARTIGO 676º
(Cessão da garantia)
1. O direito de penhor pode
ser transmitido independentemente da cessão do crédito, sendo aplicável neste
caso, com as necessárias adaptações, o disposto sobre a transmissão da hipoteca.
2. À entrega da coisa
empenhada ao cessionário é aplicável o disposto no nº 2 do artigo 582º.
ARTIGO 677º
(Extinção do penhor)
O penhor extingue-se pela
restituição da coisa empenhada, ou do documento a que se refere o nº 1 do
artigo 669º, e ainda pelas mesmas causas por que cessa o direito da hipoteca,
com excepção da indicada na alínea b) do artigo 730º.
ARTIGO 678º
(Remissão)
São aplicáveis ao penhor,
com as necessárias adaptações, os artigos 692º, 694º a 699º, 701º e 702º.
SUBSECÇÃO III
Penhor de direitos
ARTIGO 679º
(Disposições aplicáveis)
São extensivas ao penhor de
direitos, com as necessárias adaptações, as disposições da subsecção anterior,
em tudo o que não seja contrariado pela natureza especial desse penhor ou pelo
preceituado nos artigos subsequentes.
ARTIGO 680º
(Objecto)
Só é admitido o penhor de
direitos quando estes tenham por objecto coisas móveis e sejam susceptíveis de
transmissão.
ARTIGO 681º
(Forma e publicidade)
1. A constituição do penhor
de direitos está sujeita à forma e publicidade exigidas para a transmissão dos
direitos empenhados.
2. Se, porém, tiver por
objecto um crédito, o penhor só produz os seus efeitos desde que seja
notificado ao respectivo devedor, ou desde que este o aceite, salvo tratando-se
de penhor sujeito a registo, pois neste caso produz os seus efeitos a partir do
registo.
3. A ineficácia do penhor
por falta de notificação ou registo não impede a aplicação, com as necessárias
correcções, do disposto no nº 2 do artigo 583º.
ARTIGO 682º
(Entrega de documentos)
O titular do direito
empenhado deve entregar ao credor pignoratício os documentos comprovativos
desse direito que estiverem na sua posse e em cuja conservação não tenha
interesse legítimo.
ARTIGO 683º
(Conservação do direito
empenhado)
O credor pignoratício é
obrigado a praticar os actos indispensáveis à conservação do direito empenhado
e a cobrar os juros e mais prestações acessórias compreendidas na garantia.
ARTIGO 684º
(Relações entre o
obrigado e o credor pignoratício)
Dando em penhor um direito
por virtude do qual se possa exigir uma prestação, as relações entre o obrigado
e o credor pignoratício estão sujeitas às disposições aplicáveis, na cessão de
créditos, às relações entre o devedor e o cessionário.
ARTIGO 685º
(Cobrança de créditos
empenhados)
1. O credor pignoratício
deve cobrar o crédito empenhado logo que este se torne exigível, passando o
penhor a incidir sobre a coisa prestada em satisfação desse crédito.
2. Se, porém, o crédito
tiver por objecto a prestação de dinheiro ou de outra coisa fungível, o devedor
não pode fazê-la senão aos dois credores conjuntamente; na falta de acordo
entre os interessados, tem o obrigado a faculdade de usar da consignação em
depósito.
3. Se o mesmo crédito for
objecto de vários penhores, só o credor cujo direito prefira aos demais tem
legitimidade para cobrar o crédito empenhado; mas os outros têm a faculdade de
compelir o devedor a satisfazer a prestação ao credor preferente.
4. O titular do crédito
empenhado só pode receber a respectiva prestação com o consentimento do credor
pignoratício, extinguindo-se neste caso o penhor.
SECÇÃO V
Hipoteca
SUBSECÇÃO I
Disposições gerais
ARTIGO 686º
(Noção)
1. A hipoteca confere ao
credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou
equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os
demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de
registo.
2. A obrigação garantida
pela hipoteca pode ser futura ou condicional.
ARTIGO 687º
(Registo)
A hipoteca deve ser
registada, sob pena de não produzir efeitos, mesmo em relação às partes.
ARTIGO 688º
(Objecto)
1. Só podem ser
hipotecados:
a) Os prédios rústicos e
urbanos;
b) O domínio directo e o
domínio útil dos bens enfitêuticos;
c) O direito de superfície;
d) O direito resultante de
concessões em bens do domínio público, observadas as disposições legais
relativas à transmissão dos direitos concedidos;
e) O usufruto das coisas e
direitos constantes das alíneas anteriores;
f) As coisas móveis que,
para este efeito, sejam por lei equiparadas às imóveis.
2. As partes de um prédio
susceptíveis de propriedade autónoma sem perda da sua natureza imobiliária
podem ser hipotecadas separadamente.
ARTIGO 689º
(Bens comuns)
1. É também susceptível de
hipoteca a quota de coisa ou direito comum.
2. A divisão da coisa ou
direito comum, feita com o consentimento do credor, limita a hipoteca à parte
que for atribuída ao devedor.
ARTIGO 690º
(Bens excluídos)
Não pode ser hipotecada a
meação dos bens comuns do casal, nem tão-pouco a quota de herança indivisa.
ARTIGO 691º
(Extensão)
1. A hipoteca abrange:
a) As coisas imóveis
referidas nas alíneas c) a e) do nº 1 do artigo 204º;
b) As acessões naturais;
c) As benfeitorias, salvo o
direito de terceiros.
2. Na hipoteca de fábricas,
consideram-se abrangidos pela garantia os maquinismos e demais móveis
inventariados no título constitutivo, mesmo que não sejam parte integrante dos
respectivos imóveis.
3. Os donos e possuidores
de maquinismos, móveis e utensílios destinados à exploração de fábricas,
abrangidos no registo de hipoteca dos respectivos imóveis, não os podem alienar
ou retirar sem consentimento escrito do credor e incorrem na responsabilidade
própria dos fiéis depositários.
(Redacção do Dec.-Lei
225/84, de 6-7)
ARTIGO 692º
(Indemnizações devidas)
1. Se a coisa ou direito
hipotecado se perder, deteriorar ou diminuir de valor, e o dono tiver direito a
ser indemnizado, os titulares da garantia conservam, sobre o crédito respectivo
ou as quantias pagas a título de indemnização, as preferências que lhes competiam
em relação à coisa onerada.
2. Depois de notificado da
existência da hipoteca, o devedor da indemnização não se libera pelo
cumprimento da sua obrigação com prejuízo dos direitos conferidos no número
anterior.
3. O disposto nos números
precedentes é aplicável às indemnizações devidas por expropriação ou
requisição, bem como por extinção do direito de superfície, ao preço da remição
do foro e aos casos análogos.
ARTIGO 693º
(Acessórios do crédito)
1. A hipoteca assegura os
acessórios do crédito que constem do registo.
2. Tratando-se de juros, a
hipoteca nunca abrange, não obstante convenção em contrário, mais do que os
relativos a três anos.
3. O disposto no número
anterior não impede o registo de nova hipoteca em relação a juros em dívida.
ARTIGO 694º
(Pacto comissório)
É nula, mesmo que seja
anterior ou posterior à constituição da hipoteca, a convenção pela qual o
credor fará sua a coisa onerada no caso de o devedor não cumprir.
ARTIGO 695º
(Cláusula de
inalienabilidade dos bens hipotecados)
É igualmente nula a
convenção que proíba o respectivo dono de alienar ou onerar os bens
hipotecados, embora seja lícito convencionar que o crédito hipotecário se
vencerá logo que esses bens sejam alienados ou onerados.
ARTIGO 696º
(Indivisibilidade)
Salvo convenção em
contrário, a hipoteca é indivisível, subsistindo por inteiro sobre cada uma das
coisas oneradas e sobre cada uma das partes que as constituam, ainda que a
coisa ou o crédito seja dividido ou este se encontre parcialmente satisfeito.
ARTIGO 697º
(Penhora dos bens)
O devedor que for dono da
coisa hipotecada tem o direito de se opor não só a que outros bens sejam
penhorados na execução enquanto se não reconhecer a insuficiência da garantia,
mas ainda a que, relativamente aos bens onerados, a execução se estenda além do
necessário à satisfação do direito do credor.
ARTIGO 698º
(Defesa do dono da coisa
ou do titular do direito)
1. Sempre que o dono da
coisa ou o titular do direito hipotecado seja pessoa diferente do devedor,
é-lhe lícito opor ao credor, ainda que o devedor a eles tenha renunciado, os
meios de defesa que o devedor tiver contra o crédito, com exclusão das
excepções que são recusadas ao fiador.
2. O dono ou o titular a
que o número anterior se refere tem a faculdade de se opor à execução enquanto o
devedor puder impugnar o negócio donde provém a sua obrigação, ou o credor
puder ser satisfeito por compensação com um crédito do devedor, ou este tiver a
possibilidade de se valer da compensação com uma dívida do credor.
ARTIGO 699º
(Hipoteca e usufruto)
1. Extinguindo-se o
usufruto constituído sobre a coisa hipotecada, o direito do credor hipotecário
passa a exercer-se sobre a coisa, como se o usufruto nunca tivesse sido
constituído.
2. Se a hipoteca tiver por
objecto o direito de usufruto, considera-se extinta com a extinção deste
direito.
3. Porém, se a extinção do
usufruto resultar de renúncia, ou da transferência dos direitos do usufrutuário
para o proprietário, ou da aquisição da propriedade por parte daquele, a
hipoteca subsiste, como se a extinção do direito se não tivesse verificado.
ARTIGO 700º
(Administração da coisa
hipotecada)
O corte de árvores ou
arbustos, a colheita de frutos naturais e a alienação de partes integrantes ou
coisas acessórias abrangidas pela hipoteca só são eficazes em relação ao credor
hipotecário se forem anteriores ao registo da penhora e couberem nos poderes de
administração ordinária.
ARTIGO 701º
(Substituição ou reforço
da hipoteca)
1. Quando, por causa não
imputável ao credor, a coisa hipotecada perecer ou a hipoteca se tornar
insuficiente para segurança da obrigação, tem o credor o direito de exigir que
o devedor a substitua ou reforce; e, não o fazendo este nos termos declarados
na lei de processo, pode aquele exigir o imediato cumprimento da obrigação ou,
tratando-se de obrigação futura, registar hipoteca sobre outros bens do
devedor.
2. Não obsta ao direito do
credor o facto de a hipoteca ter sido constituída por terceiro, salvo se o
devedor for estranho à sua constituição; porém, mesmo neste caso, se a
diminuição da garantia for devida a culpa do terceiro, o credor tem o direito
de exigir deste a substituição ou o reforço, ficando o mesmo sujeito à
cominação do número anterior em lugar do devedor.
ARTIGO 702º
(Seguro)
1. Quando o devedor se
comprometa a segurar a coisa hipotecada e não a segure no prazo devido ou deixe
rescindir o contrato por falta de pagamento dos respectivos prémios, tem o
credor a faculdade de segurá-la à custa do devedor; mas, se o fizer por um
valor excessivo, pode o devedor exigir a redução do contrato aos limites
convenientes.
2. Nos casos previstos no
número anterior, pode o credor reclamar, em lugar do seguro, o imediato
cumprimento da obrigação.
ARTIGO 703º
(Espécies de hipoteca)
As hipotecas são legais,
judiciais ou voluntárias.
SUBSECÇÃO II
Hipotecas legais
ARTIGO 704º
(Noção)
As hipotecas legais
resultam imediatamente da lei, sem dependência da vontade das partes, e podem
constituir-se desde que exista a obrigação a que servem de segurança.
ARTIGO 705º
(Credores com hipoteca
legal)
Os credores que têm
hipoteca legal são:
a) O Estado e as autarquias
locais, sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos à constituição predial,
para garantia do pagamento desta contribuição;
b) O Estado e as demais
pessoas colectivas públicas, sobre os bens dos encarregados da gestão de fundos
públicos, para garantia do cumprimento das obrigações por que se tornem
responsáveis;
c) O menor, o interdito e o
inabilitado, sobre os bens do tutor, curador e administrador legal, para
assegurar a responsabilidade que nestas qualidades vierem a assumir;
d) O credor por alimentos;
e) O co-herdeiro, sobre os
bens adjudicados ao devedor de tornas, para garantir o pagamento destas;
f) O legatário de dinheiro
ou outra coisa fungível, sobre os bens sujeitos ao encargo do legado ou, na sua
falta, sobre os bens que os herdeiros responsáveis houverem do testador.
ARTIGO 706º
(Registo da hipoteca a
favor de incapazes)
1. A determinação do valor
da hipoteca estabelecida a favor do menor, interdito ou inabilitado, para
efeito do registo, e a designação dos bens sobre que há-de ser registada cabem
ao conselho de família.
2. Têm legitimidade para
requerer o registo o tutor, curador ou administrador legal, os vogais do
conselho de família e qualquer dos parentes do incapaz.
ARTIGO 707º
(Substituição por outra
caução)
1. O tribunal pode
autorizar, a requerimento do devedor, a substituição da hipoteca legal por
outra caução.
2. Não tendo o devedor bens
susceptíveis de hipoteca, suficientes para garantir o crédito, pode o credor
exigir outra caução, nos termos do artigo 625º, salvo nos casos das hipotecas
destinadas a garantir o pagamento das tornas ou do legado de dinheiro ou outra
coisa fungível.
ARTIGO 708º
(Bens sujeitos à
hipoteca legal)
Sem prejuízo do direito de
redução, as hipotecas legais podem ser registadas em relação a quaisquer bens
do devedor, quando não forem especificados por lei ou no título respectivo os
bens sujeitos à garantia.
ARTIGO 709º
(Reforço)
O credor só goza do direito
de reforçar as hipotecas previstas nas alíneas e) e f) do artigo 705º se a
garantia puder continuar a incidir sobre os bens aí especificados.
SUBSECÇÃO III
Hipotecas judiciais
ARTIGO 710º
(Constituição)
1. A sentença que condenar
o devedor à realização de uma prestação em dinheiro ou outra coisa fungível é
título bastante para o registo de hipoteca sobre quaisquer bens do obrigado,
mesmo que não haja transitado em julgado.
2. Se a prestação for
ilíquida, pode a hipoteca ser registada pelo quantitativo provável do crédito.
3. Se o devedor for
condenado a entregar uma coisa ou a prestar um facto, só pode ser registada a
hipoteca havendo conversão da prestação numa indemnização pecuniária.
ARTIGO 711º
(Sentenças estrangeiras)
As sentenças dos tribunais
estrangeiros, revistas e confirmadas em Portugal, podem titular o registo da
hipoteca judicial, na medida em que a lei do país onde foram proferidas lhes
reconheça igual valor.
SUBSECÇÃO IV
Hipotecas voluntárias
ARTIGO 712º
(Noção)
Hipoteca voluntária é a que
nasce de contrato ou declaração unilateral.
ARTIGO 713º
(Segunda hipoteca)
A hipoteca não impede o
dono dos bens de os hipotecar de novo; neste caso, extinta uma das hipotecas,
ficam os bens a garantir, na sua totalidade, as restantes dívidas hipotecárias.
ARTIGO 714º
(Forma)
O acto de constituição ou
modificação da hipoteca voluntária, quando recaia sobre bens imóveis, deve
constar de escritura pública ou de testamento.
ARTIGO 715º
(Legitimidade para
hipotecar)
Só tem legitimidade para
hipotecar quem puder alienar os respectivos bens.
ARTIGO 716º
(Hipotecas gerais)
1. São nulas as hipotecas
voluntárias que incidam sobre todos os bens do devedor ou de terceiro sem os
especificar.
2. A especificação deve
constar do título constitutivo da hipoteca.
ARTIGO 717º
(Hipoteca constituída
por terceiro)
1. A hipoteca constituída
por terceiro extingue-se na medida em que, por facto positivo ou negativo do
credor, não possa dar-se a sub-rogação daquele nos direitos deste.
2. O caso julgado proferido
em relação ao devedor produz efeitos relativamente a terceiro que haja constituído
a hipoteca, nos termos em que os produz em relação ao fiador.
SUBSECÇÃO V
Redução da hipoteca
ARTIGO 718º
(Modalidades)
A hipoteca pode ser
reduzida voluntária ou judicialmente.
ARTIGO 719º
(Redução voluntária)
A redução voluntária só
pode ser consentida por quem puder dispor da hipoteca, sendo aplicável à
redução o regime estabelecido para a renúncia à garantia.
ARTIGO 720º
(Redução judicial)
1. A redução judicial tem
lugar, nas hipotecas legais e judiciais, a requerimento de qualquer interessado,
quer no que concerne aos bens, quer no que respeita à quantia designada como
montante do crédito, excepto se, por convenção ou sentença, a coisa onerada ou
a quantia assegurada tiver sido especialmente indicada.
2. No caso previsto na
parte final do número anterior, ou no de hipoteca voluntária, a redução
judicial só é admitida:
a) Se, em consequência do
cumprimento parcial ou outra causa de extinção, a dívida se encontrar reduzida
a menos de dois terços do seu montante inicial;
b) Se, por virtude de acessões
naturais ou benfeitorias, a coisa ou o direito hipotecado se tiver valorizado
em mais de um terço do seu valor à data da constituição da hipoteca.
3. A redução é realizável,
quanto aos bens, ainda que a hipoteca tenha por objecto uma só coisa ou direito,
desde que a coisa ou direito seja susceptível de cómoda divisão.
SUBSECÇÃO VI
Transmissão dos bens
hipotecados
ARTIGO 721º
(Expurgação da hipoteca)
Aquele que adquiriu bens
hipotecados, registou o título de aquisição e não é pessoalmente responsável pelo
cumprimento das obrigações garantidas tem o direito de expurgar a hipoteca por
qualquer dos modos seguintes:
a) Pagando integralmente
aos credores hipotecários as dívidas a que os bens estão hipotecados;
b) Declarando que está
pronto a entregar aos credores, para pagamento dos seus créditos, até à quantia
pela qual obteve os bens, ou aquela em que os estima, quando a aquisição tenha
sido feita por título gratuito ou não tenha havido fixação de preço.
ARTIGO 722º
(Expurgação no caso de
revogação de doação)
O direito de expurgação é
extensivo ao doador ou aos seus herdeiros, relativamente aos bens hipotecados
pelo donatário que venham ao poder daqueles em consequência da revogação da
liberalidade por ingratidão do donatário, ou da sua redução por inoficiosidade.
(Redacção do Dec.-Lei
497/77, de 25-11)
ARTIGO 723º
(Direitos dos credores
quanto à expurgação)
1. A sentença que declarar
os bens livres de hipotecas em consequência de expurgação não será proferida
sem se mostrar que foram citados todos os credores hipotecários.
2. O credor que, tendo a
hipoteca registada, não for citado nem comparecer espontaneamente em juízo não
perde os seus direitos de credor hipotecário, seja qual for a sentença
proferida em relação aos outros credores.
3. Se o requerente da expurgação
não depositar a importância devida, nos termos da lei de processo, fica o
requerimento sem efeito e não pode ser renovado, sem prejuízo da
responsabilidade do requerente pelos danos causados aos credores.
ARTIGO 724º
(Direitos reais que
renascem pela venda judicial)
1. Se o adquirente da coisa
hipotecada tinha, anteriormente à aquisição, algum direito real sobre ela, esse
direito renasce no caso de venda em processo de execução ou de expurgação da
hipoteca e é atendido em harmonia com as regras legais relativas a essa venda.
2. Renascem do mesmo modo e
são incluídas na venda as servidões que, à data do registo da hipoteca,
oneravam algum prédio do terceiro adquirente em benefício do prédio hipotecado.
ARTIGO 725º
(Exercício antecipado do
direito hipotecário contra o adquirente)
O credor hipotecário pode,
antes do vencimento do prazo, exercer o seu direito contra o adquirente da
coisa ou direito hipotecado se, por culpa deste, diminuir a segurança do
crédito.
ARTIGO 726º
(Benfeitorias e frutos)
Para os efeitos dos artigos
1269º, 1270º e 1275º, o terceiro adquirente é havido como possuidor de boa fé,
na execução, até ao registo da penhora, e, na expurgação da hipoteca, até à
venda judicial da coisa ou direito.
SUBSECÇÃO VII
Transmissão da hipoteca
ARTIGO 727º
(Cessão da hipoteca)
1. A hipoteca que não for
inseparável da pessoa do devedor pode ser cedida sem o crédito assegurado, para
garantia de crédito pertencente a outro credor do mesmo devedor, com
observância das regras próprias da cessão de créditos; se, porém, a coisa ou
direito hipotecado pertencer a terceiro, é necessário o consentimento deste.
2. O credor com hipoteca
sobre mais de uma coisa ou direito só pode cedê-la à mesma pessoa e na sua
totalidade.
ARTIGO 728º
(Valor da hipoteca
cedida)
1. A hipoteca cedida
garante o novo crédito nos limites do crédito originariamente garantido.
2. Registada a cessão, a
extinção do crédito originário não afecta a subsistência da hipoteca.
ARTIGO 729º
(Cessão do grau
hipotecário)
É também permitida a cessão
do grau hipotecário a favor de qualquer outro credor hipotecário posteriormente
inscrito sobre os mesmos bens, observadas igualmente as regras respeitantes à
cessão do respectivo crédito.
SUBSECÇÃO VIII
Extinção da hipoteca
ARTIGO 730º
(Causas de extinção)
A hipoteca extingue-se:
a) Pela extinção da
obrigação a que serve de garantia;
b) Por prescrição, a favor
de terceiro adquirente do prédio hipotecado, decorridos vinte anos sobre o
registo da aquisição e cinco sobre o vencimento da obrigação;
c) Pelo perecimento da
coisa hipotecada, sem prejuízo do disposto nos artigos 692º e 701º;
d) Pela renúncia do credor.
ARTIGO 731º
(Renúncia à hipoteca)
1. A renúncia à hipoteca
deve ser expressa e exarada em documento autenticado, não carecendo de
aceitação do devedor ou do autor da hipoteca para produzir os seus efeitos.
2. Os administradores de
patrimónios alheios não podem renunciar às hipotecas constituídas em benefício
das pessoas cujos patrimónios administram.
(Redacção do Dec.-Lei
163/95, de 13-7)
ARTIGO 732º
(Renascimento da
hipoteca)
Se a causa extintiva da
obrigação ou a renúncia do credor à garantia for declarada nula ou anulada, ou
ficar por outro motivo sem efeito, a hipoteca, se a inscrição tiver sido
cancelada, renasce apenas desde a data da nova inscrição.
SECÇÃO VI
Privilégios creditórios
SUBSECÇÃO I
Disposições gerais
ARTIGO 733º
(Noção)
Privilégio creditório é a
faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores,
independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros.
ARTIGO 734º
(Acessórios do crédito)
O privilégio creditório
abrange os juros relativos aos últimos dois anos, se forem devidos.
ARTIGO 735º
(Espécies)
1. São de duas espécies os
privilégios creditórios: mobiliários e imobiliários.
2. Os privilégios mobiliários
são gerais, se abrangem o valor de todos os bens móveis existentes no
património do devedor à data da penhora ou de acto equivalente; são especiais,
quando compreendem só o valor de determinados bens móveis.
3. Os privilégios
imobiliários são sempre especiais.
SUBSECÇÃO II
Privilégios mobiliários
gerais
ARTIGO 736º
(Créditos do Estado e
das autarquias locais)
1. O Estado e as autarquias
locais têm privilégio mobiliário geral para garantia dos créditos por impostos
indirectos, e também pelos impostos directos inscritos para cobrança no ano
corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores.
2. Este privilégio não
compreende a sisa ou o imposto sobre as sucessões e doações, nem quaisquer
outros impostos que gozem de privilégio especial.
ARTIGO 737º
(Outros créditos que
gozam de privilégio mobiliário geral)
1. Gozam de privilégio
geral sobre os móveis:
a) O crédito por despesas
do funeral do devedor, conforme a sua condição e costume da terra;
b) O crédito por despesas
com doenças do devedor ou de pessoas a quem este deva prestar alimentos,
relativo aos últimos seis meses;
c) O crédito por despesas
indispensáveis para o sustento do devedor e das pessoas a quem este tenha a
obrigação de prestar alimentos, relativo aos últimos seis meses;
d) Os créditos emergentes
do contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato,
pertencentes ao trabalhador e relativos aos últimos seis meses.
2. O prazo de seis meses
referido nas alíneas b), c) e d) do número anterior conta-se a partir da morte
do devedor ou do pedido de pagamento.
SUBSECÇÃO III
Privilégios mobiliários
especiais
ARTIGO 738º
(Despesas de justiça e
imposto sobre sucessões e doações)
1. Os créditos por despesas
de justiça feitas directamente no interesse comum dos credores, para a
conservação, execução ou liquidação de bens móveis, têm privilégio sobre estes
bens.
2. Têm igualmente
privilégio sobre os bens móveis transmitidos os créditos do Estado resultantes
do imposto sobre as sucessões e doações.
ARTIGO 739º
(Privilégio sobre os
frutos de prédios rústicos)
Gozam de privilégio sobre
os frutos dos prédios rústicos respectivos:
a) Os créditos pelos
fornecimentos de sementes, plantas e adubos, e de água ou energia para
irrigação ou outros fins agrícolas;
b) Os créditos por dívidas
de foros relativos ao ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e
ao ano anterior.
ARTIGO 740º
(Privilégio sobre as
rendas dos prédios urbanos)
Os créditos por dívidas de
foros relativos ao ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e ao
ano anterior, gozam de privilégio sobre as rendas dos prédios urbanos
respectivos.
ARTIGO 741º
(Crédito de
indemnização)
O crédito da vítima de um
facto que implique responsabilidade civil tem privilégio sobre a indemnização
devida pelo segurador da responsabilidade em que o lesante haja incorrido.
ARTIGO 742º
(Crédito do autor de
obra intelectual)
O crédito do autor de obra
intelectual, fundado em contrato de edição, tem privilégio sobre os exemplares
da obra existentes em poder do editor.
SUBSECÇÃO IV
Privilégios imobiliários
ARTIGO 743º
(Despesas de justiça)
Os créditos por despesas de
justiça feitas directamente no interesse comum dos credores, para a
conservação, execução ou liquidação dos bens imóveis, têm privilégio sobre
estes bens.
ARTIGO 744º
(Contribuição predial e
impostos de transmissão)
1. Os créditos por
contribuição predial devida ao Estado ou às autarquias locais, inscritos para
cobrança no ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois
anos anteriores, têm privilégio sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos
àquela contribuição.
2. Os créditos do Estado
pela sisa e pelo imposto sobre as sucessões e doações têm privilégio sobre os
bens transmitidos.
SUBSECÇÃO V
Efeitos e extinção dos
privilégios
ARTIGO 745º
(Concurso de créditos
privilegiados)
1. Os créditos
privilegiados são pagos pela ordem segundo a qual vão indicados nas disposições
seguintes.
2. Havendo créditos
igualmente privilegiados, dar-se-á rateio entre eles, na proporção dos
respectivos montantes.
ARTIGO 746º
(Privilégios por
despesas de justiça)
Os privilégios por despesas
de justiça, quer sejam mobiliários, quer imobiliários, têm preferência não só
sobre os demais privilégios,como sobre as outras garantias, mesmo anteriores,
que onerem os mesmos bens, e valem contra os terceiros adquirentes.
ARTIGO 747º
(Ordem dos outros
privilégios mobiliários)
1. Os créditos com
privilégio mobiliário graduam-se pela ordem seguinte:
a) Os créditos por
impostos, pagando-se em primeiro lugar o Estado e só depois as autarquias
locais;
b) Os créditos por
fornecimentos destinados à produção agrícola;
c) Os créditos por dívidas
de foros;
d) Os créditos da vítima de
um facto que dê lugar a responsabilidade civil;
e) Os créditos do autor de
obra intelectual;
f) Os créditos com
privilégio mobiliário geral, pela ordem segundo a qual são enumerados no artigo
737º.
2. O disposto no presente
artigo é aplicável, ainda que os privilégios existam contra proprietários
sucessivos da coisa.
ARTIGO 748º
(Ordem dos outros
privilégios imobiliários)
1. Os créditos com
privilégio imobiliário graduam-se pela ordem seguinte:
a) Os créditos do Estado,
pela contribuição predial, pela sisa e pelo imposto sobre as sucessões e
doações;
b) Os créditos das
autarquias locais, pela contribuição predial.
ARTIGO 749º
(Privilégio geral e
direitos de terceiro)
O privilégio geral não vale
contra terceiros, titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas
abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente.
ARTIGO 750º
(Privilégio mobiliário especial
e direitos de terceiro)
Salvo disposição em
contrário, no caso de conflito entre o privilégio mobiliário especial e um
direito de terceiro, prevalece o que mais cedo se houver adquirido.
ARTIGO 751º
(Privilégio imobiliário
e direitos de terceiro)
Os privilégios imobiliários
são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele, e
preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção,
ainda que estas garantias sejam anteriores.
ARTIGO 752º
(Extinção)
Os privilégios extinguem-se
pelas mesmas causas por que se extingue o direito de hipoteca.
ARTIGO 753º
(Remissão)
São aplicáveis aos
privilégios, com as necessárias adaptações, os artigos 692º e 694º a 699º.
SECÇÃO VII
Direito de retenção
ARTIGO 754º
(Quando existe)
O devedor que disponha de
um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado
a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa
dela ou de danos por ela causados.
ARTIGO 755º
(Casos especiais)
1. Gozam ainda do direito
de retenção:
a) O transportador, sobre
as coisas transportadas, pelo crédito resultante do transporte;
b) O albergueiro, sobre as
coisas que as pessoas albergadas hajam trazido para a pousada ou acessórios
dela, pelo crédito da hospedagem;
c) O mandatário, sobre as
coisas que lhe tiveram sido entregues para execução do mandato, pelo crédito
resultante da sua actividade;
d) O gestor de negócios,
sobre as coisas que tenha em seu poder para execução da gestão, pelo crédito
proveniente desta;
e) O depositário e o
comodatário, sobre as coisas que lhe tiverem sido entregues em consequência dos
respectivos contratos, pelos créditos deles resultantes;
f) O beneficiário da
promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição
da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito
resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo
442º.
2. Quando haja transportes
sucessivos, mas todos os transportadores se tenham obrigado em comum,
entende-se que o último detém as coisas em nome próprio e em nome dos outros.
(Redacção do Dec-Lei
379/86, de 11-11)
ARTIGO 756º
(Exclusão do direito de
retenção)
Não há direito de retenção:
a) A favor dos que tenham
obtido por meios ilícitos a coisa que devem entregar, desde que, no momento da
aquisição, conhecessem a ilicitude desta;
b) A favor dos que tenham
realizado de má fé as despesas de que proveio o seu crédito;
c) Relativamente a coisas
impenhoráveis;
d) Quando a outra parte
preste caução suficiente.
ARTIGO 757º
(Inexigibilidade e
iliquidez do crédito)
1. O devedor goza do
direito de retenção, mesmo antes do vencimento do seu crédito, desde que
entretanto se verifique alguma das circunstâncias que importam a perda do
benefício do prazo.
2. O direito de retenção
não depende da liquidez do crédito do respectivo titular.
ARTIGO 758º
(Retenção de coisas
móveis)
Recaindo o direito de
retenção sobre coisa móvel, o respectivo titular goza dos direitos e está
sujeito às obrigações do credor pignoratício, salvo pelo que respeita à
substituição ou reforço da garantia.
ARTIGO 759º
(Retenção de coisas
imóveis)
1. Recaindo o direito de
retenção sobre coisa imóvel, o respectivo titular, enquanto não entregar a
coisa retida, tem a faculdade de a executar, nos mesmos termos em que o pode
fazer o credor hipotecário, e de ser pago com preferência aos demais credores
do devedor.
2. O direito de retenção
prevelece neste caso sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada
anteriormente.
3. Até à entrega da coisa
são aplicáveis, quanto aos direitos e obrigações do titular da retenção, as
regras do penhor, com as necessárias adaptações.
ARTIGO 760º
(Transmissão)
O direito de retenção não é
transmissível sem que seja transmitido o crédito que ele garante.
ARTIGO 761º
(Extinção)
O direito de retenção
extingue-se pelas mesmas causas por que cessa o direito de hipoteca, e ainda
pela entrega da coisa.
CAPÍTULO VII
Cumprimento e não
cumprimento das obrigações
SECÇÃO I
Cumprimento
SUBSECÇÃO I
Disposições gerais
ARTIGO 762º
(Princípio geral)
1. O devedor cumpre a
obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado.
2. No cumprimento da
obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes
proceder de boa fé.
ARTIGO 763º
(Realização integral da
prestação)
1. A prestação deve ser
realizada integralmente e não por partes, excepto se outro for o regime
convencionado ou imposto por lei ou pelos usos.
2. O credor tem, porém, a
faculdade de exigir uma parte da prestação; a exigência dessa parte não priva o
devedor da possibilidade de oferecer a prestação por inteiro.
ARTIGO 764º
(Capacidade do devedor e
do credor)
1. O devedor tem de ser
capaz, se a prestação constituir um acto de disposição; mas o credor que haja
recebido do devedor incapaz pode opor-se ao pedido de anulação se o devedor não
tiver tido prejuízo com o cumprimento.
2. O credor deve, pelo seu
lado, ter capacidade para receber a prestação; mas, se esta chegar ao poder do
representante legal do incapaz ou o património deste tiver enriquecido, pode o
devedor opor-se ao pedido de anulação da prestação realizada e de novo
cumprimento da obrigação,
na medida do que tiver sido recebido pelo representante ou do enriquecimento do
incapaz.
ARTIGO 765º
(Entrega da coisa de que
o devedor não pode dispor)
1. O credor que de boa fé
receber a prestação de coisa que o devedor não pode alhear tem o direito de
impugnar o cumprimento, sem prejuízo da faculdade de se ressarcir dos danos que
haja sofrido.
2. O devedor que, de boa ou
má fé, prestar coisa de que lhe não é lícito dispor não pode impugnar o
cumprimento, a não ser que ofereça uma nova prestação.
ARTIGO 766º
(Declaração de nulidade
ou anulação do cumprimento e garantias prestadas por terceiro)
Se o cumprimento for
declarado nulo ou anulado por causa imputável ao credor, não renascem as
garantias prestadas por terceiro, salvo se este conhecia o vício na data em que
teve notícia do cumprimento da obrigação.
SUBSECÇÃO II
Quem pode fazer e a quem
pode ser feita a prestação
ARTIGO 767º
(Quem pode fazer a
prestação)
1. A prestação pode ser
feita tanto pelo devedor como por terceiro, interessado ou não no cumprimento
da obrigação.
2. O credor não pode,
todavia, ser constrangido a receber de terceiro a prestação, quando se tenha
acordado expressamente em que esta deve ser feita pelo devedor, ou quando a
substituição o prejudique.
ARTIGO 768º
(Recusa da prestação
pelo credor)
1. Quando a prestação puder
ser efectuada por terceiro, o credor que a recuse incorre em mora perante o
devedor.
2. É, porém, lícito ao
credor recusá-la, desde que o devedor se oponha ao cumprimento e o terceiro não
possa ficar sub-rogado nos termos do artigo 592º; a oposição do devedor não
obsta a que o credor aceite validamente a prestação.
ARTIGO 769º
(A quem deve ser feita a
prestação)
A prestação deve ser feita
ao credor ou ao seu representante.
ARTIGO 770º
(Prestação feita a
terceiro)
A prestação feita a
terceiro não extingue a obrigação, excepto:
a) Se assim foi estipulado
ou consentido pelo credor;
b) Se o credor a ratificar;
c) Se quem a recebeu houver
adquirido posteriormente o crédito;
d) Se o credor vier a
aproveitar-se do cumprimento e não tiver interesse fundado em não a considerar
como feita a si próprio;
e) Se o credor for herdeiro
de quem a recebeu e responder pelas obrigações do autor da sucessão;
f) Nos demais casos em que
a lei o determinar.
ARTIGO 771º
(Oposição à indicação
feita pelo credor)
O devedor não é obrigado a
satisfazer a prestação ao representante voluntário do credor nem à pessoa por
este autorizada a recebê-la, se não houver convenção nesse sentido.
SUBSECÇÃO III
Lugar da prestação
ARTIGO 772º
(Princípio geral)
1. Na falta de estipulação
ou disposição especial da lei, a prestação deve ser efectuada no lugar do
domicílio do devedor.
2. Se o devedor mudar de domicílio
depois de constituída a obrigação, a prestação será efectuada no novo
domicílio, excepto se a mudança acarretar prejuízo para o credor, pois, nesse
caso, deve ser efectuada no lugar do domicílio primitivo.
ARTIGO 773º
(Entrega de coisa móvel)
1. Se a prestação tiver por
objecto coisa móvel determinada, a obrigação deve ser cumprida no lugar onde a
coisa se encontrava ao tempo da conclusão do negócio.
2. A disposição do número
anterior é ainda aplicável, quando se trate de coisa genérica que deve ser
escolhida de um conjunto determinado ou de coisa que deva ser produzida em
certo lugar.
ARTIGO 774º
(Obrigações pecuniárias)
Se a obrigação tiver por
objecto certa quantia em dinheiro, deve a prestação ser efectuada no lugar do
domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento.
ARTIGO 775º
(Mudança do domicílio do
credor)
Se tiver sido estipulado,
ou resultar da lei, que o cumprimento deve efectuar-se no domicílio do credor,
e este mudar de domicílio após a constituição da obrigação, pode a prestação ser
efectuada no domicílio do devedor, salvo se aquele se comprometer a indemnizar
este do prejuízo que sofrer com a mudança.
ARTIGO 776º
(Impossibilidade da
prestação no lugar fixado)
Quando a prestação for ou
se tornar impossível no lugar fixado para o cumprimento e não houver fundamento
para considerar a obrigação nula ou extinta, são aplicáveis as regras
supletivas dos artigos 772º a 774º.
SUBSECÇÃO IV
Prazo da prestação
ARTIGO 777º
(Determinação do prazo)
1. Na falta de estipulação
ou disposição especial da lei, o credor tem o direito de exigir a todo o tempo
o cumprimento da obrigação, assim como o devedor pode a todo o tempo
exonerar-se dela.
2. Se, porém, se tornar
necessário o estabelecimento de um prazo, quer pela própria natureza da
prestação, quer por virtude das circunstâncias que a determinaram, quer por
força dos usos, e as partes não acordarem na sua determinação, a fixação dele é
deferida
ao tribunal.
3. Se a determinação do
prazo for deixada ao credor e este não usar da faculdade que lhe foi concedida,
compete ao tribunal fixar o prazo, a requerimento do devedor.
ARTIGO 778º
(Prazo dependente da
possibilidade ou do arbítrio do devedor)
1. Se tiver sido estipulado
que o devedor cumprirá quando puder, a prestação só é exigível tendo este a
possibilidade de cumprir; falecendo o devedor, é a prestação exigível dos seus
herdeiros, independentemente da prova dessa possibilidade, mas sem prejuízo do
disposto no artigo 2071º.
2. Quando o prazo for
deixado ao arbítrio do devedor, só dos seus herdeiros tem o credor o direito de
exigir que satisfaçam a prestação.
ARTIGO 779º
(Beneficiário do prazo)
O prazo tem-se por
estabelecido a favor do devedor, quando se não mostre que o foi a favor do
credor, ou do devedor e do credor conjuntamente.
ARTIGO 780º
(Perda do benefício do
prazo)
1. Estabelecido o prazo a
favor do devedor, pode o credor, não obstante, exigir o cumprimento imediato da
obrigação, se o devedor se tornar insolvente, ainda que a insolvência não tenha
sido judicialmente declarada, ou se, por causa imputável ao devedor, diminuírem
as garantias do crédito ou não forem prestadas as garantias prometidas.
2. O credor tem o direito
de exigir do devedor, em lugar do cumprimento imediato da obrigação, a
substituição ou reforço das garantias, se estas sofreram diminuição.
ARTIGO 781º
(Dívida liquidável em
prestações)
Se a obrigação puder ser
liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas
importa o vencimento de todas.
ARTIGO 782º
(Perda do benefício do
prazo em relação aos co-obrigados e terceiros)
A perda do benefício do
prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do
crédito tenha constituído qualquer garantia.
SUBSECÇÃO V
Imputação do cumprimento
ARTIGO 783º
(Designação pelo
devedor)
1. Se o devedor, por
diversas dívidas da mesma espécie ao mesmo credor, efectuar uma prestação que
não chegue para as extinguir a todas, fica à sua escolha designar as dívidas a
que o cumprimento se refere.
2. O devedor, porém, não
pode designar contra a vontade do credor uma dívida que ainda não esteja
vencida, se o prazo tiver sido estabelecido em benefício do credor; e também
não lhe é lícito designar contra a vontade do credor uma dívida de montante
superior ao da prestação efectuada, desde que o credor tenha o direito de
recusar a prestação parcial.
ARTIGO 784º
(Regras supletivas)
1. Se o devedor não fizer a
designação, deve o cumprimento imputar-se na dívida vencida; entre várias
dívidas vencidas, na que oferece menor garantia para o credor; entre várias
dívidas igualmente garantidas, na mais onerosa para o devedor; entre várias
dívidas igualmente onerosas, na que primeiro se tenha vencido; se várias se
tiverem vencido simultaneamente, na mais antiga em data.
2. Não sendo possível
aplicar as regras fixadas no número precedente, a prestação presumir-se-á feita
por conta de todas as dívidas, rateadamente, mesmo com prejuízo, neste caso, do
disposto no artigo 763º.
ARTIGO 785º
(Dívidas de juros,
despesas e indemnização)
1. Quando, além do capital,
o devedor estiver obrigado a pagar despesas ou juros, ou a indemnizar o credor
em consequência da mora, a prestação que não chegue para cobrir tudo o que é
devido presume-se feita por conta, sucessivamente, das despesas, da
indemnização, dos juros e do capital.
2. A imputação no capital
só pode fazer-se em último lugar, salvo se o credor concordar em que se faça
antes.
SUBSECÇÃO VI
Prova do cumprimento
ARTIGO 786º
(Presunções de
cumprimento)
1. Se o credor der quitação
do capital sem reserva dos juros ou de outras prestações acessórias, presume-se
que estão pagos os juros ou prestações.
2. Sendo devidos juros ou
outras prestações periódicas e dando o credor quitação, sem reserva, de uma
dessas prestações, presumem-se realizadas as prestações anteriores.
3. A entrega voluntária, feita
pelo credor ao devedor, do título original do crédito faz presumir a liberação
do devedor e dos seus condevedores, solidários ou conjuntos, bem como do fiador
e do devedor principal, se o título é entregue a algum destes.
ARTIGO 787º
(Direito à quitação)
1. Quem cumpre a obrigação
tem o direito de exigir quitação daquele a quem a prestação é feita, devendo a
quitação constar de documento autêntico ou autenticado ou ser provida de
reconhecimento notarial, se aquele que cumpriu tiver nisso interesse legítimo.
2. O autor do cumprimento
pode recusar a prestação enquanto a quitação não for dada, assim como pode
exigir a quitação depois do cumprimento.
SUBSECÇÃO VII
Direito à restituição do
título ou à menção do cumprimento
ARTIGO 788º
(Restituição do título. Menção
do cumprimento)
1. Extinta a dívida, tem o
devedor o direito de exigir a restituição do título da obrigação; se o
cumprimento for parcial, ou o título conferir outros direitos ao credor, ou
este tiver, por outro motivo, interesse legítimo na conservação dele, pode o
devedor exigir que o credor mencione no título o cumprimento efectuado.
2. Goza dos mesmos direitos
o terceiro que cumprir a obrigação, se ficar sub-rogado nos direitos do credor.
3. É aplicável à
restituição do título e à menção do cumprimento o disposto no nº 2 do artigo
anterior.
ARTIGO 789º
(Impossibilidade de
restituição ou de menção)
Se o credor invocar a
impossibilidade, por qualquer causa, de restituir o título ou de nele mencionar
o cumprimento, pode o devedor exigir quitação passada em documento autêntico ou
autenticado ou com reconhecimento notarial, correndo o encargo por conta do
credor.
SECÇÃO II
Não cumprimento
SUBSECÇÃO I
Impossibilidade do
cumprimento e mora não imputáveis ao devedor
ARTIGO 790º
(Impossibilidade
objectiva)
1. A obrigação extingue-se
quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor.
2. Quando o negócio do qual
a obrigação procede houver sido feito sob condição ou a termo, e a prestação
for possível na data da conclusão do negócio, mas se tornar impossível antes da
verificação da condição ou do vencimento do termo, é a imposibilidade
considerada superveniente e não afecta a validade do negócio.
ARTIGO 791º
(Impossibilidade
subjectiva)
A impossibilidade relativa
à pessoa do devedor importa igualmente a extinção da obrigação, se o devedor,
no cumprimento desta, não puder fazer-se substituir por terceiro.
ARTIGO 792º
(Impossibilidade
temporária)
1. Se a impossibilidade for
temporária, o devedor não responde pela mora no cumprimento.
2. A impossibilidade só se
considera temporária enquanto, atenta a finalidade da obrigação, se mantiver o
interesse do credor.
ARTIGO 793º
(Impossibilidade
parcial)
1. Se a prestação se tornar
parcialmente impossível, o devedor exonera-se mediante a prestação do que for
possível, devendo, neste caso, ser proporcionalmente reduzida a contraprestação
a que a outra parte estiver vinculada.
2. Porém, o credor que não
tiver, justificadamente, interesse no cumprimento parcial da obrigação pode
resolver o negócio.
ARTIGO 794º
(«Commodum» de
representação)
Se, por virtude do facto
que tornou impossível a prestação, o devedor adquirir algum direito sobre certa
coisa, ou contra terceiro, em substituição do objecto da prestação, pode o
credor exigir a prestação dessa coisa, ou substituir-se ao devedor na
titularidade do direito que este tiver adquirido contra terceiro.
ARTIGO 795º
(Contratos bilaterais)
1. Quando no contrato
bilateral uma das prestações se torne impossível, fica o credor desobrigado da
contraprestação e tem o direito, se já a tiver realizado, de exigir a sua
restituição nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa.
2. Se a prestação se tornar
impossível por causa imputável ao credor, não fica este desobrigado da
contraprestação; mas, se o devedor tiver algum benefício com a exoneração, será
o valor do benefício descontado na contraprestação.
ARTIGO 796º
(Risco)
1. Nos contratos que
importem a transferência do domínio sobre certa coisa ou que constituam ou
transfiram um direito real sobre ela, o perecimento ou deterioração da coisa
por causa não imputável ao alienante corre por conta do adquirente.
2. Se, porém, a coisa tiver
continuado em poder do alienante em consequência de termo constituído a seu
favor, o risco só se transfere com o vencimento do termo ou a entrega da coisa,
sem prejuízo do disposto no artigo 807º.
3. Quando o contrato
estiver dependente de condição resolutiva, o risco do perecimento durante a
pendência da condição corre por conta do adquirente, se a coisa lhe tiver sido
entregue; quando for suspensiva a condição, o risco corre por conta do
alienante durante a pendência da condição.
ARTIGO 797º
(Promessa de envio)
Quando se trate de coisa
que, por força da convenção, o alienante deva enviar para local diferente do
lugar do cumprimento, a transferência do risco opera-se com a entrega ao
transportador ou expedidor da coisa ou à pessoa indicada para a execução do
envio.
SUBSECÇÃO II
Falta de cumprimento e
mora imputáveis ao devedor
Divisão I
Princípios gerais
ARTIGO 798º
(Responsabilidade do
devedor)
O devedor que falta
culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que
causa ao credor.
ARTIGO 799º
(Presunção de culpa e
apreciação desta)
1. Incumbe ao devedor
provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não
procede de culpa sua.
2. A culpa é apreciada nos
termos aplicáveis à responsabilidade civil.
ARTIGO 800º
(Actos dos
representantes legais ou auxiliares)
1. O devedor é responsável
perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que
utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados
pelo próprio devedor.
2. A responsabilidade pode
ser convencionalmente excluída ou limitada, mediante acordo prévio dos
interessados, desde que a exclusão ou limitação não compreenda actos que
representem a violação de deveres impostos por normas de ordem pública.
DIVISÃO II
Impossibilidade do
cumprimento
ARTIGO 801º
(Impossibilidade
culposa)
1. Tornando-se impossível a
prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse
culposamente ao cumprimento da obrigação.
2. Tendo a obrigação por
fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à
indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação,
exigir a restituição dela por inteiro.
ARTIGO 802º
(Impossibilidade
parcial)
1. Se a prestação se tornar
parcialmente impossível, o credor tem a faculdade de resolver o negócio ou de
exigir o cumprimento do que for possível, reduzindo neste caso a sua
contraprestação, se for devida; em qualquer dos casos o credor mantém o direito
à indemnização.
2. O credor não pode,
todavia, resolver o negócio, se o não cumprimento parcial, atendendo ao seu
interesse, tiver escassa importância.
ARTIGO 803º
(«Commodum» de
representação)
1. É extensivo ao caso de
impossibilidade imputável ao devedor o que dispõe o artigo 794º.
2. Se o credor fizer valer
o direito conferido no número antecedente, o montante da indemnização a que
tenha direito será reduzido na medida correspondente.
DIVISÃO III
Mora do devedor
ARTIGO 804º
(Princípios gerais)
1. A simples mora constitui
o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor.
2. O devedor considera-se
constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação,
ainda possível, não foi efectuada no tempo devido.
ARTIGO 805º
(Momento da constituição
em mora)
1. O devedor só fica
constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente
interpelado para cumprir.
2. Há, porém, mora do
devedor, independentemente de interpelação:
a) Se a obrigação tiver
prazo certo;
b) Se a obrigação provier
de facto ilícito;
c) Se o próprio devedor
impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que
normalmente o teria sido.
3. Se o crédito for
ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de
liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por
facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a
menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número.
(Redacção do Dec.-Lei
262/83, de 16-06)
ARTIGO 806º
(Obrigações pecuniárias)
1. Na obrigação pecuniária
a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.
2. Os juros devidos são os
juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as
partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal.
3. Pode, no entanto, o
credor provar que a mora lhe causou dano superior aos juros referidos no número
anterior e exigir a indemnização suplementar correspondente, quando se trate de
responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco.
(Redacção do Dec.-Lei
262/83, de 16-06)
ARTIGO 807º
(Risco)
1. Pelo facto de estar em
mora, o devedor torna-se responsável pelo prejuízo que o credor tiver em
consequência da perda ou deterioração daquilo que deveria entregar, mesmo que
estes factos lhe não sejam imputáveis.
2. Fica, porém, salva ao
devedor a possibilidade de provar que o credor teria sofrido igualmente os
danos se a obrigação tivesse sido cumprida em tempo.
ARTIGO 808º
(Perda do interesse do
credor ou recusa do cumprimento)
1. Se o credor, em
consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não
for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor,
considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação.
2. A perda do interesse na
prestação é apreciada objectivamente.
DIVISÃO IV
Fixação contratual dos
direitos do credor
ARTIGO 809º
(Renúncia do credor aos
seus direitos)
É nula a cláusula pela qual
o credor renuncia antecipadamente a qualquer dos direitos que lhe são
facultados nas divisões anteriores nos casos de não cumprimento ou mora do
devedor, salvo o disposto no nº 2 do artigo 800º.
ARTIGO 810º
(Cláusula penal)
1. As partes podem, porém,
fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula
penal.
2. A cláusula penal está
sujeita às formalidades exigidas para a obrigação principal, e é nula se for
nula esta obrigação.
ARTIGO 811º
(Funcionamento da
cláusula penal)
1. O credor não pode exigir
cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento coercivo da obrigação
principal e o pagamento da cláusula penal, salvo se esta tiver sido
estabelecida para o atraso da prestação; é nula qualquer estipulação em
contrário.
2. O estabelecimento da
cláusula penal obsta a que o credor exija indemnização pelo dano excedente,
salvo se outra for a convenção das partes.
3. O credor não pode em
caso algum exigir uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do
incumprimento da obrigação principal.
(Redacção do Dec.-Lei
262/83, de 16-6)
ARTIGO 812º
(Redução equitativa da
cláusula penal)
1. A cláusula penal pode
ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente
excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em
contrário.
2. É admitida a redução nas
mesmas circunstâncias, se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida.
(Redacção do Dec.-Lei
262/83, de 16-6)
SUBSECÇÃO III
Mora do credor
ARTIGO 813º
(Requisitos)
O credor incorre em mora
quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos
termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação.
ARTIGO 814º
(Responsabilidade do
devedor)
1. A partir da mora, o
devedor apenas responde, quanto ao objecto da prestação, pelo seu dolo;
relativamente aos proventos da coisa, só responde pelos que hajam sido
percebidos.
2. Durante a mora, a dívida
deixa de vencer juros, quer legais, quer convencionados.
ARTIGO 815º
(Risco)
1. A mora faz recair sobre
o credor o risco da impossibilidade superveniente da prestação, que resulte de
facto não imputável a dolo do devedor.
2. Sendo o contrato
bilateral, o credor que, estando em mora, perca total ou parcialmente o seu
crédito por impossibilidade superveniente da prestação não fica exonerado da
contraprestação; mas, se o devedor tiver algum benefício com a extinção da sua
obrigação, deve o valor do benefício ser descontado na contraprestação.
ARTIGO 816º
(Indemnização)
O credor em mora
indemnizará o devedor das maiores despesas que este seja obrigado a fazer com o
oferecimento infrutífero da prestação e a guarda e conservação do respectivo
objecto.
SECÇÃO III
Realização coactiva da
prestação
SUBSECÇÃO I
Acção de cumprimento e
execução
ARTIGO 817º
(Princípio geral)
Não sendo a obrigação
voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu
cumprimento e de executar o património do devedor, nos termos declarados neste
código e nas leis de processo.
ARTIGO 818º
(Execução de bens de
terceiro)
O direito de execução pode
incidir sobre bens de terceiro, quando estejam vinculados à garantia do
crédito, ou quando sejam objecto de acto praticado em prejuízo do credor, que
este haja procedentemente impugnado.
ARTIGO 819º
(Disposição ou oneração
dos bens penhorados)
Sem prejuízo das regras do
registo, são ineficazes em relação ao exequente os actos de disposição ou
oneração dos bens penhorados.
ARTIGO 820º
(Penhora de créditos)
Sendo penhorado algum
crédito do devedor, a extinção dele por causa dependente da vontade do
executado ou do seu devedor, verificada depois da penhora, é igualmente
ineficaz em relação ao exequente.
ARTIGO 821º
(Liberação ou cessão de
rendas ou alugueres não vencidos)
A liberação ou cessão,
antes da penhora, de rendas e alugueres não vencidos é inoponível ao exequente,
na medida em que tais rendas ou alugueres respeitem a períodos de tempo não
decorridos à data da penhora.
ARTIGO 822º
(Preferência resultante
da penhora)
1. Salvo nos casos especialmente
previstos na lei, o exequente adquire pela penhora o direito de ser pago com
preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior.
2. Tendo os bens do
executado sido previamente arrestados, a anterioridade da penhora reporta-se à data
do arresto.
ARTIGO 823º
(Perda, expropriação ou
deterioração da coisa penhorada)
Se a coisa penhorada se
perder, for expropriada ou sofrer diminuição de valor, e, em qualquer dos
casos, houver lugar a indemnização de terceiro, o exequente conserva sobre os
créditos respectivos, ou sobre as quantias pagas a título de indemnização, o
direito que tinha sobre a coisa.
ARTIGO 824º
(Venda em execução)
1. A venda em execução
transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida.
2. Os bens são transmitidos
livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos
reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou
garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos
em relação a terceiros independentemente de registo.
3. Os direitos de terceiro
que caducarem nos termos do número anterior transferem-se para o produto da
venda dos respectivos bens.
ARTIGO 825º
(Garantia no caso de
execução de coisa alheia)
1. O adquirente, no caso de
execução de coisa alheia, pode exigir que o preço lhe seja restituído por
aqueles a quem foi atribuído e que os danos sejam reparados pelos credores e
pelo executado que hajam procedido com culpa; é aplicável à restituição do
preço o disposto no artigo 894º.
2. Se o terceiro tiver
protestado pelo seu direito no acto da venda, ou anteriormente a ela, e o
adquirente conhecer o protesto, não lhe é lícito pedir a reparação dos danos,
salvo se os credores ou o devedor se tiverem responsabilizado pela indemnização.
3. Em lugar de exigir dos
credores a restituição do preço, o adquirente pode exercer contra o devedor,
por sub-rogação, os direitos desses credores.
ARTIGO 826º
(Adjudicação e remição)
As disposições dos artigos
antecedentes relativos à venda são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à
adjudicação e à remição.
SUBSECÇÃO II
Execução específica
ARTIGO 827º
(Entrega de coisa
determinada)
Se a prestação consistir na
entrega de coisa determinada, o credor tem a faculdade de requerer, em execução,
que a entrega lhe seja feita judicialmente.
ARTIGO 828º
(Prestação de facto
fungível)
O credor de prestação de
facto fungível tem a faculdade de requerer, em execução, que o facto seja
prestado por outrem à custa do devedor.
ARTIGO 829º
(Prestação de facto
negativo)
1. Se o devedor estiver
obrigado a não praticar algum acto e vier a praticá-lo, tem o credor o direito
de exigir que a obra, se obra feita houver, seja demolida à custa do que se
obrigou a não a fazer.
2. Cessa o direito
conferido no número anterior, havendo apenas lugar à indemnização, nos termos
gerais, se o prejuízo da demolição para o devedor for consideravelmente
superior ao prejuízo sofrido pelo credor.
ARTIGO 829º-A
(Sanção pecuniária
compulsória)
1. Nas obrigações de
prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem
especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a
requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia
pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção,
conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.
2. A sanção pecuniária
compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de
razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.
3. O montante da sanção
pecuniária compulsória destina-se, em parte iguais, ao credor e ao Estado.
4. Quando for estipulado ou
judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são
automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença
de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se
estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.
(Aditado pelo Dec.-Lei
262/83, de 16-6)
ARTIGO 830º
(Contrato-promessa)
1. Se alguém se tiver
obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra
parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os
efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a
natureza da obrigação assumida.
2. Entende-se haver
convenção em contrário, se existir sinal ou tiver sido fixada uma pena para o
caso de não cumprimento da promessa.
3. O direito à execução
específica não pode ser afastado pelas partes nas promessas a que se refere o
nº 3 do artigo 410º; a requerimento do faltoso, porém, a sentença que produza
os efeitos da sua declaração negocial pode ordenar a modificação do contrato
nos termos do artigo 437º, ainda que a alteração das circunstâncias seja
posterior à mora.
4. Tratando-se de promessa
relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de
direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, em que caiba ao
adquirente, nos termos do artigo 721º, a faculdade de expurgar hipoteca a que o
mesmo se encontre sujeito, pode aquele, caso a extinção de tal garantia não
preceda a mencionada transmissão ou constituição, ou não coincida com esta,
requerer, para efeito da expurgação, que a sentença referida no nº 1 condene
também o promitente faltoso a entregar-lhe o montante do débito garantido, ou o
valor nele correspondente à fracção do edifício ou do direito objecto do
contrato e dos juros respectivos, vencidos e vincendos, até pagamento integral.
5. No caso de contrato em
que ao obrigado seja lícito invocar a excepção de não cumprimento, a acção
improcede, se o requerente não consignar em depósito a sua prestação no prazo
que lhe for fixado pelo tribunal.
(Redacção do Dec.-Lei
379/86, de 11-11)
SECÇÃO IV
Cessão de bens aos
credores
ARTIGO 831º
(Noção)
Dá-se a cessão de bens aos
credores quando estes, ou alguns deles, são encarregados pelo devedor de
liquidar o património deste, ou parte dele, e repartir entre si o respectivo
produto, para satisfação dos seus créditos.
ARTIGO 832º
(Forma)
1. A cessão deve ser feita
por escrito e está, além disso, sujeita à forma exigida para a validade da
transmissão dos bens nela compreendidos.
2. A cessão deve ser
registada sempre que abranja bens sujeitos a registo.
ARTIGO 833º
(Execução dos bens
cedidos)
A cessão não impede que os
bens cedidos sejam executados pelos credores que dela não participam, enquanto
não tiverem sido alienados; não gozam de igual direito os cessionários nem os
credores posteriores à cessão.
ARTIGO 834º
(Poderes dos
cessionários e do devedor)
1. Enquanto a cessão se
mantiver, os poderes de administração e disposição dos respectivos bens
pertencem exclusivamente aos cessionários.
2. O devedor conserva,
porém, o direito de fiscalizar a gestão dos credores, e tem o direito à
prestação de contas no fim da liquidação ou, se a cessão se prolongar por mais
de um ano, no termo de cada ano.
ARTIGO 835º
(Exoneração do devedor)
O devedor só fica liberado
em face dos credores a partir do recebimento da parte que a estes compete no
produto da liquidação, e na medida do que receberam.
ARTIGO 836º
(Desistência da cessão)
1. É permitido ao devedor
desistir a todo o tempo da cessão, cumprindo as obrigações a que está adstrito
para com os cessionários.
2. A desistência não tem
efeito retroactivo.
CAPÍTULO VIII
Causas de extinção das
obrigações além do cumprimento
SECÇÃO I
Dação em cumprimento
ARTIGO 837º
(Quando é admitida)
A prestação de coisa
diversa da que for devida, embora de valor superior, só exonera o devedor se o
credor der o seu assentimento.
ARTIGO 838º
(Vícios da coisa ou do
direito)
O credor a quem for feita a
dação em cumprimento goza de garantia pelos vícios da coisa ou do direito
transmitido, nos termos prescritos para a compra e venda; mas pode optar pela
prestação primitiva e reparação dos danos sofridos.
ARTIGO 839º
(Nulidade ou anulabilidade
da dação)
Sendo a dação declarada
nula ou anulada por causa imputável ao credor, não renascem as garantias
prestadas por terceiro, excepto se este conhecia o vício na data em que teve
notícia da dação.
ARTIGO 840º
(Dação «pro solvendo»)
1. Se o devedor efectuar
uma prestação diferente da devida, para que o credor obtenha mais facilmente,
pela realização do valor dela, a satisfação do seu crédito, este só se extingue
quando for satisfeito, e na medida respectiva.
2. Se a dação tiver por
objecto a cessão de um crédito ou a assunção de uma dívida, presume-se feita
nos termos do número anterior.
SECÇÃO II
Consignação em depósito
ARTIGO 841º
(Quando tem lugar)
1. O devedor pode livrar-se
da obrigação mediante o depósito da coisa devida, nos casos seguintes:
a) Quando, sem culpa sua,
não puder efectuar a prestação ou não puder fazê-lo com segurança, por qualquer
motivo relativo à pessoa do credor;
b) Quando o credor estiver
em mora.
2. A consignação em
depósito é facultativa.
ARTIGO 842º
(Consignação por terceiro)
A consignação em depósito
pode ser efectuada a requerimento de terceiro a quem seja lícito efectuar a
prestação.
ARTIGO 843º
(Dependência de outra
prestação)
Se o devedor tiver a
faculdade de não cumprir senão contra uma prestação do credor, é-lhe lícito
exigir que a coisa consignada não seja entregue ao credor enquanto este não
efectuar aquela prestação.
ARTIGO 844º
(Entrega da coisa
consignada)
Feita a consignação, fica o
consignatário obrigado a entregar ao credor a coisa consignada, e o credor com
o direito de exigir a sua entrega.
ARTIGO 845º
(Revogação da
consignação)
1. O devedor pode revogar a
consignação, mediante declaração feita no processo, e pedir a restituição da
coisa consignada.
2. Extingue-se o direito de
revogação, se o credor, por declaração feita no processo, aceitar a
consignação, ou se esta for considerada válida por sentença passada em julgado.
ARTIGO 846º
(Extinção da obrigação)
A consignação aceita pelo
credor ou declarada válida por decisão judicial libera o devedor, como se ele
tivesse feito a prestação ao credor na data do depósito.
SECÇÃO III
Compensação
ARTIGO 847º
(Requisitos)
1. Quando duas pessoas
sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua
obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os
seguintes requisitos:
a) Ser o seu crédito
exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou
dilatória, de direito material;
b) Terem as duas obrigações
por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.
2. Se as duas dívidas não
forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente.
3. A iliquidez da dívida
não impede a compensação.
ARTIGO 848º
(Como se torna efectiva)
1. A compensação torna-se
efectiva mediante declaração de uma das partes à outra.
2. A declaração é ineficaz,
se for feita sob condição ou a termo.
ARTIGO 849º
(Prazo gratuito)
O credor que concedeu
gratuitamente um prazo ao devedor está impedido de compensar a sua dívida antes
do vencimento do prazo.
ARTIGO 850º
(Créditos prescritos)
O crédito prescrito não
impede a compensação, se a prescrição não podia ser invocada na data em que os
dois créditos se tornaram compensáveis.
ARTIGO 851º
(Reciprocidade dos
créditos)
1. A compensação apenas
pode abranger a dívida do declarante, e não a de terceiro, ainda que aquele
possa efectuar a prestação deste, salvo se o declarante estiver em risco de
perder o que é seu em consequência de execução por dívida de terceiro.
2. O declarante só pode
utilizar para a compensação créditos que sejam seus, e não créditos alheios,
ainda que o titular respectivo dê o seu consentimento; e só procedem para o
efeito créditos seus contra o seu credor.
ARTIGO 852º
(Diversidade de lugares
do cumprimento)
1. Pelo simples facto de
deverem ser cumpridas em lugares diferentes, as duas obrigações não deixam de
ser compensáveis, salvo estipulação em contrário.
2. O declarante é, todavia,
obrigado a reparar os danos sofridos pela outra parte, em consequência de esta
não receber o seu crédito ou não cumprir a sua obrigação no lugar determinado.
ARTIGO 853º
(Exclusão da
compensação)
1. Não podem extinguir-se
por compensação:
a) Os créditos provenientes
de factos ilícitos dolosos;
b) Os créditos
impenhoráveis, excepto se ambos forem da mesma natureza;
c) Os créditos do Estado ou
de outras pessoas colectivas públicas, excepto quando a lei o autorize.
2. Também não é admitida a
compensação, se houver prejuízo de direitos de terceiro, constituídos antes de
os créditos se tornarem compensáveis, ou se o devedor a ela tiver renunciado.
ARTIGO 854º
(Retroactividade)
Feita a declaração de
compensação, os créditos consideram-se extintos desde o momento em que se
tornaram compensáveis.
ARTIGO 855º
(Pluralidade de
créditos)
1. Se existirem, de uma ou
outra parte, vários créditos compensáveis, a escolha dos que ficam extintos
pertence ao declarante.
2. Na falta de escolha, é
aplicável o disposto nos artigos 784º e 785º.
ARTIGO 856º
(Nulidade ou
anulabilidade da compensação)
Declarada nula ou anulada a
compensação, subsistem as obrigações respectivas; mas, sendo a nulidade ou
anulação imputável a alguma das partes, não renascem as garantias que em seu
benefício foram prestadas por terceiro, salvo se este conhecia o vício quando
foi feita a declaração de compensação.
SECÇÃO IV
Novação
ARTIGO 857º
(Novação objectiva)
Dá-se a novação objectiva
quando o devedor contrai perante o credor uma nova obrigação em substituição da
antiga.
ARTIGO 858º
(Novação subjectiva)
A novação por substituição
do credor dá-se quando um novo credor é substituído ao antigo, vinculando-se o
devedor para com ele por uma nova obrigação; e a novação por substituição do
devedor, quando um novo devedor, contraindo nova obrigação, é substituído ao
antigo, que é exonerado pelo credor.
ARTIGO 859º
(Declaração negocial)
A vontade de contrair a
nova obrigação em substituição da antiga deve ser expressamente manifestada.
ARTIGO 860º
(Ineficácia da novação)
1. Se a primeira obrigação
estava extinta ao tempo em que a segunda foi contraída, ou vier a ser declarada
nula ou anulada, fica a novação sem efeito.
2. Se for declarada nula ou
anulada a nova obrigação, subsiste a obrigação primitiva; mas, sendo a nulidade
ou anulação imputável ao credor, não renascem as garantias prestadas por
terceiro, salvo se este, na data em que teve notícia da novação, conhecia o
vício da nova obrigação.
ARTIGO 861º
(Garantias)
1. Extinta a obrigação
antiga pela novação, ficam igualmente extintas, na falta de reserva expressa,
as garantias que asseguravam o seu cumprimento, mesmo quando resultantes da
lei.
2. Dizendo a garantia
respeito a terceiro, é necessária também a reserva expressa deste.
ARTIGO 862º
(Meios de defesa)
O novo crédito não está
sujeito aos meios de defesa oponíveis à obrigação antiga, salvo estipulação em
contrário.
SECÇÃO V
Remissão
ARTIGO 863º
(Natureza contratual da
remissão)
1. O credor pode remitir a
dívida por contrato com o devedor.
2. Quando tiver o carácter
de liberalidade, a remissão por negócio entre vivos é havida como doação, na
conformidade dos artigos 940º e seguintes.
ARTIGO 864º
(Obrigações solidárias)
1. A remissão concedida a
um devedor solidário libera os outros somente na parte do devedor exonerado.
2. Se o credor, neste caso,
reservar o seu direito, por inteiro, contra os outros devedores, conservam estes,
por inteiro também, o direito de regresso contra o devedor exonerado.
3. A remissão concedida por
um dos credores solidários exonera o devedor para com os restantes credores,
mas somente na parte que respeita ao credor remitente.
ARTIGO 865º
(Obrigações
indivisíveis)
1. À remissão concedida
pelo credor de obrigação indivisível a um dos devedores é aplicável o disposto
no artigo 536º.
2. Sendo a remissão
concedida por um dos credores ao devedor, este não fica exonerado para com os
outros credores; mas estes não podem exigir do devedor a prestação senão
entregando-lhe o valor da parte daquele concredor.
ARTIGO 866º
(Eficácia em relação a
terceiros)
1. A remissão concedida ao
devedor aproveita a terceiros.
2. A remissão concedida a
um dos fiadores aproveita aos outros na parte do fiador exonerado; mas, se os
outros consentirem na remissão, respondem pela totalidade da dívida, salvo
declaração em contrário.
3. Se for declarada nula ou
anulada a remissão por facto imputável ao credor, não renascem as garantias
prestadas por terceiro, excepto se este conhecia o vício na data em que teve
notícia da remissão.
ARTIGO 867º
(Renúncia às garantias)
A renúncia às garantias da
obrigação não faz presumir a remissão da dívida.
SECÇÃO VI
Confusão
ARTIGO 868º
(Noção)
Quando na mesma pessoa se
reúnam as qualidades de credor e devedor da mesma obrigação, extinguem-se o
crédito e a dívida.
ARTIGO 869º
(Obrigações solidárias)
1. A reunião na mesma
pessoa das qualidades de devedor solidário e credor exonera os demais
obrigados, mas só na parte da dívida relativa a esse devedor.
2. A reunião na mesma
pessoa das qualidades de credor solidário e devedor exonera este na parte
daquele.
ARTIGO 870º
(Obrigações
indivisíveis)
1. Se na obrigação
indivisível em que há vários devedores se reunirem as qualidades de credor e
devedor, é aplicável o disposto no artigo 536º.
2. Sendo vários os credores
e verificando-se a confusão entre um deles e o devedor, é aplicável o disposto
no nº 2 do artigo 865º.
ARTIGO 871º
(Eficácia em relação a
terceiros)
1. A confusão não prejudica
os direitos de terceiro.
2. Se houver, a favor de
terceiro, direitos de usufruto ou de penhor sobre o crédito, este subsiste, não
obstante a confusão, na medida em que o exija o interesse do usufrutuário ou do
credor pignoratício.
3. Se na mesma pessoa se
reunirem as qualidades de devedor e fiador, fica extinta a fiança, excepto se o
credor tiver legítimo interesse na subsistência da garantia.
4. A reunião na mesma
pessoa das qualidades de credor e de proprietário da coisa hipotecada ou
empenhada não impede que a hipoteca ou o penhor se mantenha, se o credor nisso
tiver interesse e na medida em que esse interesse se justifique.
ARTIGO 872º
(Patrimónios separados)
Não há confusão, se o
crédito e a dívida pertencem a patrimónios separados.
ARTIGO 873º
(Cessação da confusão)
1. Se a confusão se
desfizer, renasce a obrigação com os seus acessórios, mesmo em relação a
terceiro, quando o facto que a destrói seja anterior à própria confusão.
2. Quando a cessação da
confusão for imputável ao credor, não renascem as garantias prestadas por
terceiro, salvo se este conhecia o vício na data em que teve notícia da
confusão.
TÍTULO II
DOS CONTRATOS EM
ESPECIAL
CAPÍTULO I
Compra e venda
SECÇÃO I
Disposições gerais
ARTIGO 874º
(Noção)
Compra e venda é o contrato
pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante
um preço.
ARTIGO 875º
(Forma)
O contrato de compra e
venda de bens imóveis só é válido se for celebrado por escritura pública.
ARTIGO 876º
(Venda de coisa ou direito
litigioso)
1. Não podem ser
compradores de coisa ou direito litigioso, quer directamente, quer por
interposta pessoa, aqueles a quem a lei não permite que seja feita a cessão de
créditos ou direitos litigiosos, conforme se dispõe no capítulo respectivo.
2. A venda feita com quebra
do disposto no número anterior, além de nula, sujeita o comprador, nos termos
gerais, à obrigação de reparar os danos causados.
3. A nulidade não pode ser
invocada pelo comprador.
ARTIGO 877º
(Venda a filhos ou
netos)
1. Os pais e avós não podem
vender a filhos ou netos, se os outros filhos ou netos não consentirem na
venda; o consentimento dos descendentes, quando não possa ser prestado ou seja
recusado, é susceptível de suprimento judicial.
2. A venda feita com quebra
do que preceitua o número anterior é anulável; a anulação pode ser pedida pelos
filhos ou netos que não deram o seu consentimento, dentro do prazo de um ano a
contar do conhecimento da celebração do contrato, ou do termo da incapacidade,
se forem incapazes.
3. A proibição não abrange
a dação em cumprimento feita pelo ascendente.
ARTIGO 878º
(Despesas do contrato)
Na falta de convenção em
contrário, as despesas do contrato e outras acessórias ficam a cargo do
comprador.
SECÇÃO II
Efeitos da compra e
venda
ARTIGO 879º
(Efeitos essenciais)
A compra e venda tem como
efeitos essenciais:
a) A transmissão da
propriedade da coisa ou da titularidade do direito;
b) A obrigação de entregar
a coisa;
c) A obrigação de pagar o
preço.
ARTIGO 880º
(Bens futuros, frutos
pendentes e partes componentes ou integrantes)
1. Na venda de bens
futuros, de frutos pendentes ou de partes componentes ou integrantes de uma
coisa, o vendedor fica obrigado a exercer as diligências necessárias para que o
comprador adquira os bens vendidos, segundo o que for estipulado ou resultar
das circunstâncias do contrato.
2. Se as partes atribuírem
ao contrato carácter aleatório, é devido o preço, ainda que a transmissão dos
bens não chegue a verificar-se.
ARTIGO 881º
(Bens de existência ou
titularidade incerta)
Quando se vendam bens de
existência ou titularidade incerta e no contrato se faça menção dessa
incerteza, é devido o preço, ainda que os bens não existam ou não pertençam ao
vendedor, excepto se as partes recusarem ao contrato natureza aleatória.
ARTIGO 882º
(Entrega da coisa)
1. A coisa deve ser
entregue no estado em que se encontrava ao tempo da venda.
2. A obrigação de entrega
abrange, salvo estipulação em contrário, as partes integrantes, os frutos
pendentes e os documentos relativos à coisa ou direito.
3. Se os documentos
contiverem outras matérias de interesse do vendedor, é este obrigado a entregar
pública-forma da parte respeitante à coisa ou direito que foi objecto da venda,
ou fotocópia de igual valor.
ARTIGO 883º
(Determinação do preço)
1. Se o preço não estiver
fixado por entidade pública, e as partes o não determinarem nem convencionarem
o modo de ele ser determinado, vale como preço contratual o que o vendedor
normalmente praticar à data da conclusão do contrato ou, na falta dele, o do mercado
ou bolsa no momento do contrato e no lugar em que o comprador deva cumprir; na
insuficiência destas regras, o preço é determinado pelo tribunal, segundo
juízos de equidade.
2. Quando as partes se
tenham reportado ao justo preço, é aplicável o disposto no número anterior.
ARTIGO 884º
(Redução do preço)
1. Se a venda ficar
limitada a parte do seu objecto, nos termos do artigo 292º ou por força de
outros preceitos legais, o preço respeitante à parte válida do contrato é o que
neste figurar, se houver sido discriminado como parcela do preço global.
2. Na falta de
discriminação, a redução é feita por meio de avaliação.
ARTIGO 885º
(Tempo e lugar do
pagamento do preço)
1. O preço deve ser pago no
momento e no lugar da entrega da coisa vendida.
2. Mas, se por estipulação
das partes ou por força dos usos o preço não tiver de ser pago no momento da
entrega, o pagamento será efectuado no lugar do domicílio que o credor tiver ao
tempo do cumprimento.
ARTIGO 886º
(Falta de pagamento do
preço)
Transmitida a propriedade
da coisa, ou o direito sobre ela, e feita a sua entrega, o vendedor não pode,
salvo convenção em contrário, resolver o contrato por falta de pagamento do
preço.
SECÇÃO III
Venda de coisas sujeitas
a contagem, pesagem ou medição
ARTIGO 887º
(Coisas determinadas.
Preço fixado por unidade)
Na venda de coisas
determinadas, com preço fixado à razão de tanto por unidade, é devido o preço
proporcional ao número, peso ou medida real das coisas vendidas, sem embargo de
no contrato se declarar quantidade diferente.
ARTIGO 888º
(Coisas determinadas.
Preço não fixado por unidade)
1. Se na venda de coisas
determinadas o preço não for estabelecido à razão de tanto por unidade, o
comprador deve o preço declarado, mesmo que no contrato se indique o número,
peso ou medida das coisas vendidas e a indicação não corresponda à realidade.
2. Se, porém, a quantidade
efectiva diferir da declarada em mais de um vigésimo desta, o preço sofrerá
redução ou aumento proporcional.
ARTIGO 889º
(Compensação entre
faltas e excessos)
Quando se venda por um só
preço uma pluralidade de coisas determinadas e homogéneas, com indicação do
peso ou medida de cada uma delas, e se declare quantidade inferior à real
quanto a alguma ou algumas e superior quanto a outra ou outras, far-se-á
compensação entre as faltas e os excessos até ao limite da sua concorrência.
ARTIGO 890º
(Caducidade do direito à
diferença de preço)
1. O direito ao recebimento
da diferença de preço caduca dentro de seis meses ou um ano após a entrega da
coisa, consoante esta for móvel ou imóvel; mas, se a diferença só se tornar
exigível em momento posterior à entrega, o prazo contar-se-á a partir desse
momento.
2. Na venda de coisas que
hajam de ser transportadas de um lugar para outro, o prazo reportado à data da
entrega só começa a correr no dia em que o comprador as receber.
ARTIGO 891º
(Resolução do contrato)
1. Se o preço devido por
aplicação do artigo 887º ou do nº 2 do artigo 888º exceder o proporcional à
quantidade declarada em mais de um vigésimo deste, e o vendedor exigir esse
excesso, o comprador tem o direito de resolver o contrato, salvo se houver
procedido com dolo.
2. O direito à resolução
caduca no prazo de três meses, a contar da data em que o vendedor fizer por
escrito a exigência do excesso.
SECÇÃO IV
Venda de bens alheios
ARTIGO 892º
(Nulidade da venda)
É nula a venda de bens
alheios sempre que o vendedor careça de legitimidade para a realizar; mas o
vendedor não pode opor a nulidade ao comprador de boa fé, como não pode opô-la
ao vendedor de boa fé o comprador doloso.
ARTIGO 893º
(Bens alheios como bens
futuros)
A venda de bens alheios
fica, porém, sujeita ao regime da venda de bens futuros, se as partes os
considerarem nesta qualidade.
ARTIGO 894º
(Restituição do preço)
1. Sendo nula a venda de
bens alheios, o comprador que tiver procedido de boa fé tem o direito de exigir
a restituição integral do preço, ainda que os bens se hajam perdido, estejam
deteriorados ou tenham diminuído de valor por qualquer outra causa.
2. Mas, se o comprador
houver tirado proveito da perda ou diminuição de valor dos bens, será o
proveito abatido no montante do preço e da indemnização que o vendedor tenha de
pagar-lhe.
ARTIGO 895º
(Convalidação do
contrato)
Logo que o vendedor adquira
por algum modo a propriedade da coisa ou o direito vendido, o contrato torna-se
válido e a dita propriedade ou direito transfere-se para o comprador.
ARTIGO 896º
(Casos em que o contrato
se não convalida)
1. O contrato não adquire,
porém, validade, se entretanto ocorrer algum dos seguintes factos:
a) Pedido judicial de
declaração de nulidade do contrato, formulado por um dos contraentes contra o
outro;
b) Restituição do preço ou
pagamento da indemnização, no todo ou em parte, com aceitação do credor;
c) Transacção entre os
contraentes, na qual se reconheça a nulidade do contrato;
d) Declaração escrita,
feita por um dos estipulantes ao outro, de que não quer que o contrato deixe de
ser declarado nulo.
2. As disposições das
alíneas a) e d) do número precedente não prejudicam o disposto na segunda parte
do artigo 892º.
ARTIGO 897º
(Obrigação de
convalidação)
1. Em caso de boa fé do
comprador, o vendedor é obrigado a sanar a nulidade da venda, adquirindo a
propriedade da coisa ou o direito vendido.
2. Quando exista uma tal
obrigação, o comprador pode subordinar ao não cumprimento dela, dentro do prazo
que o tribunal fixar, o efeito previsto na alínea a) do nº 1 do artigo
anterior.
ARTIGO 898º
(Indemnização em caso de
dolo)
Se um dos contraentes
houver procedido de boa fé e o outro dolosamente, o primeiro tem direito a ser
indemnizado, nos termos gerais, de todos os prejuízos que não teria sofrido se
o contrato fosse válido desde o começo, ou não houvesse sido celebrado,
conforme venha ou não a ser sanada a nulidade.
ARTIGO 899º
(Indemnização, não
havendo dolo nem culpa)
O vendedor é obrigado a
indemnizar o comprador de boa fé, ainda que tenha agido sem dolo nem culpa;
mas, neste caso, a indemnização compreende apenas os danos emergentes que não
resultem de despesas voluptuárias.
ARTIGO 900º
(Indemnização pela não
convalidação da venda)
1. Se o vendedor for
responsável pelo não cumprimento da obrigação de sanar a nulidade da venda ou
pela mora no seu cumprimento, a respectiva indemnização acresce à regulada nos
artigos anteriores, excepto na parte em que o prejuízo seja comum.
2. Mas, no caso previsto no
artigo 898º, o comprador escolherá entre a indemnização dos lucros cessantes
pela celebração do contrato nulo e a dos lucros cessantes pela falta ou
retardamento da convalidação.
ARTIGO 901º
(Garantia do pagamento
de benfeitorias)
O vendedor é garante
solidário do pagamento das benfeitorias que devam ser reembolsadas pelo dono da
coisa ao comprador de boa fé.
ARTIGO 902º
(Nulidade parcial do
contrato)
Se os bens só parcialmente
forem alheios e o contrato valer na parte restante por aplicação do artigo
292º, observar-se-ão as disposições antecedentes quanto à parte nula e
reduzir-se-á proporcionalmente o preço estipulado.
ARTIGO 903º
(Disposições supletivas)
1. O disposto no artigo
894º, no nº 1 do artigo 897º, no artigo 899º, no nº 1 do artigo 900º e no
artigo 901º cede perante convenção em contrário, excepto se o contraente a quem
a convenção aproveitaria houver agido com dolo, e de boa fé o outro
estipulante.
2. A declaração contratual
de que o vendedor não garante a sua legitimidade ou não responde pela evicção
envolve derrogação de todas as disposições legais a que o número anterior se
refere, com excepção do preceituado no artigo 894º.
3. As cláusulas
derrogadoras das disposições supletivas a que se refere o nº 1 são válidas, sem
embargo da nulidade do contrato de compra e venda onde se encontram insertas,
desde que a nulidade proceda da ilegitimidade do vendedor, nos termos desta
secção.
ARTIGO 904º
(Âmbito desta secção)
As normas da presente
secção apenas se aplicam à venda de coisa alheia como própria.
SECÇÃO V
Venda de bens onerados
ARTIGO 905º
(Anulabilidade por erro
ou dolo)
Se o direito transmitido
estiver sujeito a alguns ónus ou limitações que excedam os limites normais
inerentes aos direitos da mesma categoria, o contrato é anulável por erro ou
dolo, desde que no caso se verifiquem os requisitos legais da anulabilidade.
ARTIGO 906º
(Convalescença do
contrato)
1. Desaparecidos por
qualquer modo os ónus ou limitações a que o direito estava sujeito, fica sanada
a anulabilidade do contrato.
2. A anulabilidade
persiste, porém, se a existência dos ónus ou limitações já houver causado
prejuízo ao comprador, ou se este já tiver pedido em juízo a anulação da compra
e venda.
ARTIGO 907º
(Obrigação de fazer
convalescer o contrato. Cancelamento dos registos)
1. O vendedor é obrigado a
sanar a anulabilidade do contrato, mediante a expurgação dos ónus ou limitações
existentes.
2. O prazo para a
expurgação será fixado pelo tribunal, a requerimento do comprador.
3. O vendedor deve ainda
promover, à sua custa, o cancelamento de qualquer ónus ou limitação que conste
do registo, mas na realidade não exista.
ARTIGO 908º
(Indemnização em caso de
dolo)
Em caso de dolo, o
vendedor, anulado o contrato, deve indemnizar o comprador do prejuízo que este
não sofreria se a compra e venda não tivesse sido celebrada.
ARTIGO 909º
(Indemnização em caso de
simples erro)
Nos casos de anulação
fundada em simples erro, o vendedor também é obrigado a indemnizar o comprador,
ainda que não tenha havido culpa da sua parte, mas a indemnização abrange
apenas os danos emergentes do contrato.
ARTIGO 910º
(Não cumprimento da
obrigação de fazer convalescer o contrato)
1. Se o vendedor se
constituir em responsabilidade por não sanar a anulabilidade do contrato, a correspondente
indemnização acresce à que o comprador tenha direito a receber na conformidade
dos artigos precedentes, salvo na parte em que o prejuízo foi comum.
2. Mas, no caso previsto no
artigo 908º, o comprador escolherá entre a indemnização dos lucros cessantes
pela celebração do contrato que veio a ser anulado e a dos lucros cessantes
pelo facto de não ser sanada a anulabilidade.
ARTIGO 911º
(Redução do preço)
1. Se as circunstâncias
mostrarem que, sem erro ou dolo, o comprador teria igualmente adquirido os
bens, mas por preço inferior, apenas lhe caberá o direito à redução do preço,
em harmonia com a desvalorização resultante dos ónus ou limitações, além da
indemnização que no caso competir.
2. São aplicáveis à redução
do preço os preceitos anteriores, com as necessárias adaptações.
ARTIGO 912º
(Disposições supletivas)
1. O disposto nos nºs 1 e 3
do artigo 907º, no artigo 909º e no nº 1 do artigo 910º cede perante
estipulação das partes em contrário, a não ser que o vendedor tenha procedido
com dolo e as cláusulas contrárias àquelas normas visem a beneficiá-lo.
2. Não obsta à validade das
cláusulas derrogadoras destas disposições supletivas a anulação do contrato de
compra e venda por erro ou dolo, segundo as prescrições desta secção.
SECÇÃO VI
Venda de coisas
defeituosas
ARTIGO 913º
(Remissão)
1. Se a coisa vendida
sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é
destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias
para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o
prescrito na secção precendente, em tudo quanto não seja modificado pelas
disposições dos artigos seguintes.
2. Quando do contrato não
resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal
das coisas da mesma categoria.
ARTIGO 914º
(Reparação ou
substituição da coisa)
O comprador tem o direito
de exigir do vendedor a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver
natureza fungível, a substituição dela; mas esta obrigação não existe, se o
vendedor desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa
padece.
ARTIGO 915º
(Indemnização em caso de
simples erro)
A indemnização prevista no
artigo 909º também não é devida, se o vendedor se encontrava nas condições a
que se refere a parte final do artigo anterior.
ARTIGO 916º
(Denúncia do defeito)
1. O comprador deve
denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa, excepto se este
houver usado de dolo.
2. A denúncia será feita
até trinta dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a
entrega da coisa.
3. Os prazos referidos no
número anterior são, respectivamente, de um e de cinco anos, caso a coisa
vendida seja um imóvel.
(Redacção do Dec.-Lei
267/94, de 25-10)
ARTIGO 917º
(Caducidade da acção)
A acção de anulação por
simples erro caduca, findo qualquer dos prazos fixados no artigo anterior sem o
comprador ter feito a denúncia, ou decorridos sobre esta seis meses, sem
prejuízo, neste último caso, do disposto no nº 2 do artigo 287º.
ARTIGO 918º
(Defeito superveniente)
Se a coisa, depois de
vendida e antes de entregue, se deteriorar, adquirindo vícios ou perdendo
qualidades, ou a venda respeitar a coisa futura ou a coisa indeterminada de
certo género, são aplicáveis as regras relativas ao não cumprimento das obrigações.
ARTIGO 919º
(Venda sobre amostra)
Sendo a venda feita sobre
amostra, entende-se que o vendedor assegura a existência, na coisa vendida, de
qualidades iguais às da amostra, salvo se da convenção ou dos usos resultar que
esta serve somente para indicar de modo aproximado as qualidades do objecto.
ARTIGO 920º
(Venda de animais
defeituosos)
Ficam ressalvadas as leis
especiais ou, na falta destas, os usos sobre a venda de animais defeituosos
ARTIGO 921º
(Garantia de bom
funcionamento)
1. Se o vendedor estiver
obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos, a garantir o bom
funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe repará-la, ou substituí-la quando a
substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível,
independentemente de culpa sua ou de erro do comprador.
2. No silêncio do contrato,
o prazo da garantia expira seis meses após a entrega da coisa, se os usos não
estabelecerem prazo maior.
3. O defeito de
funcionamento deve ser denunciado ao vendedor dentro do prazo da garantia e,
salvo estipulação em contrário, até trinta dias depois de conhecido.
4. A acção caduca logo que
finde o tempo para a denúncia sem o comprador a ter feito, ou passados seis
meses sobre a data em que a denúncia foi efectuada.
ARTIGO 922º
(Coisas que devem ser
transportadas)
Na venda de coisas que
devam ser transportadas de um lugar para outro, os prazos que os artigos 916º e
921º mandam contar a partir da entrega só começam a correr no dia em que o
credor as receber.
SECÇÃO VII
Venda a contento e venda
sujeita a prova
ARTIGO 923º
(Primeira modalidade de
venda a contento)
1. A compra e venda feita
sob reserva de a coisa agradar ao comprador vale como proposta de venda.
2. A proposta considera-se
aceita se, entregue a coisa ao comprador, este não se pronunciar dentro do
prazo da aceitação, nos termos do nº 1 do artigo 228º.
3. A coisa deve ser
facultada ao comprador para exame.
ARTIGO 924º
(Segunda modalidade de
venda a contento)
1. Se as partes estiverem
de acordo sobre a resolução da compra e venda no caso de a coisa não agradar ao
comprador, é aplicável ao contrato o disposto nos artigos 432º e seguintes.
2. A entrega da coisa não
impede a resolução do contrato.
3. O vendedor pode fixar um
prazo razoável para a resolução, se nenhum for estabelecido pelo contrato ou,
no silêncio deste, pelos usos.
ARTIGO 925º
(Venda sujeita a prova)
1. A venda sujeita a prova
considera-se feita sob a condição suspensiva de a coisa ser idónea para o fim a
que é destinada e ter as qualidades asseguradas pelo vendedor, excepto se as
partes a subordinarem a condição resolutiva.
2. A prova deve ser feita
dentro do prazo e segundo a modalidade estabelecida pelo contrato ou pelos
usos; se tanto o contrato como os usos forem omissos, observar-se-ão o prazo
fixado pelo vendedor e a modalidade escolhida pelo comprador, desde que sejam
razoáveis.
3. Não sendo o resultado da
prova comunicado ao vendedor antes de expirar o prazo a que se refere o número
antecedente, a condição tem-se por verificada quando suspensiva, e por não
verificada quando resolutiva.
4. A coisa deve ser
facultada ao comprador para prova.
ARTIGO 926º
(Dúvidas sobre a
modalidade da venda)
Em caso de dúvida sobre a
modalidade de venda que as partes escolheram, de entre as previstas nesta
secção, presume-se terem adoptado a primeira.
SECÇÃO VIII
Venda a retro
ARTIGO 927º
(Noção)
Diz-se a retro a venda em
que se reconhece ao vendedor a faculdade de resolver o contrato.
ARTIGO 928º
(Cláusulas nulas)
1. É nula, sem prejuízo da
validade das outras cláusulas, a estipulação de pagamento de dinheiro ao
comprador ou de qualquer outra vantagem para este, como contrapartida da
resolução.
2. É igualmente nula,
quanto ao excesso, a cláusula que declare o vendedor obrigado a restituir, em
caso de resolução, preço superior ao fixado para a venda.
ARTIGO 929º
(Prazo para a resolução)
1. A resolução pode ser
exercida dentro de dois ou cinco anos a contar da venda, conforme esta for de
bens móveis ou imóveis, salvo estipulação de prazo mais curto.
2. Se as partes
convencionarem prazo ou prorrogação de prazo que exceda o limite de dois ou
cinco anos a partir da venda, a convenção considera-se reduzida a esse preciso
limite.
ARTIGO 930º
(Forma da resolução)
A resolução é feita por
meio de notificação judicial ao comprador dentro dos prazos fixados no artigo
antecedente; se respeitar a coisas imóveis, a resolução será reduzida a
escritura pública nos quinze dias imediatos, com ou sem a intervenção do
comprador, sob pena de caducidade do direito.
ARTIGO 931º
(Reembolso do preço e de
despesas)
No silêncio do contrato, a
resolução fica igualmente sem efeito se, dentro do mesmo prazo de quinze dias,
o vendedor não fizer ao comprador oferta real das importâncias líquidas que
haja de pagar-lhe a título de reembolso do preço e das despesas com o contrato
e outras acessórias.
ARTIGO 932º
(Efeitos em relação a
terceiros)
A cláusula a retro é
oponível a terceiros, desde que a venda tenha por objecto coisas imóveis, ou
coisas móveis sujeitas a registo, e tenha sido registada.
ARTIGO 933º
(Venda de coisa ou
direito comum)
Se for vendida coisa ou
direito comum com a cláusula a retro, só em conjunto os vendedores podem
exercer o direito de resolução.
SECÇÃO IX
Venda a prestações
ARTIGO 934º
(Falta de pagamento de
uma prestação)
Vendida a coisa a
prestações, com reserva de propriedade, e feita a sua entrega ao comprador, a
falta de pagamento de uma só prestação que não exceda a oitava parte do preço
não dá lugar à resolução do contrato, nem sequer, haja ou não reserva de
propriedade, importa a perda do benefício do prazo relativamente às prestações
seguintes, sem embargo de convenção em contrário.
ARTIGO 935º
(Cláusula penal no caso
de o comprador não cumprir)
1. A indemnização
estabelecida em cláusula penal, por o comprador não cumprir, não pode
ultrapassar metade do preço, salva a faculdade de as partes estipularem, nos
termos gerais, a ressarcibilidade de todo o prejuízo sofrido.
2. A indemnização fixada
pelas partes será reduzida a metade do preço, quando tenha sido estipulada em
montante superior, ou quando as prestações pagas superem este valor e se tenha
convencionado a não restituição delas; havendo, porém, prejuízo excedente e não
se tendo estipulado a sua ressarcibilidade, será ressarcido até ao limite da
indemnização convencionada pelas partes .
ARTIGO 936º
(Outros contratos com
finalidade equivalente)
1. O disposto nos dois
artigos anteriores é extensivo a todos os contratos pelos quais se pretenda
obter resultado equivalente ao da venda a prestações.
2. Quando se locar uma
coisa, com a cláusula de que se tornará propriedade do locatário depois de
satisfeitas todas as rendas ou alugueres pactuados, a resolução do contrato por
o locatário o não cumprir tem efeito retroactivo, devendo o locador restituir
as importâncias recebidas, sem possibilidade de convenção em contrário, mas
também sem prejuízo do seu direito a indemnização nos termos gerais e nos do
artigo anterior.
SECÇÃO X
Venda sobre documentos
ARTIGO 937º
(Entrega dos documentos)
Na venda sobre documentos,
a entrega da coisa é substituída pela entrega do seu título representativo e
dos outros documentos exigidos pelo contrato ou, no silêncio deste, pelos usos.
ARTIGO 938º
(Venda de coisa em
viagem)
1. Se o contrato tiver por
objecto coisa em viagem e, mencionada esta circunstância, figurar entre os
documentos entregues a apólice de seguro contra os riscos do transporte,
observar-se-ão as regras seguintes, na falta de estipulação em contrário:
a) O preço deve ser pago,
ainda que a coisa já não existisse quando o contrato foi celebrado, por se
haver perdido casualmente depois de ter sido entregue ao transportador;
b) O contrato não é
anulável com fundamento em defeitos da coisa, produzidos casualmente após o
momento da entrega;
c) O risco fica a cargo do
comprador desde a data da compra.
2. As duas primeiras regras
do número anterior não têm aplicação se, ao tempo do contrato, o vendedor já
sabia que a coisa estava perdida ou deteriorada e dolosamente o não revelou ao
comprador de boa fé.
3. Quando o seguro apenas
cobrir parte dos riscos, o disposto neste artigo vale exclusivamente em relação
à parte segurada.
SECÇÃO XI
Outros contratos
onerosos
ARTIGO 939º
(Aplicabilidade das
normas relativas à compra e venda)
As normas da compra e venda
são aplicáveis aos outros contratos onerosos pelos quais se alienam bens ou se
estabeleçam encargos sobre eles, na medida em que sejam conformes com a sua
natureza e não estejam em contradição com as disposições legais respectivas.
CAPÍTULO II
Doação
SECÇÃO I
Disposições gerais
ARTIGO 940º
(Noção)
1. Doação é o contrato pelo
qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património,
dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em
benefício do outro contraente.
2. Não há doação na
renúncia a direitos e no repúdio de herança ou legado, nem tão-pouco nos
donativos conformes aos usos sociais.
ARTIGO 941º
(Doação remuneratória)
É considerada doação a
liberalidade remuneratória de serviços recebidos pelo doador, que não tenham a
natureza de dívida exigível.
ARTIGO 942º
(Objecto da doação)
1. A doação não pode
abranger bens futuros.
2. Incidindo, porém, a
doação sobre uma universalidade de facto que continue no uso e fruição do
doador, consideram-se doadas, salvo declaração em contrário, as coisas
singulares que venham de futuro a integrar a universalidade.
ARTIGO 943º
(Prestações periódicas)
A doação que tiver por
objecto prestações periódicas extingue-se por morte do doador.
ARTIGO 944º
(Doação conjunta)
1. A doação feita a várias
pessoas conjuntamente considera-se feita por partes iguais, sem que haja
direito de acrescer entre os donatários, salvo se o doador houver declarado o
contrário.
2. O disposto no número
anterior não prejudica o direito de acrescer entre usufrutuários, quando o
usufruto tenha sido constituído por doação.
ARTIGO 945º
(Aceitação da doação)
1. A proposta de doação
caduca, se não for aceita em vida do doador.
2. A tradição para o
donatário, em qualquer momento, da coisa móvel doada, ou do seu título
representativo, é havida como aceitação.
3. Se a proposta não for
aceita no próprio acto ou não se verificar a tradição nos termos do número
anterior, a aceitação deve obedecer à forma prescrita no artigo 947º e ser
declarada ao doador, sob pena de não produzir os seus efeitos.
ARTIGO 946º
(Doação por morte)
1. É proibida a doação por
morte, salvo nos casos especialmente previstos na lei.
2. Será, porém, havida como
disposição testamentária a doação que houver de produzir os seus efeitos por
morte do doador, se tiverem sido observadas as formalidades dos testamentos.
ARTIGO 947º
(Forma da doação)
1. A doação de coisas
imóveis só é válida se for celebrada por escritura pública.
2. A doação de coisas
móveis não depende de formalidade alguma externa, quando acompanhada de
tradição da coisa doada; não sendo acompanhada de tradição da coisa, só pode
ser feita por escrito.
SECÇÃO II
Capacidade para fazer ou
receber doações
ARTIGO 948º
(Capacidade activa)
1. Têm capacidade para
fazer doações todos os que podem contratar e dispor dos seus bens.
2. A capacidade é regulada
pelo estado em que o doador se encontrar ao tempo da declaração negocial.
ARTIGO 949º
(Carácter pessoal da
doação)
1. Não é permitido atribuir
a outrem, por mandato, a faculdade de designar a pessoa do donatário ou
determinar o objecto da doação, salvo nos casos previstos no nº 2 do artigo
2182º.
2. Os representantes legais
dos incapazes não podem fazer doações em nome destes.
ARTIGO 950º
(Capacidade passiva)
1. Podem receber doações
todos os que não estão especialmente inibidos de as aceitar por disposição da
lei.
2. A capacidade do
donatário é fixada no momento da aceitação.
ARTIGO 951º
(Aceitação por parte de
incapazes)
1. As pessoas que não têm
capacidade para contratar não podem aceitar doações com encargos senão por
intermédio dos seus representantes legais.
2. Porém, as doações puras
feitas a tais pessoas produzem efeitos independentemente de aceitação em tudo o
que aproveite aos donatários.
ARTIGO 952º
(Doações a nascituros)
1. Os nascituros concebidos
ou não concebidos podem adquirir por doação, sendo filhos de pessoa determinada,
viva ao tempo da declaração de vontade do doador.
2. Na doação feita a
nascituro presume-se que o doador reserva para si o usufruto dos bens doados
até ao nascimento do donatário.
ARTIGO 953º
(Casos de
indisponibilidade relativa)
É aplicável às doações,
devidamente adaptado, o disposto nos artigos 2192º a 2198º.
SECÇÃO III
Efeitos das doações
ARTIGO 954º
(Efeitos essenciais)
A doação tem como efeitos
essenciais:
a) A transmissão da
propriedade da coisa ou da titularidade do direito;
b) A obrigação de entregar
a coisa;
c) A assunção da obrigação,
quando for esse o objecto do contrato.
ARTIGO 955º
(Entrega da coisa)
1. A coisa deve ser
entregue no estado em que se encontrava ao tempo da aceitação.
2. A obrigação de entrega
abrange, na falta de estipulação em contrário, as partes integrantes, os frutos
pendentes e os documentos relativos à coisa ou direito.
ARTIGO 956º
(Doação de bens alheios)
1. É nula a doação de bens
alheios; mas o doador não pode opor a nulidade ao donatário de boa fé.
2. O doador só responde
pelo prejuízo causado ao donatário quando este esteja de boa fé e se verifique
algum dos seguintes factos:
a) Ter o doador assumido
expressamente a obrigação de indemnizar o prejuízo;
b) Ter o doador agido com
dolo;
c) Ter a doação carácter
remuneratório;
d) Ser a doação onerosa ou
modal, ficando a responsabilidade do doador limitada, neste caso, ao valor dos
encargos.
3. É imputável no prejuízo
do donatário o valor da coisa ou do direito doado, mas não os benefícios que
ele deixou de obter em consequência da nulidade.
4. Não havendo lugar a
indemnização, o donatário fica sub-rogado nos direitos que possam competir ao
doador relativamente à coisa ou direito doado.
ARTIGO 957º
(Ónus ou vícios do
direito ou da coisa doada)
1 . O doador não responde
pelos ónus ou limitações do direito transmitido, nem pelos vícios da coisa,
excepto quando se tiver expressamente responsabilizado ou tiver procedido com
dolo.
2. A doação é, porém,
anulável em qualquer caso, a requerimento do donatário de boa fé.
ARTIGO 958º
(Reserva de usufruto)
1. O doador tem a faculdade
de reservar para si, ou para terceiro, o usufruto dos bens doados.
2. Havendo reserva de
usufruto em favor de várias pessoas, simultânea ou sucessivamente, são
aplicáveis as disposições dos artigos 1441º e 1442º.
ARTIGO 959º
(Reserva do direito de
dispor de coisa determinada)
1. O doador pode reservar
para si o direito de dispor, por morte ou por acto entre vivos, de alguma ou
algumas das coisas compreendidas na doação, ou o direito a certa quantia sobre
os bens doados.
2. O direito reservado não
se transmite aos herdeiros do doador, e, quando respeite a imóveis, ou móveis
sujeitos a registo, carece de ser registado.
ARTIGO 960º
(Cláusula de reversão)
1. O doador pode estipular
a reversão da coisa doada.
2. A reversão dá-se no caso
de o doador sobreviver ao donatário, ou a este e a todos os seus descendentes;
não havendo estipulação em contrário, entende-se que a reversão só se verifica
neste último caso.
3. A cláusula de reversão
que respeite a coisas imóveis, ou a coisas móveis sujeitas a registo, carece de
ser registada.
ARTIGO 961º
(Efeitos da reversão)
Os bens doados que pela
cláusula de reversão regressem ao património do doador passam livres dos
encargos que lhes tenham sido impostos enquanto estiverem em poder do donatário
ou de terceiros a quem tenham sido transmitidos.
ARTIGO 962º
(Substituições
fideicomissárias)
1. São admitidas
substituições fideicomissárias nas doações.
2. A estas substituições
são aplicáveis, com as necessárias correcções, os artigos 2286º e seguintes.
ARTIGO 963º
(Cláusulas modais)
1. As doações podem ser
oneradas com encargos.
2. O donatário não é
obrigado a cumprir os encargos senão dentro dos limites do valor da coisa ou do
direito doado.
ARTIGO 964º
(Pagamento de dívidas)
1. Se a doação for feita
com o encargo de pagamento das dívidas do doador, entender-se-á a cláusula, na
falta de outra declaração, como obrigando ao pagamento das que existirem ao
tempo da doação.
2. Só é legal o encargo do
pagamento de dívidas futuras do doador desde que se determine o seu montante no
acto da doação.
ARTIGO 965º
(Cumprimento dos
encargos)
Na doação modal, tanto o
doador, ou os seus herdeiros, como quaisquer interessados têm legitimidade para
exigir do donatário, ou dos seus herdeiros, o cumprimento dos encargos.
ARTIGO 966º
(Resolução da doação)
O doador, ou os seus
herdeiros, também podem pedir a resolução da doação, fundada no não cumprimento
dos encargos, quando esse direito lhes seja conferido pelo contrato.
ARTIGO 967º
(Condições ou encargos
impossíveis ou ilícitos)
As condições ou encargos
física ou legalmente impossíveis, contrários à lei ou à ordem pública, ou
ofensivos dos bons costumes ficam sujeitos às regras estabelecidas em matéria
testamentária.
ARTIGO 968º
(Confirmação das doações
nulas)
Não pode prevalecer-se da
nulidade da doação o herdeiro do doador que a confirme depois da morte deste ou
lhe dê voluntária execução, conhecendo o vício e o direito à declaração de
nulidade.
SECÇÃO IV
Revogação das doações
ARTIGO 969º
(Revogação da proposta
de doação)
1. Enquanto não for aceita
a doação, o doador pode livremente revogar a sua declaração negocial, desde que
observe as formalidades desta.
2. A proposta de doação não
caduca pelo decurso dos prazos fixados no nº 1 do artigo 228º.
ARTIGO 970º
(Revogação da doação)
As doações são revogáveis
por ingratidão do donatário.
(Redacção do Dec.-Lei
496/77, de 25-11)
ARTIGOS 971º A 973º
(Revogados pelo Dec.-Lei
496/77, de 25-11)
ARTIGO 974º
(Casos de ingratidão)
A doação pode ser revogada
por ingratidão, quando o donatário se torne incapaz, por indignidade, de
suceder ao doador, ou quando se verifique alguma das ocorrências que justificam
a deserdação.
ARTIGO 975º
(Exclusão da revogação)
A doação não é revogável
por ingratidão do donatário:
a) Sendo feita para
casamento;
b) Sendo remuneratória;
c) Se o doador houver
perdoado ao donatário.
ARTIGO 976º
(Prazo e legitimidade
para a acção)
1. A acção de revogação por
ingratidão não pode ser proposta, nem depois da morte do donatário, nem pelos
herdeiros do doador, salvo o caso previsto no nº 3 e caduca ao cabo de um ano,
contado desde o facto que lhe deu causa ou desde que o doador teve conhecimento
desse facto.
2. Falecido o doador ou o
donatário, a acção, quando pendente, é transmissível aos herdeiros de um ou de
outro.
3. Se o donatário tiver
cometido contra o doador o crime de homicídio, ou por qualquer causa o tiver
impedido de revogar a doação, a acção pode ser proposta pelos herdeiros do
doador dentro de um ano a contar da morte deste.
ARTIGO 977º
(Inadmissibilidade de
renúncia antecipada)
O doador não pode
antecipadamente renunciar ao direito de revogar a doação por ingratidão do
donatário.
(Redacção do Dec.-Lei
496/77, de 25-11)
ARTIGO 978º
(Efeitos da revogação)
1. Os efeitos da revogação
da doação retrotraem-se à data da proposição da acção.
2. Revogada a liberalidade,
são os bens doados restituídos ao doador, ou aos seus herdeiros, no estado em
que se encontrarem.
3. Se os bens tiverem sido
alienados ou não puderem ser restituídos em espécie por outra causa imputável
ao donatário, entregará este, ou entregarão os seus herdeiros, o valor que eles
tinham ao tempo em que foram alienados ou se verificou a impossibilidade de
restituição, acrescido dos juros legais a contar da proposição da acção.
ARTIGO 979º
(Efeitos em relação a
terceiros)
A revogação da doação não
afecta terceiros que hajam adquirido, anteriormente à demanda, direitos reais
sobre os bens doados, sem prejuízo das regras relativas ao registo; neste caso,
porém, o donatário indemnizará o doador.
CAPÍTULO III
Sociedade
SECÇÃO I
Disposições gerais
ARTIGO 980º
(Noção)
Contrato de sociedade é
aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços
para o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera
fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade.
ARTIGO 981º
(Forma)
1. O contrato de sociedade
não está sujeito a forma especial, à excepção da que for exigida pela natureza
dos bens com que os sócios entram para a sociedade.
2. A inobservância da
forma, quando esta for exigida, só anula todo o negócio se este não puder
converter-se segundo o disposto no artigo 293º, de modo que à sociedade fique o
simples uso e fruição dos bens cuja transferência determina a forma especial,
ou se o negócio não puder reduzir-se, nos termos do artigo 292º, às demais
participações.
ARTIGO 982º
(Alterações do contrato)
1. As alterações do
contrato requerem o acordo de todos os sócios, excepto se o próprio contrato o
dispensar.
2. Se o contrato conceder
direitos especiais a algum dos sócios, não podem os direitos concedidos ser
suprimidos ou coarctados sem o assentimento do respectivo titular, salvo
estipulação expressa em contrário.
SECÇÃO II
Relações entre os sócios
ARTIGO 983º
(Entradas)
1. Os sócios estão somente
obrigados às entradas estabelecidas no contrato.
2. As entradas dos sócios
presumem-se iguais em valor, se este não for determinado no contrato.
ARTIGO 984º
(Execução da prestação,
garantia e risco da coisa)
A execução da prestação, a
garantia e o risco da coisa são regulados nos termos seguintes:
a) Se a entrada consistir
na transferência ou constituição de um direito real, pelas normas do contrato
de compra e venda;
b) Se o sócio apenas se
obrigar a facultar à sociedade o uso e fruição de uma coisa, pelas normas do
contrato de locação;
c) Se a entrada consistir
na transferência de um crédito ou de uma posição contratual, pelas normas,
respectivamente, da cessão de créditos ou da cessão da posição contratual,
presumindo-se, todavia, que o sócio garante a solvência do devedor.
ARTIGO 985º
(Administração)
1. Na falta de convenção em
contrário, todos os sócios têm igual poder para administrar.
2. Pertencendo a
administração a todos os sócios ou apenas a alguns deles, qualquer dos
administradores tem o direito de se opor ao acto que outro pretenda realizar,
cabendo à maioria decidir sobre o mérito da oposição.
3. Se o contrato confiar a
administração a todos ou a vários sócios em conjunto, entende-se, em caso de
dúvida, que as deliberações podem ser tomadas por maioria.
4. Salvo estipulação noutro
sentido, considera-se tomada por maioria a deliberação que reúna os sufrágios
de mais de metade dos administradores.
5. Ainda que para a
administração em geral, ou para determinada categoria de actos, seja exigido o
assentimento de todos os administradores, ou da maioria deles, a qualquer dos
administradores é lícito praticar os actos urgentes da administração destinados
a evitar à sociedade um dano iminente.
ARTIGO 986º
(Alteração da
administração)
1. A cláusula do contrato
que atribuir a administração ao sócio pode ser judicialmente revogada, a
requerimento de qualquer outro, ocorrendo justa causa.
2. É permitido incluir no
contrato casos especiais de revogação, mas não é lícito aos interessados
afastar a regra do número anterior.
3. A designação de
administradores feita em acto posterior pode ser revogada por deliberação da
maioria dos sócios, sendo em tudo o mais aplicáveis à revogação as regras do
mandato.
ARTIGO 987º
(Direitos e obrigações
dos administradores)
1. Aos direitos e
obrigações dos administradores são aplicáveis as normas do mandato.
2. Qualquer sócio pode
tornar efectiva a responsabilidade a que está sujeito o administrador.
ARTIGO 988º
(Fiscalização dos
sócios)
1. Nenhum sócio pode ser
privado, nem sequer por cláusula do contrato, do direito de obter dos
administradores as informações de que necessite sobre os negócios da sociedade,
de consultar os documentos a eles pertinentes e de exigir a prestação de
contas.
2. As contas são prestadas
no fim de cada ano civil, salvo se outra coisa for estipulada no contrato, ou
se for inferior a um ano a duração prevista para a sociedade.
ARTIGO 989º
(Uso das coisas sociais)
O sócio não pode, sem
consentimento unânime dos consócios, servir-se das coisas sociais para fins
estranhos à sociedade.
ARTIGO 990º
(Proibição de
concorrência)
O sócio que, sem expressa
autorização de todos os outros, exercer, por conta própria ou alheia,
actividade igual à da sociedade fica responsável pelos danos que lhe causar,
podendo ainda ser excluído, nos termos da alínea a) do artigo 1003º.
ARTIGO 991º
(Distribuição periódica
dos lucros)
Se os contraentes nada
tiverem declarado sobre o destino dos lucros de cada exercício, os sócios têm
direito a que estes lhes sejam atribuídos nos termos fixados no artigo
imediato, depois de deduzidas as quantias afectadas, por deliberação da
maioria, à prossecução dos fins sociais.
ARTIGO 992º
(Distribuição dos lucros
e das perdas)
1. Na falta de convenção em
contrário, os sócios participam nos lucros e perdas da sociedade segundo a
proporção das respectivas entradas.
2. No silêncio do contrato,
os sócios de indústria não respondem, nas relações internas, pelas perdas
sociais.
3. Se o contrato não fixar
o quinhão do sócio de indústria nos lucros nem o valor da sua contribuição,
será o quinhão deste estimado pelo tribunal segundo juízos de equidade; do
mesmo modo se avaliará a parte nos lucros e perdas do sócio que apenas se
obrigou a facultar à sociedade o uso e fruição de uma coisa.
4. Se o contrato determinar
somente a parte de cada sócio nos lucros, presumir-se-á ser a mesma a sua parte
nas perdas.
ARTIGO 993º
(Divisão deferida a
terceiro)
1. Convencionando-se que a
divisão dos ganhos e perdas seja feita por terceiro, deve este fazê-la segundo
juízos de equidade, sempre que não haja estipulação em contrário; se a divisão
não puder ser feita ou não tiver sido feita no tempo devido, sê-lo-á pelo
tribunal, segundo os mesmos juízos.
2. Qualquer sócio tem o
direito de impugnar a divisão feita por terceiro, no prazo de seis meses a
contar do dia em que ela chegou ao seu conhecimento.
3. Porém, a recepção dos
respectivos lucros extingue o direito à impugnação, salvo se anteriormente se
protestou contra a divisão, ou se, ao tempo do recebimento, eram desconhecidas
as causas da impugnabilidade.
ARTIGO 994º
(Pacto leonino)
É nula a cláusula que
exclui um sócio da comunhão nos lucros ou que o isenta de participar nas perdas
da sociedade, salvo o disposto no nº 2 do artigo 992º.
ARTIGO 995º
(Cessão de quotas)
1. Nenhum sócio pode ceder
a terceiro a sua quota sem consentimento de todos os outros.
2. A cessão de quotas está
sujeita à forma exigida para a transmissão dos bens da sociedade.
SECÇÃO III
Relações com terceiros
ARTIGO 996º
(Representação da
sociedade)
1. A sociedade é
representada em juízo e fora dele pelos seus administradores, nos termos do
contrato ou de harmonia com as regras fixadas no artigo 985º.
2. Quando não estiverem
sujeitas a registo, as deliberações sobre a extinção ou modificação dos poderes
dos administradores não são oponíveis a terceiros que, sem culpa, as ignoravam
ao tempo em que contrataram com a sociedade; considera-se sempre culposa a
ignorância, se à deliberação foi dada a publicidade conveniente.
ARTIGO 997º
(Responsabilidade pelas
obrigações sociais)
1. Pelas dívidas sociais
respondem a sociedade e, pessoal e solidariamente, os sócios.
2. Porém, o sócio demandado
para pagamento dos débitos da sociedade pode exigir a prévia excussão do
património social.
3. A responsabilidade dos
sócios que não sejam administradores pode ser modificada, limitada ou excluída
por cláusula expressa do contrato, excepto no caso de a administração competir
unicamente a terceiras pessoas; se a cláusula não estiver sujeita a registo, é
aplicável, quanto à sua oponibilidade a terceiros, o disposto no nº 2 do artigo
anterior.
4. O sócio não pode
eximir-se à responsabilidade por determinada dívida a pretexto de esta ser
anterior à sua entrada para a sociedade.
ARTIGO 998º
(Resposabilidade por
factos ilícitos)
1. A sociedade responde
civilmente pelos actos ou omissões dos seus representantes, agentes ou
mandatários, nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou
omissões dos seus comissários.
2. Não podendo o lesado
ressarcir-se completamente, nem pelos bens da sociedade, nem pelo património do
representante, agente ou mandatário, ser-lhe-á lícito exigir dos sócios o que
faltar, nos mesmos termos em que o poderia fazer qualquer credor social.
ARTIGO 999º
(Credor particular do
sócio)
1. Enquanto se não
dissolver a sociedade, e sendo suficientes outros bens do devedor, o credor
particular do sócio apenas pode executar o direito deste aos lucros e à quota
de liquidação.
2. Se os outros bens do
devedor forem insuficientes, o credor pode exigir a liquidação da quota do
devedor nos termos do artigo 1021º.
ARTIGO 1000º
(Compensação)
Não é admitida compensação
entre aquilo que um terceiro deve à sociedade e o crédito dele sobre algum dos
sócios, nem entre o que a sociedade deve a terceiro e o crédito que sobre este
tenha algum dos sócios.
SECÇÃO IV
Morte, exoneração ou
exclusão de sócios
ARTIGO 1001º
(Morte de um sócio)
1. Falecendo um sócio, se o
contrato nada estipular em contrário, deve a sociedade liquidar a sua quota em
benefício dos herdeiros; mas os sócios supérstites têm a faculdade de optar
pela dissolução da sociedade, ou pela sua continuação com os herdeiros se
vierem a acordo com eles.
2. A opção pela dissolução
da sociedade só é oponível aos herdeiros do sócio falecido se lhes for
comunicada dentro de sessenta dias, a contar do conhecimento da morte pelos
sócios supérstites.
3. Sendo dissolvida a
sociedade, os herdeiros assumem todos os direitos inerentes, na sociedade em
liquidação, à quota do sócio falecido.
4. Sendo os herdeiros
chamados à sociedade, podem livremente dividir entre si o quinhão do seu
antecessor ou encabeçá-lo em algum ou alguns deles.
ARTIGO 1002º
(Exoneração)
1. Todo o sócio tem o
direito de se exonerar da sociedade, se a duração desta não tiver sido fixada
no contrato; não se considera, para este efeito, fixada no contrato a duração
da sociedade, se esta tiver sido constituída por toda a vida de um sócio ou por
período superior a trinta anos.
2. Havendo fixação de
prazo, o direito de exoneração só pode ser exercido nas condições previstas no
contrato ou quando ocorra justa causa.
3. A exoneração só se torna
efectiva no fim do ano social em que é feita a comunicação respectiva, mas
nunca antes de decorridos três meses sobre esta comunicação.
4. As causas legais de
exoneração não podem ser suprimidas ou modificadas; a supressão ou modificação
das causas contratuais depende do acordo de todos os sócios.
ARTIGO 1003º
(Exclusão)
A exclusão de um sócio pode
dar-se nos casos previstos no contrato, e ainda nos seguintes:
a) Quando lhe seja
imputável violação grave das obrigações para com a sociedade;
b) Em caso de interdição ou
inabilitação;
c) Quando, sendo sócio de
indústria, se impossibilite de prestar à sociedade os serviços a que ficou
obrigado;
d) Quando, por causa não
imputável aos administradores, se verifique o perecimento da coisa ou direito
que constituía a entrada do sócio, nos termos do artigo seguinte.
ARTIGO 1004º
(Perecimento
superveniente da coisa)
O perecimento superveniente
da coisa é fundamento de exclusão do sócio:
a) Se a entrada consistir
na transferência ou constituição de um direito real sobre a coisa e esta
perecer antes da entrega;
b) Se o sócio entrou para a
sociedade apenas com o uso e fruição da coisa perdida.
ARTIGO 1005º
(Deliberação sobre a
exclusão)
1. A exclusão depende do
voto da maioria dos sócios, não incluindo no número destes o sócio em causa, e
produz efeitos decorridos trinta dias sobre a data da respectiva comunicação ao
excluído.
2. O direito de oposição do
sócio excluído caduca decorrido o prazo referido no número anterior.
3. Se a sociedade tiver
apenas dois sócios, a exclusão de qualquer deles só pode ser pronunciada pelo
tribunal.
ARTIGO 1006º
(Eficácia da exoneração
ou exclusão)
1. A exoneração ou exclusão
não isenta o sócio da responsabilidade em face de terceiros pelas obrigações
sociais contraídas até ao momento em que a exoneração ou exclusão produzir os
seus efeitos.
2. A exoneração e a
exclusão que não estejam sujeitas a registo não são oponíveis a terceiros que,
sem culpa, as ignoravam ao tempo em que contrataram com a sociedade;
considera-se sempre culposa a ignorância, se ao acto foi dada a publicidade
conveniente.
SECÇÃO V
Dissolução da sociedade
ARTIGO 1007º
(Causas de dissolução)
A sociedade dissolve-se:
a) Por acordo dos sócios;
b) Pelo decurso do prazo
fixado no contrato, não havendo porrogação;
c) Pela realização do
objecto social, ou por este se tornar impossível;
d) Por se extinguir a
pluralidade dos sócios, se no prazo de seis meses não for reconstituída;
e) Por decisão judicial que
declare a sua insolvência;
f) Por qualquer outra causa
prevista no contrato.
ARTIGO 1008º
(Dissolução por acordo.
Prorrogação do prazo)
1. A dissolução por acordo
depende do voto unânime dos sócios, a não ser que o contrato permita a
modificação das suas cláusulas ou a dissolução da sociedade por simples voto
maioritário.
2. A prorrogação do prazo
fixado no contrato pode ser validamente convencionada até à partilha;
considera-se tacitamente prorrogada a sociedade, por tempo indeterminado, se os
sócios continuaram a exercer a actividade social, salvo se das circunstâncias
resultar que não houve essa intenção.
ARTIGO 1009º
(Poderes dos
administradores depois da dissolução)
1. Dissolvida a sociedade,
os poderes dos administradores ficam limitados à prática dos actos meramente
conservatórios e, no caso de não terem sido nomeados liquidatários, dos actos
necessários à liquidação do património social.
2. Pelas obrigações que os
administradores assumam contra o disposto no número anterior, a sociedade e os
outros sócios só respondem perante terceiros se estes estavam de boa fé ou, no
caso de ser obrigatório o registo da dissolução, se este não tiver sido
efectuado; nos restantes casos, respondem solidariamente os administradores que
tenham assumido aquelas obrigações.
SECÇÃO VI
Liquidação da sociedade
e de quotas
ARTIGO 1010º
(Liquidação da
sociedade)
Dissolvida a sociedade,
procede-se à liquidação do seu património.
ARTIGO 1011º
(Forma da liquidação)
1. Se não estiver fixada no
contrato, a forma da liquidação é regulada pelos sócios; na falta de acordo de
todos, observar-se-ão as disposições dos artigos subsequentes e as das leis de
processo.
2. Se o prazo para a
liquidação não estiver determinado, qualquer sócio ou credor pode requerer a
sua determinação pelo tribunal.
ARTIGO 1012º
(Liquidatários)
1. A liquidação compete aos
administradores.
2. Se o contrato confiar
aos sócios a nomeação dos liquidatários e o acordo se revelar impossível, será
a falta deste suprida pelo tribunal, por iniciativa de qualquer sócio ou
credor.
ARTIGO 1013º
(Posição dos
liquidatários)
1. A posição dos
liquidatários é idêntica à dos administradores, com as modificações constantes
dos artigos seguintes.
2. Salvo acordo dos sócios
em contrário, as decisões dos liquidatários são tomadas por maioria.
ARTIGO 1014º
(Termos iniciais da
liquidação)
1. Se os liquidatários não
forem os administradores, devem exigir destes a entrega dos bens e dos livros e
documentos da sociedade, bem como as contas relativas ao último período de
gestão; na falta de entrega, esta deve ser requerida ao tribunal.
2. É obrigatória a
organização de um inventário que dê a conhecer a situação do património social;
o inventário é elaborado conjuntamente por administradores e liquidatários.
ARTIGO 1015º
(Poderes dos liquidatários)
Cabe aos liquidatários
praticar todos os actos necessários à liquidação do património social,
ultimando os negócios pendentes, cobrando os créditos, alienando os bens e
pagando aos credores.
ARTIGO 1016º
(Pagamento do passivo)
1. É defeso aos liquidatários
proceder à partilha dos bens sociais enquanto não tiverem sido pagos os
credores da sociedade ou consignadas as quantias necessárias.
2. Quando os bens da
sociedade não forem suficientes para liquidação do passivo, os liquidatários
podem exigir dos sócios, além das entradas em dívida, as quantias necessárias,
em proporção da parte de cada um nas perdas e dentro dos limites da respectiva
responsabilidade; se, porém, algum sócio se encontrar insolvente, será a sua
parte dividida pelos demais, nos termos referidos.
ARTIGO 1017º
(Restituição dos bens
atribuídos em uso e fruição)
1. O sócio que tiver
entrado para a sociedade com o uso e fruição de certos bens tem o direito de os
levantar no estado em que se encontrarem.
2. Se os bens se houverem
perdido ou deteriorado por causa imputável aos administradores, são estes e a
sociedade solidariamente responsáveis pelos danos.
ARTIGO 1018º
(Partilha)
1. Extintas as dívidas
sociais, o activo restante é destinado em primeiro lugar ao reembolso das
entradas efectivamente realizadas, exceptuadas as contribuições de serviços e
as de uso e fruição de certos bens.
2. Se não puder ser feito o
reembolso integral, o activo existente é distribuído pelos sócios, por forma
que a diferença para menos recaia em cada um deles na proporção da parte que
lhe competir nas perdas da sociedade; se houver saldo depois de feito o
reembolso, será repartido por eles na proporção da parte que lhes caiba nos
lucros.
3. As entradas que não
sejam de dinheiro são estimadas no valor que tinham à data da constituição da
sociedade, se não lhes tiver sido atribuído outro no contrato.
4. Ainda que o contrato o
não preveja, podem os sócios acordar em que a partilha dos bens se faça em
espécie.
ARTIGO 1019º
(Regresso à actividade
social)
1. Enquanto não se
ultimarem as partilhas, podem os sócios retomar o exercício da actividade
social, desde que o resolvam por unanimidade.
2. Se, porém, a dissolução
tiver resultado de causa imperativa, é necessário que tenham cessado as
circunstâncias que a determinaram.
ARTIGO 1020º
(Responsabilidade dos
sócios após a liquidação)
Encerrada a liquidação e
extinta a sociedade, os antigos sócios continuam responsáveis perante terceiros
pelo pagamento dos débitos que não tenham sido saldados, como se não tivesse
havido liquidação.
ARTIGO 1021º
(Liquidação de quotas)
1. Nos casos de morte,
exoneração ou exclusão de um sócio, o valor da sua quota é fixado com base no
estado da sociedade à data em que ocorreu ou produziu efeitos o facto
determinante da liquidação; se houver negócios em curso, o sócio ou os
herdeiros participarão nos lucros e perdas deles resultantes.
2. Na avaliação da quota
observar-se-ão, com as adaptações necessárias, as regras dos nºs 1 a 3 do
artigo 1018º, na parte em que forem aplicáveis.
3. O pagamento do valor da
liquidação deve ser feito, salvo acordo em contrário, dentro do prazo de seis
meses, a contar do dia em que tiver ocorrido ou produzido efeitos o facto
determinante da liquidação.
CAPÍTULO IV
Locação
SECÇÃO I
Disposições gerais
ARTIGO 1022º
(Noção)
Locação é o contrato pelo
qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma
coisa, mediante retribuição.
ARTIGO 1023º
(Arrendamento e aluguer)
A locação diz-se
arrendamento quando versa sobre coisa imóvel, aluguer quando incide sobre coisa
móvel.
ARTIGO 1024º
(A locação como acto de
administração)
1. A locação constitui,
para o locador, um acto de administração ordinária, excepto quando for
celebrada por prazo superior a seis anos.
2. Porém, o arrendamento de
prédio indiviso feito pelo consorte ou consortes administradores só se
considera válido quando os restantes comproprietários manifestem, antes ou
depois do contrato, o seu assentimento; se a lei exigir escritura pública para
a celebração do arrendamento, deve o assentimento ser prestado por igual forma.
ARTIGO 1025º
(Duração máxima)
A locação não pode
celebrar-se por mais de trinta anos; quando estipulada por tempo superior, ou
como contrato perpétuo, considera-se reduzida àquele limite.
ARTIGO 1026º
(Prazo supletivo)
Na falta de estipulação,
entende-se que o prazo de duração do contrato é igual à unidade de tempo a que
corresponde a retribuição fixada, salvas as disposições especiais deste código.
ARTIGO 1027º
(Fim do contrato)
Se do contrato e
respectivas circunstâncias não resultar o fim a que a coisa locada se destina,
é permitido ao locatário aplicá-la a quaisquer fins lícitos, dentro da função
normal das coisas de igual natureza.
ARTIGO 1028º
(Pluralidade de fins)
1. Se uma ou mais coisas
forem locadas para fins diferentes, sem subordinação de uns a outros,
observar-se-á, relativamente a cada um deles, o regime respectivo.
2. As causas de nulidade,
anulabilidade ou resolução que respeitem a um dos fins não afectam a parte
restante da locação, excepto se do contrato ou das circunstâncias que o
acompanham não resultar a discriminação das coisas ou partes da coisa
correspondentes às várias finalidades, ou estas forem solidárias entre si.
3. Se, porém, um dos fins
for principal e os outros subordinados, prevalecerá o regime correspondente ao
fim principal; os outros regimes só são aplicáveis na medida em que não
contrariem o primeiro e a aplicação deles se não mostre incompatível com o fim
principal.
ARTIGO 1029º
(Exigência de escritura
pública)
1. Devem ser reduzidos a escritura
pública:
a) Os arrendamentos
sujeitos a registo;
b) Os arrendamentos para o
comércio, indústria ou exercício de profissão liberal.
2. No caso da alínea a) do
número anterior, a falta de escritura pública ou do registo não impede que o
contrato se considere validamente celebrado e plenamente eficaz pelo prazo
máximo por que o poderia ser sem a exigência de escritura e de registo.
(Redacção do Dec.-Lei
321-B/90, de 15-10)
ARTIGO 1030º
(Encargos da coisa
locada)
Os encargos da coisa
locada, sem embargo de estipulação em contrário, recaem sobre o locador, a não
ser que a lei os imponha ao locatário.
SECÇÃO II
Obrigações do locador
ARTIGO 1031º
(Enumeração)
São obrigações do locador:
a) Entregar ao locatário a
coisa locada;
b) Assegurar-lhe o gozo
desta para os fins a que a coisa se destina.
ARTIGO 1032º
(Vício da coisa locada)
Quando a coisa locada
apresentar vício que lhe não permita realizar cabalmente o fim a que é
destinada, ou carecer de qualidades necessárias a esse fim ou asseguradas pelo
locador, considera-se o contrato não cumprido:
a) Se o defeito datar, pelo
menos, do momento da entrega e o locador não provar que o desconhecia sem
culpa;
b) Se o defeito surgir
posteriormente à entrega, por culpa do locador.
ARTIGO 1033º
(Casos de irresponsabilidade
do locador)
O disposto no artigo
anterior não é aplicável:
a) Se o locatário conhecia
o defeito quando celebrou o contrato ou recebeu a coisa;
b) Se o defeito já existia
ao tempo da celebração do contrato e era facilmente reconhecível, a não ser que
o locador tenha assegurado a sua inexistência ou usado de dolo para o ocultar;
c) Se o defeito for da
responsabilidade do locatário;
d) Se este não avisou do
defeito o locador, como lhe cumpria.
ARTIGO 1034º
(Ilegitimidade do
locador ou deficiência do seu direito)
1. São aplicáveis as
disposições dos dois artigos anteriores:
a) Se o locador não tiver a
faculdade de proporcionar a outrem o gozo da coisa locada;
b) Se o seu direito não for
de propriedade ou estiver sujeito a algum ónus ou limitação que exceda os
limites normais inerentes a este direito;
c) Se o direito do locador
não possuir os atributos que ele assegurou ou estes atributos cessarem
posteriormente por culpa dele.
2. As circunstâncias
descritas no número antecedente só importam a falta de cumprimento do contrato
quando determinarem a privação, definitiva ou temporária, do gozo da coisa ou a
diminuição dele por parte do locatário.
ARTIGO 1035º
(Anulabilidade por erro
ou dolo)
O disposto nos artigos
1032º e 1034º não obsta à anulação do contrato por erro ou por dolo, nos termos
gerais.
ARTIGO 1036º
(Reparações ou outras
despesas urgentes)
1. Se o locador estiver em
mora quanto à obrigação de fazer reparações ou outras despesas, e umas ou
outras, pela sua urgência, se não compadecerem com as delongas do procedimento
judicial, tem o locatário a possibilidade de fazê-las extrajudicialmente, com
direito ao seu reembolso.
2. Quando a urgência não
consinta qualquer dilação, o locatário pode fazer as reparações ou despesas,
também com direito a reembolso, independentemente de mora do locador, contanto
que o avise ao mesmo tempo.
ARTIGO 1037º
(Actos que impedem ou
diminuem o gozo da coisa)
1. Não obstante convenção
em contrário, o locador não pode praticar actos que impeçam ou diminuam o gozo
da coisa pelo locatário, com excepção dos que a lei ou os usos facultem ou o
próprio locatário consinta em cada caso, mas não tem obrigação de assegurar
esse gozo contra actos de terceiro.
2. O locatário que for
privado da coisa ou perturbado no exercício dos seus direitos pode usar, mesmo
contra o locador, dos meios facultados ao possuidor nos artigos 1276º e
seguintes.
SECÇÃO III
Obrigações do locatário
SUBSECÇÃO I
Disposição geral
ARTIGO 1038º
(Enumeração)
São obrigações do
locatário:
a) Pagar a renda ou
aluguer;
b) Facultar ao locador o
exame da coisa locada;
c) Não aplicar a coisa a
fim diverso daqueles a que ela se destina;
d) Não fazer dela uma
utilização imprudente;
e) Tolerar as reparações
urgentes, bem como quaisquer obras ordenadas pela autoridade pública;
f) Não proporcionar a
outrem o gozo total ou parcial da coisa por meio de cessão onerosa ou gratuita
da sua posição jurídica, sublocação ou comodato, excepto se a lei o permitir ou
o locador o autorizar;
g) Comunicar ao locador,
dentro de quinze dias, a cedência do gozo da coisa por algum dos referidos
títulos, quando permitida ou autorizada;
h) Avisar imediatamente o
locador, sempre que tenha conhecimento de vícios na coisa, ou saiba que a
ameaça algum perigo ou que terceiros se arrogam direitos em relação a ela,
desde que o facto seja ignorado pelo locador;
i) Restituir a coisa locada
findo o contrato.
SUBSECÇÃO II
Pagamento da renda ou
aluguer
ARTIGO 1039º
(Tempo e lugar do
pagamento)
1. O pagamento da renda ou
aluguer deve ser efectuado no último dia de vigência do contrato ou do período
a que respeita, e no domicílio do locatário à data do vencimento, se as partes
ou os usos não fixarem outro regime.
2. Se a renda ou aluguer
houver de ser pago no domicílio, geral ou particular, do locatário ou de
procurador seu, e o pagamento não tiver sido efectuado, presume-se que o
locador não veio nem mandou receber a prestação no dia do vencimento.
ARTIGO 1040º
(Redução da renda ou
aluguer)
1. Se, por motivo não
atinente à sua pessoa ou à dos seus familiares, o locatário sofrer privação ou
diminuição do gozo da coisa locada, haverá lugar a uma redução da renda ou
aluguer proporcional ao tempo da privação ou diminuição e à extensão desta, sem
prejuízo do disposto na secção anterior.
2. Mas, se a privação ou
diminuição não for imputável ao locador nem aos seus familiares, a redução só
terá lugar no caso de uma ou outra exceder um sexto da duração do contrato.
3. Consideram-se familiares
os parentes, afins ou serviçais que vivam habitualmente em comunhão de mesa e
habitação com o locatário ou o locador.
ARTIGO 1041º
(Mora do locatário)
1. Constituindo-se o
locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou
alugueres em atraso, uma indemnização igual a 50% do que for devido, salvo se o
contrato for resolvido com base na falta de pagamento.
2. Cessa o direito à
indemnização ou à resolução do contrato, se o locatário fizer cessar a mora no
prazo de oito dias a contar do seu começo.
3. Enquanto não forem
cumpridas as obrigações a que o nº 1 se refere, o locador tem o direito de
recusar o recebimento das rendas ou alugueres seguintes, os quais são
considerados em dívida para todos os efeitos.
4. A recepção de novas
rendas ou alugueres não priva o locador do direito à resolução do contrato ou à
indemnização referida, com base nas prestações em mora.
(Redacção do Dec.-Lei
293/77, de 20-7)
ARTIGO 1042º
(Depósito das rendas ou
alugueres em atraso)
1. Se o locatário depositar
as rendas ou alugueres em atraso, bem como a indemnização fixada no nº 1 do
artigo anterior, quando devida, e requerer dentro de cinco dias a notificação
judicial do depósito ao locador, presume-se que lhe ofereceu o pagamento
respectivo, pondo fim à mora, e que este o recusou.
2. O depósito, quando
abranja a indemnização, envolve da parte do locatário o reconhecimento de que
caíra em mora, salvo se for feito condicionalmente; mas este preceito não se
aplica à oferta do pagamento.
SUBSECÇÃO III
Restituição da coisa
locada
ARTIGO 1043º
(Dever de manutenção e
restituição da coisa)
1. Na falta de convenção, o
locatário é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu,
ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em
conformidade com os fins do contrato.
2. Presume-se que a coisa
foi entregue ao locatário em bom estado de manutenção, quando não exista
documento onde as partes tenham descrito o estado dela ao tempo da entrega.
ARTIGO 1044º
(Perda ou deterioração
da coisa)
O locatário responde pela
perda ou deteriorações da coisa, não exceptuadas no artigo anterior, salvo se
resultarem de causa que lhe não seja imputável nem a terceiro a quem tenha
permitido a utilização dela.
ARTIGO 1045º
(Indemnização pelo
atraso na restituição da coisa)
1. Se a coisa locada não
for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é
obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a
renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento
para consignar em depósito a coisa devida.
2. Logo, porém, que o
locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro.
ARTIGO 1046º
(Indemnização de
despesas e levantamento de benfeitorias)
1. Fora dos casos previstos
no artigo 1036º, e salvo estipulação em contrário, o locatário é equiparado ao
possuidor de má fé quanto a benfeitorias que haja feito na coisa locada.
2. Tratando-se de aluguer
de animais, as despesas de alimentação destes correm sempre, na falta de
estipulação em contrário, por conta do locatário.
SECÇÃO IV
Resolução e caducidade
do contrato
SUBSECÇÃO I
Resolução
ARTIGO 1047º
(Falta de cumprimento
por parte do locatário)
A resolução do contrato
fundada na falta de cumprimento por parte do locatário tem de ser decretada
pelo tribunal.
ARTIGO 1048º
(Falta de pagamento da
renda ou aluguer)
O direito à resolução do
contrato por falta de pagamento da renda ou aluguer caduca logo que o
locatário, até à contestação da acção destinada a fazer valer esse direito,
pague ou deposite as somas devidas e a indemnização referida no nº 1 do artigo
1041º.
ARTIGO 1049º
(Cedência do gozo da
coisa)
O locador não tem direito à
resolução do contrato com fundamento na violação do disposto nas alíneas f) e
g) do artigo 1038º, se tiver reconhecido o beneficiário da cedência como tal,
ou ainda, no caso da alínea g), se a comunicação lhe tiver sido feita por este.
ARTIGO 1050º
(Resolução do contrato
pelo locatário)
O locatário pode resolver o
contrato, independentemente de responsabilidade do locador:
a) Se, por motivo estranho
à sua própria pessoa ou à dos seus familiares, for privado do gozo da coisa,
ainda que só temporariamente;
b) Se na coisa locada
existir ou sobrevier defeito que ponha em perigo a vida ou a saúde do locatário
ou dos seus familiares.
SUBSECÇÃO II
Caducidade
ARTIGO 1051º
(Casos de caducidade)
1. O contrato de locação
caduca:
a) Findo o prazo estipulado
ou estabelecido por lei;
b) Verificando-se a
condição a que as partes o subordinaram, ou tornando-se certo que não pode
verificar-se, conforme a condição seja resolutiva ou suspensiva;
c) Quando cesse o direito
ou findem os poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi
celebrado;
d) Por morte do locatário
ou, tratando-se de pessoa colectiva, pela extinção desta, salvo convenção
escrita em contrário;
e) Pela perda da coisa
locada;
f) No caso de expropriação
por utilidade pública, a não ser que a expropriação se compadeça com a
subsistência do contrato.
(Redacção do Dec.-Lei
321-B/90, de 15-10)
ARTIGO 1052º
(Excepções)
O contrato de locação não
caduca:
a) Se for celebrado pelo
usufrutuário e a propriedade se consolidar na sua mão;
b) Se o usufrutuário
alienar o seu direito ou renunciar a ele, pois nestes casos o contrato só
caduca pelo termo normal do usfruto;
c) Se for celebrado pelo
cônjuge administrador.
(Redacção do Dec.-Lei
496/77, de 25-11)
ARTIGO 1053º
(Despejo do prédio)
Em qualquer dos casos de
caducidade previstos nas alíneas b) e seguintes do artigo 1051º, a restituição
do prédio, tratando-se de arrendamento, só pode ser exigida passados três meses
sobre a verificação do facto que determina a caducidade ou, sendo o
arrendamento rural, no fim do ano agrícola em curso no termo do referido prazo.
ARTIGO 1054º
(Renovação do contrato)
1. Findo o prazo do
arrendamento, o contrato renova-se por períodos sucessivos, se nenhuma das
partes o tiver denunciado no tempo e pela forma convencionados ou designados na
lei.
2. O prazo da renovação é
igual ao do contrato; mas é apenas de um ano, se o prazo do contrato for mais
longo.
ARTIGO 1055º
(Denúncia)
1. A denúncia tem de ser
comunicada ao outro contraente com a antecedência mínima seguinte:
a) Seis meses, se o prazo
for igual ou superior a seis anos;
b) Sessenta dias, se o
prazo for de um a seis anos;
c) Trinta dias, quando o
prazo for de três meses a um ano;
d) Um terço do prazo,
quando este for inferior a três meses.
2. A antecedência a que se
refere o número anterior reporta-se ao fim do prazo do contrato ou da
renovação.
ARTIGO 1056º
(Outra causa de
renovação)
Se, não obstante a
caducidade do arrendamento, o locatário se mantiver no gozo da coisa pelo lapso
de um ano, sem oposição do locador, o contrato considera-se igualmente renovado
nas condições do artigo 1054º.
SECÇÃO V
Transmissão da posição
contratual
ARTIGO 1057º
(Transmissão da posição
do locador)
O adquirente do direito com
base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do
locador, sem prejuízo das regras do registo.
ARTIGO 1058º
(Liberação ou cessão de
rendas ou alugueres)
A liberação ou cessão de
rendas ou alugueres não vencidos é inoponível ao sucessor entre vivos do locador,
na medida em que tais rendas ou alugueres respeitem a períodos de tempo não
decorridos à data da sucessão.
ARTIGO 1059º
(Transmissão da posição
do locatário)
1. A posição contratual do
locatário é transmissível por morte dele ou, tratando-se de pessoa colectiva,
pela extinção desta, se assim tiver sido convencionado por escrito.
2. A cessão da posição do
locatário está sujeita ao regime geral dos artigos 424º e seguintes, sem
prejuízo das disposições especiais deste capítulo.
SECÇÃO VI
Sublocação
ARTIGO 1060º
(Noção)
A locação diz-se
sublocação, quando o locador a celebra com base no direito de locatário que lhe
advém de um precedente contrato locativo.
ARTIGO 1061º
(Efeitos)
A sublocação só produz
efeitos em relação ao locador ou a terceiros a partir do seu reconhecimento
pelo locador ou da comunicação a que se refere a alínea g) do artigo 1038º.
ARTIGO 1062º
(Limite da renda ou
aluguer)
O locatário não pode cobrar
do sublocatário renda ou aluguer superior ou proporcionalmente superior ao que
é devido pelo contrato de locação, aumentado de vinte por cento, salvo se outra
coisa tiver sido convencionada com o locador.
ARTIGO 1063º
(Direitos do locador em
relação ao sublocatário)
Se tanto o locatário como o
sublocatário estiverem em mora quanto às respectivas dívidas de renda ou
aluguer, é lícito ao locador exigir do sublocatário o que este dever, até ao
montante do seu próprio crédito.
SECÇÃO VII
Arrendamento rural
ARTIGOS 1064º A 1082º
(Revogados pelo Dec.-Lei
201/75, de 15-4)
SECÇÃO VIII
Arrendamento de prédios
urbanos e arrendamento de prédios rústicos não abrangidos na secção precedente
ARTIGOS 1083º A 1120º
(Revogados pelo Dec.-Lei
321-B/90, de 15-10)
CAPÍTULO V
Parceria pecuária
ARTIGO 1121º
(Noção)
Parceria pecuária é o
contrato pelo qual uma ou mais pessoas entregam a outra ou outras um animal ou
certo número deles, para estas os criarem, pensarem e vigiarem, com o ajuste de
repartirem entre si os lucros futuros em certa proporção.
ARTIGO 1122º
(Prazo)
1. Na falta de convenção
quanto a prazo, atender-se-á aos usos da terra; na falta de usos, qualquer dos
contraentes pode, a todo o tempo, fazer caducar a parceria.
2. A existência de prazo
não impede que o contraente resolva o contrato, se a outra parte não cumprir as
suas obrigações.
ARTIGO 1123º
(Caducidade)
A parceria caduca pela
morte do parceiro pensador ou pela perda dos animais, e também quando cesse o
direito ou findem os poderes legais de administração com base nos quais o
contrato foi celebrado, ou quando se verifique a condição resolutiva a que as
partes o subordinaram.
ARTIGO 1124º
(Obrigações do parceiro
pensador)
O parceiro pensador é
obrigado a empregar na guarda e tratamento dos animais o cuidado de um pensador
diligente.
ARTIGO 1125º
(Utilização dos animais)
1. O parceiro proprietário
é obrigado a assegurar a utilização dos animais ao parceiro pensador.
2. O parceiro pensador que
for privado dos seus direitos ou perturbado no exercício deles pode usar, mesmo
contra o parceiro proprietário, dos meios facultados ao possuidor nos artigos
1276º e seguintes.
ARTIGO 1126º
(Risco)
1. Se os animais perecerem,
se inutilizarem ou diminuírem de valor, por facto não imputável ao parceiro
pensador, o risco corre por conta do proprietário.
2. Se, porém, algum
proveito se puder tirar dos animais que pereceram ou se inutilizaram, pertence
o benefício ao proprietário até ao valor deles no momento da entrega.
3. As regras dos números
anteriores são imperativas.
ARTIGO 1127º
(Tosquia de gado
lanígero)
O parceiro pensador de gado
lanígero não pode fazer a tosquia sem que previna o parceiro proprietário; se o
não prevenir, pagará em dobro o valor da parte que deveria pertencer ao
proprietário.
ARTIGO 1128º
(Regime subsidiário)
Em tudo o que não estiver
estabelecido nos artigos precedentes devem ser observados, na falta de
convenção, os usos da terra.
CAPÍTULO VI
Comodato
ARTIGO 1129º
(Noção)
Comodato é o contrato
gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel,
para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir.
ARTIGO 1130º
(Comodato fundado num
direito temporário)
1. Se o comodante emprestar
a coisa com base num direito de duração limitada, não pode o contrato ser
celebrado por tempo superior; e, quando o seja, reduzir-se-á ao limite de
duração desse direito.
2. É aplicável ao comodato
constituído pelo usufrutuário o disposto nas alíneas a) e b) do artigo 1052º.
ARTIGO 1131º
(Fim do contrato)
Se do contrato e
respectivas circunstâncias não resultar o fim a que a coisa emprestada se
destina, é permitido ao comodatário aplicá-la a quaisquer fins lícitos, dentro
da função normal das coisas de igual natureza.
ARTIGO 1132º
(Frutos da coisa)
Só por força de convenção
expressa o comodatário pode fazer seus os frutos colhidos.
ARTIGO 1133º
(Actos que impedem ou
diminuem o uso da coisa)
1. O comodante deve
abster-se de actos que impeçam ou restrinjam o uso da coisa pelo comodatário,
mas não é obrigado a assegurar-lhe esse uso.
2. Se este for privado dos
seus direitos ou perturbado no exercício deles, pode usar, mesmo contra o
comodante, dos meios facultados ao possuidor nos artigos 1276º e seguintes.
ARTIGO 1134º
(Responsabilidade do
comodante)
O comodante não responde
pelos vícios ou limitações do direito nem pelos vícios da coisa, excepto quando
se tiver expressamente responsabilizado ou tiver procedido com dolo.
ARTIGO 1135º
(Obrigações do
comodatário)
São obrigações do
comodatário:
a) Guardar e conservar a
coisa emprestada;
b) Facultar ao comodante o
exame dela;
c) Não a aplicar a fim
diverso daquele a que a coisa se destina;
d) Não fazer dela uma
utilização imprudente;
e) Tolerar quaisquer
benfeitorias que o comodante queira realizar na coisa;
f) Não proporcionar a
terceiro o uso da coisa, excepto se o comodante o autorizar;
g) Avisar imediantamente o
comodante, sempre que tenha conhecimento de vícios na coisa ou saiba que a
ameaça algum perigo ou que terceiro se arroga direitos em relação a ela, desde
que o facto seja ignorado do comodante;
h) Restituir a coisa findo
o contrato.
ARTIGO 1136º
(Perda ou deterioração
da coisa)
1. Quando a coisa
emprestada perecer ou se deteriorar casualmente, o comodatário é responsável,
se estava no seu poder tê-lo evitado, ainda que mediante o sacrifício de coisa
própria de valor não superior.
2. Quando, porém, o
comodatário a tiver aplicado a fim diverso daquele a que a coisa se destina, ou
tiver consentido que terceiro a use sem para isso estar autorizado, será
responsável pela perda ou deterioração, salvo provando que ela teria igualmente
ocorrido sem a sua conduta ilegal.
3. Sendo avaliada a coisa
ao tempo do contrato, presume-se que a responsabilidade ficou a cargo do
comodatário, embora este não pudesse evitar o prejuízo pelo sacrifício de coisa
própria.
ARTIGO 1137º
(Restituição)
1. Se os contraentes não
convencionaram prazo certo para a restituição da coisa, mas esta foi emprestada
para uso determinado, o comodatário deve restituí-la ao comodante logo que o
uso finde, independentemente de interpelação.
2. Se não foi convencionado
prazo para a restituição nem determinado o uso da coisa, o comodatário é obrigado
a restituí-la logo que lhe seja exigida.
3. É aplicável à manutenção
e restituição da coisa emprestada o disposto no artigo 1043º.
ARTIGO 1138º
(Benfeitorias)
1. O comodatário é
equiparado, quanto a benfeitorias, ao possuidor de má fé.
2. Tratando-se de
empréstimo de animais, as despesas de alimentação destes correm, salvo
estipulação em contrário, por conta do comodatário.
ARTIGO 1139º
(Solidariedade dos
comodatários)
Sendo dois ou mais os
comodatários, são solidárias as suas obrigações.
ARTIGO 1140º
(Resolução)
Não obstante a existência
de prazo, o comodante pode resolver o contrato, se para isso tiver justa causa.
ARTIGO 1141º
(Caducidade)
O contrato caduca pela
morte do comodatário.
CAPÍTULO VII
Mútuo
ARTIGO 1142º
(Noção)
Mútuo é o contrato pelo qual
uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a
segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade.
ARTIGO 1143º
(Forma)
O contrato de mútuo de
valor superior a 3 000 000$ só é válido se for celebrado por escritura pública
e o de valor superior a 200 000$ se o for por documento assinado pelo mutuário.
(Redacção do Dec.-Lei
163/95, de 13-7)
ARTIGO 1144º
(Propriedade das coisas
mutuadas)
As coisas mutuadas
tornam-se propriedade do mutuário pelo facto da entrega.
ARTIGO 1145º
(Gratuidade ou
onerosidade do mútuo)
1. As partes podem
convencionar o pagamento de juros como retribuição do mútuo; este presume-se
oneroso em caso de dúvida.
2. Ainda que o mútuo não
verse sobre dinheiro, observar-se-á, relativamente a juros, o disposto no
artigo 559º e, havendo mora do mutuário, o disposto no artigo 806º.
ARTIGO 1146º
(Usura)
1. É havido como usurário o
contrato de mútuo em que sejam estipulados juros anuais que excedam os juros
legais, acrescidos de 3% ou 5%, conforme exista ou não garantia real.
2. É havida também como
usurária a cláusula penal que fixar como indemnização devida pela falta de
restituição de empréstimo, relativamente ao tempo de mora, mais do que o
correspondente a 7% ou a 9% acima dos juros legais, conforme exista ou não
garantia real.
3. Se a taxa de juros
estipulada ou o montante da indemnização exceder o máximo fixado nos números
precedentes, considera-se reduzido a esses máximos, ainda que seja outra a
vontade dos contraentes.
4. O respeito dos limites
máximos referidos neste artigo não obsta à aplicabilidade dos artigos 282º a
284º.
(Redacção do Dec.-Lei
262/83, de 16-6)
ARTIGO 1147º
(Prazo no mútuo oneroso)
No mútuo oneroso o prazo
presume-se estipulado a favor de ambas as partes, mas o mutuário pode antecipar
o pagamento, desde que satisfaça os juros por inteiro.
ARTIGO 1148º
(Falta de fixação de
prazo)
1. Na falta de estipulação
de prazo, a obrigação do mutuário, tratando-se de mútuo gratuito, só se vence
trinta dias após a exigência do seu cumprimento.
2. Se o mútuo for oneroso e
não se tiver fixado prazo, qualquer das partes pode pôr termo ao contrato,
desde que o denuncie com uma antecipação mínima de trinta dias.
3. Tratando-se, porém, de
empréstimo, gratuito ou oneroso, de cereais ou outros produtos rurais a favor
de lavrador, presume-se feito até à colheita seguinte dos produtos semelhantes.
4. A doutrina do número
anterior é aplicável aos mutuários que, não sendo lavradores, recolhem pelo
arrendamento de terras próprias frutos semelhantes aos que receberam de
empréstimo.
ARTIGO 1149º
(Impossibilidade de
restituição)
Se o mútuo recair em coisa
que não seja dinheiro e a restituição se tornar impossível ou extremamente
difícil por causa não imputável ao mutuário, pagará este o valor que a coisa
tiver no momento e lugar do vencimento da obrigação.
ARTIGO 1150º
(Resolução do contrato)
O mutuante pode resolver o
contrato, se o mutuário não pagar os juros no seu vencimento.
ARTIGO 1151º
(Responsabilidade do
mutuante)
É aplicável à
responsabilidade do mutuante, no mútuo gratuito, o disposto no artigo 1134º.
CAPÍTULO VIII
Contrato de trabalho
ARTIGO 1152º
(Noção)
Contrato de trabalho é
aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua
actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção
desta.
ARTIGO 1153º
(Regime)
O contrato de trabalho está
sujeito a legislação especial.
CAPÍTULO IX
Prestação de serviço
ARTIGO 1154º
(Noção)
Contrato de prestação de
serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo
resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.
ARTIGO 1155º
(Modalidades do
contrato)
O mandato, o depósito e a
empreitada, regulados nos capítulos subsequentes, são modalidades do contrato
de prestação de serviço.
ARTIGO 1156º
(Regime)
As disposições sobre o
mandato são extensivas, com as necessárias adaptações, às modalidades do
contrato de prestação de serviço que a lei não regule especialmente.
CAPÍTULO X
Mandato
SECÇÃO I
Disposições gerais
ARTIGO 1157º
(Noção)
Mandato é o contrato pelo
qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta
da outra.
ARTIGO 1158º
(Gratuidade ou
onerosidade do mandato)
1. O mandato presume-se
gratuito, excepto se tiver por objecto actos que o mandatário pratique por
profissão; neste caso, presume-se oneroso.
2. Se o mandato for
oneroso, a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é
determinada pelas tarifas profissionais; na falta destas, pelos usos; e, na
falta de umas e outros, por juízos de equidade.
ARTIGO 1159º
(Extensão do mandato)
1. O mandato geral só
compreende os actos de administração ordinária.
2. O mandato especial
abrange, além dos actos nele referidos, todos os demais necessários à sua
execução.
ARTIGO 1160º
(Pluralidade de
mandatos)
Se alguém incumbir duas ou
mais pessoas da prática dos mesmos actos jurídicos, haverá tantos mandatos
quantas as pessoas designadas, salvo se o mandante declarar que devem agir
conjuntamente.
SECÇÃO II
Direitos e obrigações do
mandatário
ARTIGO 1161º
(Obrigações do
mandatário)
O mandatário é obrigado:
a) A praticar os actos
compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante;
b) A prestar as informações
que este lhe peça, relativas ao estado da gestão;
c) A comunicar ao mandante,
com prontidão, a execução do mandato ou, se o não tiver executado, a razão por
que assim procedeu;
d) A prestar contas, findo
o mandato ou quando o mandante as exigir;
e) A entregar ao mandante o
que recebeu em execução do mandato ou no exercício deste, se o não despendeu
normalmente no cumprimento do contrato.
ARTIGO 1162º
(Inexecução do mandato
ou a inobservância das instruções)
O mandatário pode deixar de
executar o mandato ou afastar-se das instruções recebidas, quando seja razoável
supor que o mandante aprovaria a sua conduta, se conhecesse certas
circunstâncias que não foi possível comunicar-lhe em tempo útil.
ARTIGO 1163º
(Aprovação tácita da
execução ou inexecução do mandato)
Comunicada a execução ou
inexecução do mandato, o silêncio do mandante por tempo superior àquele em que
teria de pronunciar-se, segundo os usos ou, na falta destes, de acordo com a
natureza do assunto, vale como aprovação da conduta do mandatário, ainda que
este haja excedido os limites do mandato ou desrespeitado as instruções do mandante,
salvo acordo em contrário.
ARTIGO 1164º
(Juros devidos pelo
mandatário)
O mandatário deve pagar ao
mandante os juros legais correspondentes às quantias que recebeu dele ou por
conta dele, a partir do momento em que devia entregar-lhas, ou remeter-lhas, ou
aplicá-las segundo as suas instruções.
ARTIGO 1165º
(Substituto e auxiliares
do mandatário)
O mandatário pode, na
execução do mandato, fazer-se substituir por outrem ou servir-se de auxiliares,
nos mesmos termos em que o procurador o pode fazer.
ARTIGO 1166º
(Pluralidade de
mandatários)
Havendo dois ou mais
mandatários com o dever de agirem conjuntamente, responderá cada um deles pelos
seus actos, se outro regime não tiver sido convencionado.
SECÇÃO III
Obrigações do mandante
ARTIGO 1167º
(Enumeração)
O mandante é obrigado:
a) A fornecer ao mandatário
os meios necessários à execução do mandato, se outra coisa não foi
convencionada;
b) A pagar-lhe a
retribuição que ao caso competir, e fazer-lhe provisão por conta dela segundo
os usos;
c) A reembolsar o mandatário
das despesas feitas que este fundadamente tenha considerado indispensáveis, com
juros legais desde que foram efectuadas;
d) A indemnizá-lo do
prejuízo sofrido em consequência do mandato, ainda que o mandante tenha
procedido sem culpa.
ARTIGO 1168º
(Suspensão da execução
do mandato)
O mandatário pode abster-se
da execução do mandato enquanto o mandante estiver em mora quanto à obrigação
expressa na alínea a) do artigo anterior.
ARTIGO 1169º
(Pluralidade de
mandantes)
Sendo dois ou mais os
mandantes, as suas obrigações para com o madatário são solidárias, se o mandato
tiver sido conferido para assunto de interesse comum.
SECÇÃO IV
Revogação e caducidade
do mandato
SUBSECÇÃO I
Revogação
ARTIGO 1170º
(Revogabilidade do
mandato)
1. O mandato é livremente
revogável por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário ou
renúncia ao direito de revogação.
2. Se, porém, o mandato
tiver sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, não pode
ser revogado pelo mandante sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa
causa.
ARTIGO 1171º
(Revogação tácita)
A designação de outra
pessoa, por parte do mandante, para a prática dos mesmos actos implica
revogação do mandato, mas só produz este efeito depois de ser conhecida pelo
mandatário.
ARTIGO 1172º
(Obrigação de
indemnização)
A parte que revogar o
contrato deve indemnizar a outra do prejuízo que esta sofrer:
a) Se assim tiver sido
convencionado;
b) Se tiver sido estipulada
a irrevogabilidade ou tiver havido renúncia ao direito de revogação;
c) Se a revogação proceder
do mandante e versar sobre mandato oneroso, sempre que o mandato tenha sido
conferido por certo tempo ou para determinado assunto, ou que o mandante o
revogue sem a antecedência conveniente;
d) Se a revogação proceder
do mandatário e não tiver sido realizada com a antecedência conveniente.
ARTIGO 1173º
(Mandato colectivo)
Sendo o mandato conferido
por várias pessoas e para assunto de interesse comum, a revogação só produz
efeito se for realizada por todos os mandantes.
SUBSECÇÃO II
Caducidade
ARTIGO 1174º
(Casos de caducidade)
O mandato caduca:
a) Por morte ou interdição
do mandante ou do mandatário;
b) Por inabilitação do
mandante, se o mandato tiver por objecto actos que não possam ser praticados
sem intervenção do curador.
ARTIGO 1175º
(Morte, interdição ou
inabilitação do mandante)
A morte, interdição ou
inabilitação do mandante não faz caducar o mandato, quando este tenha sido
conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro; nos outros casos,
só o faz caducar a partir do momento em que seja conhecida do mandatário, ou
quando da caducidade não possam resultar prejuízos para o mandante ou seus
herdeiros.
ARTIGO 1176º
(Morte, interdição ou
incapacidade natural do mandatário)
1. Caducando o mandato por
morte ou interdição do mandatário, os seus herdeiros devem prevenir o mandante
e tomar as providências adequadas, até que ele próprio esteja em condições de
providenciar.
2. Idêntica obrigação recai
sobre as pessoas que convivam com o mandatário, no caso de incapacidade natural
deste.
ARTIGO 1177º
(Pluralidade de
mandatários)
Se houver vários
mandatários com obrigação de agir conjuntamente, o mandato caduca em relação a
todos, embora a causa de caducidade respeite apenas a um deles, salvo convenção
em contrário.
SECÇÃO V
Mandato com
representação
ARTIGO 1178º
(Mandatário com poderes
de representação)
1. Se o mandatário for
representante, por ter recebido poderes para agir em nome do mandante, é também
aplicável ao mandato o disposto nos artigos 258º e seguintes.
2. O mandatário a quem
hajam sido conferidos poderes de representação tem o dever de agir não só por
conta, mas em nome do mandante, a não ser que outra coisa tenha sido
estipulada.
ARTIGO 1179º
(Revogação ou renúncia
da procuração)
A revogação e a renúncia da
procuração implicam revogação do mandato.
SECÇÃO VI
Mandato sem
representação
ARTIGO 1180º
(Mandatário que age em
nome próprio)
O mandatário, se agir em
nome próprio, adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos actos
que celebra, embora o mandato seja conhecido dos terceiros que participem nos
actos ou sejam destinatários destes.
ARTIGO 1181º
(Direitos adquiridos em
execução do mandato)
1. O mandatário é obrigado
a transferir para o mandante os direitos adquiridos em execução do mandato.
2. Relativamente aos
créditos, o mandante pode substituir-se ao mandatário no exercício dos
respectivos direitos.
ARTIGO 1182º
(Obrigações contraídas
em execução do mandato)
O mandante deve assumir,
por qualquer das formas indicadas no nº 1 do artigo 595º, as obrigações
contraídas pelo mandatário em execução do mandato; se não puder fazê-lo, deve
entregar ao mandatário os meios necessários para as cumprir ou reembolsá-lo do
que este houver despendido nesse cumprimento.
ARTIGO 1183º
(Responsabilidade do
mandatário)
Salvo estipulação em
contrário, o mandatário não é responsável pela falta de cumprimento das
obrigações assumidas pelas pessoas com quem haja contratado, a não ser que no
momento da celebração do contrato conhecesse ou devesse conhecer a insolvência
delas.
ARTIGO 1184º
(Responsabilidade dos
bens adquiridos pelo mandatário)
Os bens que o mandatário
haja adquirido em execução do mandato e devam ser transferidos para o mandante
nos termos do nº 1 do artigo 1181º não respondem pelas obrigações daquele,
desde que o mandato conste de documento anterior à data da penhora desses bens
e não tenha sido feito o registo da aquisição, quando esta esteja sujeita a
registo.
CAPÍTULO XI
Depósito
SECÇÃO I
Disposições gerais
ARTIGO 1185º
(Noção)
Depósito é o contrato pelo
qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a
guarde, e a restitua quando for exigida.
ARTIGO 1186º
(Gratuidade ou
onerosidade do depósito)
É aplicável ao depósito o
disposto no artigo 1158º.
SECÇÃO II
Direitos e obrigações do
depositário
ARTIGO 1187º
(Obrigações de
depositário)
O depositário é obrigado:
a) A guardar a coisa
depositada;
b) A avisar imediatamente o
depositante, quando saiba que algum perigo ameaça a coisa ou que terceiro se
arroga direitos em relação a ela, desde que o facto seja desconhecido do
depositante;
c) A restituir a coisa com
os seus frutos.
ARTIGO 1188º
(Turbação de detenção ou
esbulho da coisa)
1. Se o depositário for
privado da detenção da coisa por causa que lhe não seja imputável, fica
exonerado das obrigações de guarda e restituição, mas deve dar conhecimento
imediato da privação ao depositante.
2. Independentemente da
obrigação imposta no número anterior, o depositário que for privado da detenção
da coisa ou perturbado no exercício dos seus direitos pode usar, mesmo contra o
depositante, dos meios facultados ao possuidor nos artigos 1276º e seguintes.
ARTIGO 1189º
(Uso da coisa e
subdepósito)
O depositário não tem o
direito de usar a coisa depositada nem de a dar em depósito a outrem, se o
depositante o não tiver autorizado.
ARTIGO 1190º
(Guarda da coisa)
O depositário pode guardar
a coisa de modo diverso do convencionado, quando haja razões para supor que o
depositante aprovaria a alteração, se conhecesse as circunstâncias que a
fundamentam; mas deve participar-lhe a mudança logo que a comunicação seja
possível.
ARTIGO 1191º
(Depósito cerrado)
1. Se o depósito recair
sobre coisa encerrada nalgum invólucro ou recipiente, deve o depositário
guardá-la e restituí-la no mesmo estado, sem a devassar.
2. No caso de o invólucro
ou recipiente ser violado, presume-se que na violação houve culpa do
depositário; e, se este não ilidir a presunção, presumir-se-á verdadeira a
descrição feita pelo depositante.
ARTIGO 1192º
(Restituição da coisa)
1. O depositário não pode
recusar a restituição ao depositante com o fundamento de que este não é
proprietário da coisa nem tem sobre ela outro direito.
2. Se, porém, for proposta
por terceiro acção de reivindicação contra o depositário, este, enquanto não
for julgada definitivamente a acção, só pode liberar-se da obrigação de
restituir consignando em depósito a coisa.
3. Se chegar ao
conhecimento do depositário que a coisa provém de crime, deve participar
imediatamente o depósito à pessoa a quem foi subtraída ou, não sabendo quem é, ao
Ministério Público; e só poderá restituir a coisa ao depositante se dentro de
quinze dias, contados da participação, ela não lhe for reclamada por quem de
direito.
ARTIGO 1193º
(Terceiro interessado no
depósito)
Se a coisa foi depositada
também no interesse de terceiro e este comunicou ao depositário a sua adesão, o
depositário não pode exonerar-se restituindo a coisa ao depositante sem
consentimento do terceiro.
ARTIGO 1194º
(Prazo de restituição)
O prazo de restituição da
coisa tem-se por estabelecido a favor do depositante; mas, sendo o depósito
oneroso, o depositante satisfará por inteiro a retribuição do depositário,
mesmo quando exija a restituição da coisa antes de findar o prazo estipulado,
salvo se para isso tiver justa causa.
ARTIGO 1195º
(Lugar de restituição)
No silêncio das partes, o
depositário deve restituir a coisa móvel no lugar onde, segundo o contrato,
tiver de a guardar.
ARTIGO 1196º
(Despesas da
restituição)
As despesas da restituição
ficam a cargo do depositante.
ARTIGO 1197º
(Responsabilidade no
caso de subdepósito)
Se o depositário,
devidamente autorizado, confiar por sua vez a coisa em depósito a terceiro, é
responsável por culpa sua na escolha dessa pessoa.
ARTIGO 1198º
(Auxiliares)
O depositário pode
socorrer-se de auxiliares no cumprimento das suas obrigações, sempre que o
contrário não resulte do conteúdo ou finalidade do depósito.
SECÇÃO III
Obrigações do
depositante
ARTIGO 1199º
(Enumeração)
O depositante é obrigado:
a) A pagar ao depositário a
retribuição devida;
b) A reembolsá-lo das
despesas que ele fundadamente tenha considerado indispensáveis para a
conservação da coisa, com juros legais desde que foram efectuadas;
c) A indemnizá-lo do
prejuízo sofrido em consequência do depósito, salvo se o depositante houver
procedido sem culpa.
ARTIGO 1200º
(Remuneração do
depositário)
1. A remuneração do
depositário, quando outra coisa se não tenha convencionado, deve ser paga no
termo do depósito; mas, se for fixada por períodos de tempo, pagar-se-á no fim
de cada um deles.
2. Findado o depósito antes
do prazo convencionado, pode o depositário exigir uma parte proporcional ao
tempo decorrido, sem prejuízo do preceituado no artigo 1194º.
ARTIGO 1201º
(Restituição da coisa)
Não tendo sido
convencionado prazo para a restituição da coisa, o depositário tem o direito de
a restituir a todo o tempo; se, porém, tiver sido convencionado prazo, só
havendo justa causa o pode fazer antes de o prazo findar.
SECÇÃO IV
Depósito de coisa
controvertida
ARTIGO 1202º
(Noção)
Se duas ou mais pessoas
disputam a propriedade de uma coisa ou outro direito sobre ela, podem por meio
de depósito entregá-la a terceiro, para que este a guarde e, resolvida a
controvérsia, a restitua à pessoa a quem se apurar que pertence.
ARTIGO 1203º
(Onerosidade do
depósito)
O depósito de coisa
controvertida presume-se oneroso.
ARTIGO 1204º
(Administração da coisa)
Salvo convenção em
contrário, cabe ao depositário a obrigação de administrar a coisa.
SECÇÃO V
Depósito irregular
ARTIGO 1205º
(Noção)
Diz-se irregular o depósito
que tem por objecto coisas fungíveis.
ARTIGO 1206º
(Regime)
Consideram-se aplicáveis ao
depósito irregular, na medida do possível, as normas relativas ao contrato de
mútuo.
CAPÍTULO XII
Empreitada
SECÇÃO I
Disposições gerais
ARTIGO 1207º
(Noção)
Empreitada é o contrato
pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra,
mediante um preço.
ARTIGO 1208º
(Execução da obra)
O empreiteiro deve executar
a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou
reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no
contrato.
ARTIGO 1209º
(Fiscalização)
1. O dono da obra pode
fiscalizar, à sua custa, a execução dela, desde que não perturbe o andamento
ordinário da empreitada.
2. A fiscalização feita
pelo dono da obra, ou por comissário, não impede aquele, findo o contrato, de
fazer valer os seus direitos contra o empreiteiro, embora sejam aparentes os
vícios da coisa ou notória a má execução do contrato, excepto se tiver havido
da sua parte concordância expressa com a obra executada.
ARTIGO 1210º
(Fornecimento dos
materiais e utensílios)
1. Os materiais e
utensílios necessários à execução da obra devem ser fornecidos pelo
empreiteiro, salvo convenção ou uso em contrário.
2. No silêncio do contrato,
os materiais devem corresponder às características da obra e não podem ser de
qualidade inferior à média.
ARTIGO 1211º
(Determinação e
pagamento do preço)
1. É aplicável à
determinação do preço, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo
883º.
2. O preço deve ser pago,
não havendo cláusula ou uso em contrário, no acto de aceitação da obra.
ARTIGO 1212º
(Propriedade da obra)
1. No caso de empreitada de
construção de coisa móvel com materiais fornecidos, no todo ou na sua maior
parte, pelo empreiteiro, a aceitação da coisa importa a transferência da
propriedade para o dono da obra; se os materiais foram fornecidos por este,
continuam a ser propriedade dele, assim como é propriedade sua a coisa logo que
seja concluída.
2. No caso de empreitada de
construção de imóveis, sendo o solo ou a superfície pertença do dono da obra, a
coisa é propriedade deste, ainda que seja o empreiteiro quem fornece os
materiais; estes consideram-se adquiridos pelo dono da obra à medida que vão
sendo incorporados no solo.
ARTIGO 1213º
(Subempreitada)
1. Subempreitada é o
contrato pelo qual um terceiro se obriga para com o empreiteiro a realizar a
obra a que este se encontra vinculado, ou uma parte dela.
2. É aplicável à
subempreitada, assim como ao concurso de auxiliares na execução da empreitada,
o disposto no artigo 264º, com as necessárias adaptações.
SECÇÃO II
Alterações e obras novas
ARTIGO 1214º
(Alterações da
iniciativa do empreiteiro)
1. O empreiteiro não pode,
sem autorização do dono da obra, fazer alterações ao plano convencionado.
2. A obra alterada sem
autorização é havida como defeituosa; mas, se o dono quiser aceitá-la tal como
foi executada, não fica obrigado a qualquer suplemento de preço nem a
indemnização por enriquecimento sem causa.
3. Se tiver sido fixado
para a obra um preço global e a autorização não tiver sido dada por escrito com
fixação do aumento de preço, o empreiteiro só pode exigir do dono da obra uma
indemnização correspondente ao enriquecimento deste.
ARTIGO 1215º
(Alterações necessárias)
1. Se, para execução da
obra, for necessário, em consequência de direitos de terceiro ou de regras
técnicas, introduzir alterações ao plano convencionado, e as partes não vierem
a acordo, compete ao tribunal determinar essas alterações e fixar as
correspondentes modificações quanto ao preço e prazo de execução.
2. Se, em consequência das
alterações, o preço for elevado em mais de vinte por cento, o empreiteiro pode
denunciar o contrato e exigir uma indemnização equitativa.
ARTIGO 1216º
(Alterações exigidas
pelo dono da obra)
1. O dono da obra pode
exigir que sejam feitas alterações ao plano convencionado, desde que o seu
valor não exceda a quinta parte do preço estipulado e não haja modificação da
natureza da obra.
2. O empreiteiro tem
direito a um aumento do preço estipulado, correspondente ao acréscimo de
despesa e trabalho, e a um prolongamento do prazo para a execução da obra.
3. Se das alterações
introduzidas resultar uma diminuição de custo ou de trabalho, o empreiteiro tem
direito ao preço estipulado, com dedução do que, em consequência das
alterações, poupar em despesas ou adquirir por outras aplicações da sua
actividade.
ARTIGO 1217º
(Alterações posteriores
à entrega e obras novas)
1. Não é aplicável o
disposto nos artigos precedentes às alterações feitas depois da entrega da
obra, nem às obras que tenham autonomia em relação às previstas no contrato.
2. O dono da obra tem o
direito de recusar as alterações e as obras referidas no número anterior, se as
não tiver autorizado; pode, além disso, exigir a sua eliminação, se esta for
possível, e, em qualquer caso, uma indemnização pelo prejuízo, nos termos
gerais.
SECÇÃO III
Defeitos da obra
ARTIGO 1218º
(Verificação da obra)
1. O dono da obra deve
verificar, antes de a aceitar, se ela se encontra nas condições convencionadas
e sem vícios.
2. A verificação deve ser
feita dentro do prazo usual ou , na falta de uso, dentro do período que se
julgue razoável depois de o empreiteiro colocar o dono da obra em condições de
a poder fazer.
3. Qualquer das partes tem
o direito de exigir que a verificação seja feita, à sua custa, por peritos.
4. Os resultados da
verificação devem ser comunicados ao empreiteiro.
5. A falta da verificação
ou da comunicação importa aceitação da obra.
ARTIGO 1219º
(Casos de
irresponsabilidade do empreiteiro)
1. O empreiteiro não
responde pelos defeitos da obra, se o dono a aceitou sem reserva, com
conhecimento deles.
2. Presumem-se conhecidos
os defeitos aparentes, tenha ou não havido verificação da obra.
ARTIGO 1220º
(Denúncia dos defeitos)
1. O dono da obra deve, sob
pena de caducidade dos direitos conferidos nos artigos seguintes, denunciar ao
empreiteiro os defeitos da obra dentro dos trinta dias seguintes ao seu
descobrimento.
2. Equivale à denúncia o
reconhecimento, por parte do empreiteiro, da existência do defeito.
ARTIGO 1221º
(Eliminação dos
defeitos)
1. Se os defeitos puderem
ser suprimidos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua
eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono pode exigir nova construção.
2. Cessam os direitos conferidos
no número anterior, se as despesas forem desproporcionadas em relação ao
proveito.
ARTIGO 1222º
(Redução do preço e
resolução do contrato)
1. Não sendo eliminados os
defeitos ou construída de novo a obra, o dono pode exigir a redução do preço ou
a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que
se destina.
2. A redução do preço é
feita nos termos do artigo 884º.
ARTIGO 1223º
(Indemnização)
O exercício dos direitos
conferidos nos artigos antecedentes não exclui o direito a ser indemnizado nos
termos gerais.
ARTIGO 1224º
(Caducidade)
1. Os direitos de
eliminação dos defeitos, redução do preço, resolução do contrato e indemnização
caducam, se não forem exercidos dentro de um ano a contar da recusa da
aceitação da obra ou da aceitação com reserva, sem prejuízo da caducidade
prevista no artigo 1220º.
2. Se os defeitos eram
desconhecidos do dono da obra e este a aceitou, o prazo de caducidade conta-se
a partir da denúncia; em nenhum caso, porém, aqueles direitos podem ser exercidos
depois de decorrerem dois anos sobre a entrega da obra.
ARTIGO 1225º
(Imóveis destinados a
longa duração)
1. Sem prejuízo do disposto
nos artigos 1219º e seguintes, se a empreitada tiver por objecto a construção,
modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua
natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no
decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da
construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos,
ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável
pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente.
2. A denúncia, em qualquer
dos casos, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser
pedida no ano seguinte à denúncia.
3. Os prazos previstos no
número anterior são igualmente aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos,
previstos no artigo 1221º.
4. O disposto nos números
anteriores é aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado
ou reparado.
(Redacção do Dec.-Lei
267/94, de 25-10)
ARTIGO 1226º
(Responsabilidade dos
subempreiteiros)
O direito de regresso do
empreiteiro contra os subempreiteiros quanto aos direitos conferidos nos
artigos anteriores caduca, se não lhes for comunicada a denúncia dentro dos
trinta dias seguintes à sua recepção.
SECÇÃO IV
Impossibilidade de
cumprimento e risco pela perda ou deterioração da obra
ARTIGO 1227º
(Impossibilidade de
execução da obra)
Se a execução da obra se
tornar impossível por causa não imputável a qualquer das partes, é aplicável o
disposto no artigo 790º; tendo, porém, havido começo de execução, o dono da
obra é obrigado a indemnizar o empreiteiro do trabalho executado e das despesas
realizadas.
ARTIGO 1228º
(Risco)
1. Se, por causa não
imputável a qualquer das partes, a coisa perecer ou se deteriorar, o risco
corre por conta do proprietário.
2. Se, porém, o dono da
obra estiver em mora quanto à verificação ou aceitação da coisa, o risco corre
por conta dele.
SECÇÃO V
Extinção do contrato
ARTIGO 1229º
(Desistência do dono da
obra)
O dono da obra pode
desistir da empreitada a todo o tempo, ainda que tenha sido iniciada a sua
execução contanto que indemnize o empreiteiro dos seus gastos e trabalho e do
proveito que poderia tirar da obra.
ARTIGO 1230º
(Morte ou incapacidade
das partes)
1. O contrato de empreitada
não se extingue por morte do dono da obra, nem por morte ou incapacidade do
empreiteiro, a não ser que, neste último caso, tenham sido tomadas em conta, no
acto da celebração, as qualidades pessoais deste.
2. Extinto o contrato por
morte ou incapacidade do empreiteiro, considera-se a execução da obra como
impossível por causa não imputável a qualquer das partes.
CAPÍTULO XIII
Renda perpétua
ARTIGO 1231º
(Noção)
Contrato de renda perpétua
é aquele em que uma pessoa aliena em favor de outra certa soma de dinheiro, ou
qualquer outra coisa móvel ou imóvel, ou um direito, e a segunda se obriga, sem
limite de tempo, a pagar, como renda, determinada quantia em dinheiro ou outra
coisa fungível.
ARTIGO 1232º
(Forma)
A renda perpétua só é
válida se for constituída por escritura pública.
ARTIGO 1233º
(Caução)
O devedor da renda é
obrigado a caucionar o cumprimento da obrigação.
ARTIGO 1234º
(Exclusão do direito de
acrescer)
Não há na renda perpétua
direito de acrescer entre os beneficiários.
ARTIGO 1235º
(Resolução do contrato)
Ao beneficiário da renda é
permitido resolver o contrato, quando o devedor se constitua em mora quanto às
prestações correspondentes a dois anos, ou se verifique algum dos casos
previstos no artigo 780º.
ARTIGO 1236º
(Remição)
1. O devedor pode a todo o
tempo remir a renda, mediante o pagamento da importância em dinheiro que
represente a capitalização da mesma, à taxa legal de juros.
2. O direito de remição é
irrenunciável, mas é lícito estipular-se que não possa ser exercido em vida do
primeiro beneficiário ou dentro de certo prazo não superior a vinte anos.
ARTIGO 1237º
(Juros)
A renda perpétua fica
sujeita às disposições legais sobre juros, no que for compatível com a sua
natureza e com o preceituado nos artigos antecedentes.
CAPÍTULO XIV
Renda vitalícia
ARTIGO 1238º
(Noção)
Contrato de renda vitalícia
é aquele em que uma pessoa aliena em favor de outra certa soma de dinheiro, ou
qualquer outra coisa móvel ou imóvel, ou um direito, e a segunda se obriga a
pagar certa quantia em dinheiro ou outra coisa fungível durante a vida do
alienante ou de terceiro.
ARTIGO 1239º
(Forma)
Sem prejuízo da aplicação
das regras especiais de forma quanto à alienação da coisa ou do direito, a
renda vitalícia deve ser constituída por documento escrito, sendo necessária
escritura pública se a coisa ou o direito alienado for de valor igual ou
superior a 3 000 000$.
(Redacção do Dec.-Lei
163/95, de 13-7)
ARTIGO 1240º
(Duração da renda)
A renda pode ser
convencionada por uma ou duas vidas.
ARTIGO 1241º
(Direito de acrescer)
No silêncio do contrato,
sendo dois ou mais os beneficiários da renda, e falecendo algum deles, a sua
parte acresce à dos outros.
ARTIGO 1242º
(Resolução do contrato)
Ao beneficiário da renda
vitalícia é lícito resolver o contrato nos mesmos termos em que é permitida a
resolução da renda perpétua ao respectivo beneficiário.
ARTIGO 1243º
(Remição)
O devedor só pode remir a
renda, com reembolso do que tiver recebido e perda das prestações já
efectuadas, se assim se tiver convencionado.
ARTIGO 1244º
(Prestações antecipadas)
Se as prestações se vencem
antecipadamente, a última é devida por inteiro, ainda que o beneficiário faleça
antes de completado o período respectivo.
CAPÍTULO XV
Jogo e aposta
ARTIGO 1245º
(Nulidade do contrato)
O jogo e a aposta não são
contratos válidos nem constiuem fonte de obrigações civis; porém, quando
lícitos, são fonte de obrigações naturais, excepto se neles concorrer qualquer
outro motivo de nulidade ou anulabilidade, nos termos gerais de direito, ou se
houver fraude do credor na sua execução.
ARTIGO 1246º
(Competições
desportivas)
Exceptuam-se do disposto no
artigo anterior as competições desportivas, com relação às pessoas que nelas
tomarem parte.
ARTIGO 1247º
(Legislação especial)
Fica ressalvada a
legislação especial sobre a matéria de que trata este capítulo.
CAPÍTULO XVI
Transacção
ARTIGO 1248º
(Noção)
1. Transacção é o contrato
pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas
concessões.
2. As concessões podem
envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do
direito controvertido.
ARTIGO 1249º
(Matérias insusceptíveis
de transacção)
As partes não podem
transigir sobre direitos de que lhes não é permitido dispor, nem sobre questões
respeitantes a negócios jurídicos ilícitos.
ARTIGO 1250º
(Forma)
A transacção preventiva ou
extrajudicial constará de escritura pública quando dela possa derivar algum
efeito para o qual a escritura seja exigida, e constará de documento escrito
nos casos restantes.
LIVRO III
DIREITO DAS COISAS
TÍTULO I
DA POSSE
CAPÍTULO I
Disposições gerais
ARTIGO 1251º
(Noção)
Posse é o poder que se
manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito
de propriedade ou de outro direito real.
ARTIGO 1252º
(Exercício da posse por
intermediário)
1. A posse tanto pode ser
exercida pessoalmente como por intermédio de outrem.
2. Em caso de dúvida,
presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto, sem prejuízo do
disposto no nº 2 do artigo 1257º.
ARTIGO 1253º
(Simples detenção)
São havidos como detentores
ou possuidores precários:
a) Os que exercem o poder
de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito;
b) Os que simplesmente se
aproveitam da tolerância do titular do direito;
c) Os representantes ou
mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de
outrem.
ARTIGO 1254º
(Presunções de posse)
1. Se o possuidor actual
possuiu em tempo mais remoto, presume-se que possuiu igualmente no tempo
intermédio.
2. A posse actual não faz
presumir a posse anterior, salvo quando seja titulada; neste caso, presume-se
que há posse desde a data do título.
ARTIGO 1255º
(Sucessão na posse)
Por morte do possuidor, a
posse continua nos seus sucessores desde o momento da morte, independentemente
da apreensão material da coisa.
ARTIGO 1256º
(Acessão da posse)
1. Aquele que houver
sucedido na posse de outrem por título diverso da sucessão por morte pode
juntar à sua a posse do antecessor.
2. Se, porém, a posse do
antecessor for de natureza diferente da posse do sucessor, a acessão só se dará
dentro dos limites daquela que tem menor âmbito.
ARTIGO 1257º
(Conservação da posse)
1. A posse mantém-se
enquanto durar a actuação correspondente ao exercício do direito ou a
possibilidade de a continuar.
2. Presume-se que a posse
continua em nome de quem a começou.
CAPÍTULO II
Caracteres da posse
ARTIGO 1258º
(Espécies de posse)
A posse pode ser titulada
ou não titulada, de boa ou de má fé, pacífica ou violenta, pública ou oculta.
ARTIGO 1259º
(Posse titulada)
1. Diz-se titulada a posse
fundada em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente, quer do
direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico.
2. O título não se presume,
devendo a sua existência ser provada por aquele que o invoca.
ARTIGO 1260º
(Posse de boa fé)
1. A posse diz-se de boa
fé, quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem.
2. A posse titulada
presume-se de boa fé, e a não titulada, de má fé.
3. A posse adquirida por
violência é sempre considerada de má fé, mesmo quando seja titulada.
ARTIGO 1261º
(Posse pacífica)
1. Posse pacífica é a que
foi adquirida sem violência.
2. Considera-se violenta a
posse quando, para obtê-la, o possuidor usou de coacção física, ou de coacção
moral nos termos do artigo 255º.
ARTIGO 1262º
(Posse pública)
Posse pública é a que se
exerce de modo a poder ser conhecida pelos interessados.
CAPÍTULO III
Aquisição e perda da
posse
ARTIGO 1263º
(Aquisição da posse)
A posse adquire-se:
a) Pela prática reiterada,
com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito;
b) Pela tradição material
ou simbólica da coisa, efectuada pelo anterior possuidor;
c) Por constituto
possessório;
d) Por inversão do título
da posse.
ARTIGO 1264º
(Constituto possessório)
1. Se o titular do direito
real, que está na posse da coisa, transmitir esse direito a outrem, não deixa
de considerar-se transferida a posse para o adquirente, ainda que, por qualquer
causa, aquele continue a deter a coisa.
2. Se o detentor da coisa,
à data do negócio translativo do direito, for um terceiro, não deixa de
considerar-se igualmente transferida a posse, ainda que essa detenção haja de
continuar.
ARTIGO 1265º
(Inversão do título da posse)
A inversão do título da
posse pode dar-se por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo
nome possuía ou por acto de terceiro capaz de transferir a posse.
ARTIGO 1266º
(Capacidade para
adquirir a posse)
Podem adquirir posse todos
os que têm uso da razão, e ainda os que o não têm, relativamente às coisas
susceptíveis de ocupação.
ARTIGO 1267º
(Perda da posse)
1. O possuidor perde a
posse:
a) Pelo abandono;
b) Pela perda ou destruição
material da coisa ou por esta ser posta fora do comércio;
c) Pela cedência;
d) Pela posse de outrem,
mesmo contra a vontade do antigo possuidor, se a nova posse houver durado por
mais de um ano.
2. A nova posse de outrem
conta-se desde o seu início, se foi tomada publicamente, ou desde que é
conhecida do esbulhado, se foi tomada ocultamente; sendo adquirida por
violência, só se conta a partir da cessação desta.
CAPÍTULO IV
Efeitos da posse
ARTIGO 1268º
(Presunção da
titularidade do direito)
1. O possuidor goza da
presunção da titularidade do direito excepto se existir, a favor de outrem,
presunção fundada em registo anterior ao início da posse.
2. Havendo concorrência de
presunções legais fundadas em registo, será a prioridade entre elas fixada na
legislação respectiva.
ARTIGO 1269º
(Perda ou deterioração
da coisa)
O possuidor de boa fé só
responde pela perda ou deterioração da coisa se tiver procedido com culpa.
ARTIGO 1270º
(Frutos na posse de boa
fé)
1. O possuidor de boa fé
faz seus os frutos naturais percebidos até ao dia em que souber que está a
lesar com a sua posse o direito de outrem, e os frutos civis correspondentes ao
mesmo período.
2. Se ao tempo em que cessa
a boa fé estiverem pendentes frutos naturais, é o titular obrigado a indemnizar
o possuidor das despesas de cultura, sementes ou matérias-primas e, em geral,
de todas as despesas de produção, desde que não sejam superiores ao valor dos
frutos que vierem a ser colhidos.
3. Se o possuidor tiver
alienado frutos antes da colheita e antes de cessar a boa fé, a alienação
subsiste mas o produto da colheita pertence ao titular do direito, deduzida a
indemnização a que o número anterior se refere.
ARTIGO 1271º
(Frutos na posse de má
fé)
O possuidor de má fé deve
restituir os frutos que a coisa produziu até ao termo da posse e responde, além
disso, pelo valor daqueles que um proprietário diligente poderia ter obtido.
ARTIGO 1272º
(Encargos)
Os encargos com a coisa são
pagos pelo titular do direito e pelo possuidor, na medida dos direitos de cada
um deles sobre os frutos no período a que respeitam os encargos.
ARTIGO 1273º
(Benfeitorias
necessárias e úteis)
1. Tanto o possuidor de boa
fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias
que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na
coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela.
2. Quando, para evitar o
detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará
o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do
enriquecimento sem causa.
ARTIGO 1274º
(Compensação de
benfeitorias com deteriorações)
A obrigação de indemnização
por benfeitorias é susceptível de compensação com a responsabilidade do
possuidor por deteriorações.
ARTIGO 1275º
(Benfeitorias
voluptuárias)
1. O possuidor de boa fé
tem direito a levantar as benfeitorias voluptuárias, não se dando detrimento da
coisa; no caso contrário, não pode levantá-las nem haver o valor delas.
2. O possuidor de má fé
perde, em qualquer caso, as benfeitorias voluptuárias que haja feito.
CAPÍTULO V
Defesa da posse
ARTIGO 1276º
(Acção de prevenção)
Se o possuidor tiver justo
receio de ser perturbado ou esbulhado por outrem, será o autor da ameaça, a
requerimento do ameaçado, intimado para se abster de lhe fazer agravo, sob pena
de multa e responsabilidade pelo prejuízo que causar.
ARTIGO 1277º
(Acção directa e defesa
judicial)
O possuidor que for
perturbado ou esbulhado pode manter-se ou restituir-se por sua própria força e
autoridade, nos termos do artigo 336º, ou recorrer ao tribunal para que este
lhe mantenha ou restitua a posse.
ARTIGO 1278º
(Manutenção e
restituição da posse)
1. No caso de recorrer ao
tribunal, o possuidor perturbado ou esbulhado será mantido ou restituído
enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito.
2. Se a posse não tiver mais
de um ano, o possuidor só pode ser mantido ou restituído contra quem não tiver
melhor posse.
3. É melhor posse a que for
titulada; na falta de título, a mais antiga; e, se tiverem igual antiguidade, a
posse actual.
ARTIGO 1279º
(Esbulho violento)
Sem prejuízo do disposto
nos artigos anteriores, o possuidor que for esbulhado com violência tem o
direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do
esbulhador.
ARTIGO 1280º
(Exclusão das servidões
não aparentes)
As acções mencionadas nos
artigos anteriores não são aplicáveis à defesa das servidões não aparentes,
salvo quando a posse se funde em título provindo do proprietário do prédio
serviente ou de quem lho transmitiu.
ARTIGO 1281º
(Legitimidade)
1. A acção de manutenção da
posse pode ser intentada pelo perturbado ou pelos seus herdeiros, mas apenas
contra o perturbador, salva a acção de indemnização contra os herdeiros deste.
2. A acção de restituição
de posse pode ser intentada pelo esbulhado ou pelos seus herdeiros, não só
contra o esbulhador ou seus herdeiros, mas ainda contra quem esteja na posse da
coisa e tenha conhecimento do esbulho.
ARTIGO 1282º
(Caducidade)
A acção de manutenção, bem
como as de restituição da posse, caducam, se não forem intentadas dentro do ano
subsequente ao facto da turbação ou do esbulho, ou ao conhecimento dele quando
tenha sido praticado a ocultas.
ARTIGO 1283º
(Efeito da manutenção ou
restituição)
É havido como nunca
perturbado ou esbulhado o que foi mantido na sua posse ou a ela foi restituído
judicialmente.
ARTIGO 1284º
(Indemnização de
prejuízos e encargos com a restituição)
1. O possuidor mantido ou
restituído tem direito a ser indemnizado do prejuízo que haja sofrido em
consequência da turbação ou do esbulho.
2. A restituição da posse é
feita à custa do esbulhador e no lugar do esbulho.
ARTIGO 1285º
(Embargos de terceiro)
O possuidor cuja posse for
ofendida por diligência ordenada judicialmente pode defender a sua posse
mediante embargos de terceiro, nos termos definidos na lei de processo.
ARTIGO 1286º
(Defesa da composse)
1. Cada um dos
compossuidores, seja qual for a parte que lhe cabe, pode usar contra terceiro
dos meios facultados nos artigos precedentes, quer para defesa da própria
posse, quer para defesa da posse comum, sem que ao terceiro seja lícito
opor-lhe que ela não lhe pertence por inteiro.
2. Nas relações entre
compossuidores não é permitido o exercício da acção de manutenção.
3. Em tudo o mais são
aplicáveis à composse as disposições do presente capítulo.
CAPÍTULO VI
Usucapião
SECÇÃO I
Disposições gerais
ARTIGO 1287º
(Noção)
A posse do direito de
propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de
tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do
direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama
usucapião.
ARTIGO 1288º
(Retroactividade da
usucapião)
Invocada a usucapião, os
seus efeitos retrotraem-se à data do início da posse.
ARTIGO 1289º
(Capacidade para
adquirir)
1. A usucapião aproveita a
todos os que podem adquirir.
2. Os incapazes podem
adquirir por usucapião, tanto por si como por intermédio das pessoas que
legalmente os representam.
ARTIGO 1290º
(Usucapião em caso de
detenção)
Os detentores ou
possuidores precários não podem adquirir para si, por usucapião, o direito possuído,
excepto achando-se invertido o título da posse; mas, neste caso, o tempo
necessário para a usucapião só começa a correr desde a inversão do título.
ARTIGO 1291º
(Usucapião por
compossuidor)
A usucapião por um
compossuidor relativamente ao objecto da posse comum aproveita igualmente aos
demais compossuidores.
ARTIGO 1292º
(Aplicação das regras da
prescrição)
São aplicáveis à usucapião,
com as necessárias adaptações, as disposições relativas à suspensão e
interrupção da prescrição, bem como o preceituado nos artigos 300º, 302º, 303º
e 305º.
SECÇÃO II
Usucapião de imóveis
ARTIGO 1293º
(Direitos excluídos)
Não podem adquirir-se por
usucapião:
a) As servidões prediais
não aparentes;
b) Os direitos de uso e de
habitação.
ARTIGO 1294º
(Justo título e registo)
Havendo título de aquisição
e registo deste, a usucapião tem lugar:
a) Quando a posse, sendo de
boa fé, tiver durado por dez anos, contados desde a data do registo;
b) Quando a posse, ainda
que de má fé, houver durado quinze anos, contados da mesma data.
ARTIGO 1295º
(Registo da mera posse)
1. Não havendo registo do
título de aquisição, mas registo da mera posse, a usucapião tem lugar:
a) Se a posse tiver
continuado por cinco anos, contados desde a data do registo, e for de boa fé;
b) Se a posse tiver continuado
por dez anos, a contar da mesma data, ainda que não seja de boa fé.
2. A mera posse só será
registada em vista de sentença passada em julgado, na qual se reconheça que o
possuidor tem possuído pacífica e publicamente por tempo não inferior a cinco
anos.
ARTIGO 1296º
(Falta de registo)
Não havendo registo do
título nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de quinze anos,
se a posse for de boa fé, e de vinte anos, se for de má fé.
ARTIGO 1297º
(Posse violenta ou
oculta)
Se a posse tiver sido
constituída com violência ou tomada ocultamente, os prazos da usucapião só
começam a contar-se desde que cesse a violência ou a posse se torne pública.
SECÇÃO III
Usucapião de móveis
ARTIGO 1298º
(Coisas sujeitas a
registo)
Os direitos reais sobre coisas
móveis sujeitas a registo adquirem-se por usucapião, nos termos seguintes:
a) Havendo título de
aquisição e registo deste, quando a posse tiver durado dois anos, estando o
possuidor de boa fé, ou quatro anos, se estiver de má fé;
b) Não havendo registo,
quando a posse tiver durado dez anos, independentemente da boa fé do possuidor
e da existência de título.
ARTIGO 1299º
(Coisas não sujeitas a
registo)
A usucapião de coisas não
sujeitas a registo dá-se quando a posse, de boa fé e fundada em justo título,
tiver durado três anos, ou quando, independentemente da boa fé e de título,
tiver durado seis anos.
ARTIGO 1300º
(Posse violenta ou
oculta)
1. É aplicável à usucapião
de móveis o disposto no artigo 1297º.
2. Se, porém, a coisa
possuída passar a terceiro de boa fé antes da cessação da violência ou da
publicidade da posse, pode o interessado adquirir direitos sobre ela passados
quatros anos desde a constituição da sua posse, se esta for titulada, ou sete,
na falta de título.
ARTIGO 1301º
(Coisa comprada a
comerciante)
O que exigir de terceiro
coisa por este comprada, de boa fé, a comerciante que negoceie em coisa do
mesmo ou semelhante género é obrigado a restituir o preço que o adquirente
tiver dado por ela, mas goza do direito de regresso contra aquele que
culposamente deu causa ao prejuízo.
TÍTULO II
DO DIREITO DE
PROPRIEDADE
CAPÍTULO I
Propriedade em geral
SECÇÃO I
Disposições gerais
ARTIGO 1302º
(Objecto do direito de
propriedade)
Só as coisas corpóreas,
móveis ou imóveis, podem ser objecto do direito de propriedade regulado neste
código.
ARTIGO 1303º
(Propriedade
intelectual)
1. Os direitos de autor e a
propriedade industrial estão sujeitos a legislação especial.
2. São, todavia,
subsidiariamente aplicáveis aos direitos de autor e à propriedade industrial as
disposições deste código, quando se harmonizem com a natureza daqueles direitos
e não contrariem o regime para eles especialmente estabelecido.
ARTIGO 1304º
(Domínio do Estado e de
outras pessoas colectivas públicas)
O domínio das coisas
pertencentes ao Estado ou a quaisquer outras pessoas colectivas públicas está
igualmente sujeito às disposições deste código em tudo o que não for
especialmente regulado e não contrarie a natureza própria daquele domínio.
ARTIGO 1305º
(Conteúdo do direito de
propriedade)
O proprietário goza de modo
pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe
pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela
impostas.
ARTIGO 1306º
(«Numerus clausus»)
1. Não é permitida a constituição,
com carácter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras
parcelares deste direito senão nos casos previstos na lei; toda a restrição
resultante de negócio jurídico, que não esteja nestas condições, tem natureza
obrigacional.
2. O quinhão e o compáscuo
constituídos até à entrada em vigor deste código ficam sujeitos à legislação
anterior.
ARTIGO 1307º
(Propriedade resolúvel e
temporária)
1. O direito de propriedade
pode constituir-se sob condição.
2. A propriedade temporária
só é admitida nos casos especialmente previstos na lei.
3. À propriedade sob
condição é aplicável o disposto nos artigos 272º a 277º.
ARTIGO 1308º
(Expropriações)
Ninguém pode ser privado,
no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos fixados na
lei.
ARTIGO 1309º
(Requisições)
Só nos casos previstos na
lei pode ter lugar a requisição temporária de coisas do domínio privado.
ARTIGO 1310º
(Indemnizações)
Havendo expropriação por
utilidade pública ou particular ou requisição de bens, é sempre devida a
indemnização adequada ao proprietário e aos titulares dos outros direitos reais
afectados.
SECÇÃO II
Defesa da propriedade
ARTIGO 1311º
(Acção de reivindicação)
1. O proprietário pode
exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o
reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que
lhe pertence.
2. Havendo reconhecimento
do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos
previstos na lei.
ARTIGO 1312º
(Encargos com a
restituição)
A restituição da coisa é
feita à custa do esbulhador, se o houver, e no lugar do esbulho.
ARTIGO 1313º
(Imprescritibilidade da
acção de reivindicação)
Sem prejuízo dos direitos
adquiridos por usucapião, a acção de reivindicação não prescreve pelo decurso
do tempo.
ARTIGO 1314º
(Acção directa)
É admitida a defesa da
propriedade por meio de acção directa, nos termos do artigo 336º.
ARTIGO 1315º
(Defesa de outros
direitos reais)
As disposições precedentes
são aplicáveis, com as necessárias correcções, à defesa de todo o direito real.
CAPÍTULO II
Aquisição da propriedade
SECÇÃO I
Disposições gerais
ARTIGO 1316º
(Modos de aquisição)
O direito de propriedade
adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e
demais modos previstos na lei.
ARTIGO 1317º
(Momento da aquisição)
O momento da aquisição do
direito de propriedade é:
a) No caso de contrato, o
designado nos artigos 408º e 409º;
b) No caso de sucessão por
morte, o da abertura da sucessão;
c) No caso de usucapião, o
do início da posse;
d) Nos casos de ocupação e
acessão, o da verificação dos factos respectivos.
SECÇÃO II
Ocupação
ARTIGO 1318º
(Coisas susceptíveis de
ocupação)
Podem ser adquiridos por
ocupação os animais e outras coisas móveis que nunca tiveram dono, ou foram
abandonados, perdidos ou escondidos pelos seus proprietários, salvas as
restrições dos artigos seguintes.
ARTIGO 1319º
(Caça e pesca)
A ocupação dos animais
bravios que se encontram no seu estado de liberdade natural é regulada por
legislação especial.
ARTIGO 1320º
(Animais selvagens com
guarida própria)
1. Os animais bravios
habituados a certa guarida, ordenada por indústria do homem, que mudem para
outra guarida de diverso dono ficam pertencendo a este, se não puderem ser
individualmente reconhecidos; no caso contrário, pode o antigo dono
recuperá-los, contanto que o faça sem prejuízo do outro.
2. Provando-se, porém, que
os animais foram atraídos por fraude ou artifício do dono da guarida onde se
hajam acolhido, é este obrigado a entregá-los ao antigo dono, ou a pagar-lhe em
triplo o valor deles, se lhe não for possível restituí-los.
ARTIGO 1321º
(Animais ferozes
fugidos)
Os animais ferozes e
maléficos que se evadirem da clausura em que o seu dono os tiver podem ser
destruídos ou ocupados livremente por qualquer pessoa que os encontre.
ARTIGO 1322º
(Enxames de abelhas)
1. O proprietário de enxame
de abelhas tem o direito de o perseguir e capturar em prédio alheio, mas é
responsável pelos danos que causar.
2. Se o dono da colmeia não
perseguir o enxame logo que saiba terem as abelhas enxameado, ou se decorrerem
dois dias sem que o enxame tenha sido capturado, pode ocupá-lo o proprietário
do prédio onde ele se encontre, ou consentir que outrem o ocupe.
ARTIGO 1323º
(Animais e coisas móveis
perdidas)
1. Aquele que encontrar animal
ou outra coisa móvel perdida e souber a quem pertence deve restituir o animal
ou a coisa a seu dono, ou avisar este do achado; se não souber a quem pertence,
deve anunciar o achado pelo modo mais conveniente, atendendo ao valor da coisa
e às possibilidades locais, ou avisar as autoridades, observando os usos da
terra, sempre que os haja.
2. Anunciado o achado, o
achador faz sua a coisa perdida, se não for reclamada pelo dono dentro do prazo
de um ano, a contar do anúncio ou aviso.
3. Restituída a coisa, o
achador tem direito à indemnização do prejuízo havido e das despesas
realizadas, bem como a um prémio dependente do valor do achado no momento da
entrega, calculado pela forma seguinte: até ao valor de mil escudos, dez por
cento; sobre o excedente desse valor até cinco mil escudos, cinco por cento;
sobre o restante, dois e meio por cento.
4. O achador goza do
direito de retenção e não responde, no caso de perda ou deterioração da coisa,
senão havendo da sua parte dolo ou culpa grave.
ARTIGO 1324º
(Tesouros)
1. Se aquele que descobrir
coisa móvel de algum valor, escondida ou enterrada, não puder determinar quem é
o dono dela, torna-se proprietário de metade do achado; a outra metade pertence
ao proprietário da coisa móvel ou imóvel onde o tesouro estava escondido ou
enterrado.
2. O achador deve anunciar
o achado nos termos do nº 1 do artigo anterior, ou avisar as autoridades,
excepto quando seja evidente que o tesouro foi escondido ou enterrado há mais
de vinte anos.
3. Se o achador não cumprir
o disposto no número anterior, ou fizer seu o achado ou parte dele sabendo quem
é o dono, ou ocultar do proprietário da coisa onde ele se encontrava, perde em
benefício do Estado os direitos conferidos no nº 1 deste artigo, sem exclusão
dos que lhe possam caber como proprietário.
SECÇÃO III
Acessão
SUBSECÇÃO I
Disposições gerais
ARTIGO 1325º
(Noção)
Dá-se a acessão, quando com
a coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que lhe não
pertencia.
ARTIGO 1326º
(Espécies)
1. A acessão diz-se
natural, quando resulta exclusivamente das forças da natureza; dá-se a acessão
industrial, quando, por facto do homem, se confundem objectos pertencentes a
diversos donos, ou quando alguém aplica o trabalho próprio a matéria
pertencente a outrem, confundindo o resultado desse trabalho com propriedade
alheia.
2. A acessão industrial é
mobiliária ou imobiliária, conforme a natureza das coisas.
SUBSECÇÃO II
Acessão natural
ARTIGO 1327º
(Princípio geral)
Pertence ao dono da coisa
tudo o que a esta acrescer por efeito da natureza.
ARTIGO 1328º
(Aluvião)
1. Pertence aos donos dos
prédios confinantes com quaisquer correntes de água tudo o que, por acção das
águas, se lhes unir ou neles for depositado, sucessiva e imperceptivelmente.
2. É aplicável o disposto
no número anterior ao terreno que insensivelmente se for deslocando, por acção
das águas, de uma das margens para outra, ou de um prédio superior para outro
inferior, sem que o proprietário do terreno perdido possa invocar direitos
sobre ele.
ARTIGO 1329º
(Avulsão)
1. Se, por acção natural e
violenta, a corrente arrancar quaisquer plantas ou levar qualquer objecto ou
porção conhecida de terreno, e arrojar essas coisas sobre prédio alheio, o dono
delas tem o direito de exigir que lhe sejam entregues, contanto que o faça dentro
de seis meses, se antes não foi notificado para fazer a remoção no prazo
judicialmente assinado.
2. Não se fazendo a remoção
nos prazos designados, é aplicável o disposto no artigo anterior.
ARTIGO 1330º
(Mudança de leito)
1. Se a corrente mudar de direcção,
abandonando o leito antigo, os proprietários deste conservam o direito que
tinham sobre ele, e o dono do prédio invadido conserva igualmente a propriedade
do terreno ocupado de novo pela corrente.
2. Se a corrente se dividir
em dois ramos ou braços, sem que o leito antigo seja abandonado, é ainda
aplicável o disposto no número anterior.
ARTIGO 1331º
(Formação de ilhas e
mouchões)
1. As ilhas ou mouchões que
se formem nas correntes de água pertencem ao dono da parte do leito ocupado.
2. Se, porém, as ilhas ou
mouchões se formarem por avulsão, o proprietário do terreno onde a diminuição
haja ocorrido goza do direito de remoção nas condições prescritas pelo artigo
1329º.
ARTIGO 1332º
(Lagos e lagoas)
As disposições dos artigos
antecedentes são aplicáveis aos lagos e lagoas, quando aí ocorrerem factos
análogos.
SUBSECÇÃO III
Acessão industrial
mobiliária
ARTIGO 1333º
(União ou confusão de
boa fé)
1. Se alguém, de boa fé,
unir ou confundir objecto seu com objecto alheio, de modo que a separação deles
não seja possível ou, sendo-o, dela resulte prejuízo para alguma das partes,
faz seu o objecto adjunto o dono daquele que for de maior valor, contanto que
indemnize o dono do outro ou lhe entregue coisa equivalente.
2. Se ambas as coisas forem
de igual valor e os donos não acordarem sobre qual haja de ficar com ela,
abrir-se-á entre eles licitação, adjudicando-se o objecto licitado àquele que
maior valor oferecer por ele; verificada a soma que no valor oferecido deve
pertencer ao outro, é o adjudicatário obrigado a pagar-lha.
3. Se os interessados não
quiserem licitar, será vendida a coisa e cada um deles haverá no produto da
venda a parte que deva tocar-lhe.
4. Em qualquer dos casos
previstos nos números anteriores, o autor da confusão é obrigado a ficar com a coisa
adjunta, ainda que seja de maior valor, se o dono dela preferir a respectiva
indemnização.
ARTIGO 1334º
(União ou confusão de má
fé)
1. Se a união ou confusão
tiver sido feita de má fé e a coisa alheia puder ser separada sem padecer
detrimento, será esta restituída a seu dono, sem prejuízo do direito que este
tem de ser indemnizado do dano sofrido.
2. Se, porém, a coisa não
puder ser separada sem padecer detrimento, deve o autor da união ou confusão
restituir o valor da coisa e indemnizar o seu dono, quando este não prefira
ficar com ambas as coisas adjuntas e pagar ao autor da união ou confusão o
valor que for calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.
ARTIGO 1335º
(Confusão casual)
1. Se a adjunção ou
confusão se operar casualmente e as coisas adjuntas ou confundidas não puderem
separar-se sem detrimento de alguma delas, ficam pertencendo ao dono da mais
valiosa, que pagará o justo valor da outra; se, porém, este não quiser fazê-lo,
assiste idêntico direito ao dono da menos valiosa.
2. Se nenhum deles quiser
ficar com a coisa, será esta vendida, e cada um deles haverá a parte do preço
que lhe pertencer.
3. Se ambas as coisas forem
de igual valor, observar-se-á o disposto nos números 2 e 3 do artigo 1333º.
ARTIGO 1336º
(Especificação de boa
fé)
1. Quem de boa fé der nova
forma, por seu trabalho, a coisa móvel pertencente a outrem faz sua a coisa
transformada, se ela não puder ser restituída à primitiva forma ou não puder
sê-lo sem perda do valor criado pela especificação; neste último caso, porém,
tem o dono da matéria o direito de ficar com a coisa, se o valor da
especificação não exceder o da matéria.
2. Em ambos os casos
previstos no número anterior, o que ficar com a coisa é obrigado a indemnizar o
outro do valor que lhe pertencer.
ARTIGO 1337º
(Especificação de má fé)
Se a especificação tiver
sido feita de má fé, será a coisa especificada restituída a seu dono no estado
em que se encontrar, com indemnização dos danos, sem que o dono seja obrigado a
indemnizar o especificador, se o valor da especificação não tiver aumentado em
mais de um terço o valor da coisa especificada; se o aumento for superior, deve
o dono da coisa repor o que exceder o dito terço.
ARTIGO 1338º
(Casos de especificação)
Constituem casos de
especificação a escrita, a pintura, o desenho, a fotografia, a impressão, a
gravura e outros actos semelhantes, feitos com utilização de materiais alheios.
SUBSECÇÃO IV
Acessão industrial
imobiliária
ARTIGO 1339º
(Obras, sementeiras ou
plantações com materiais alheios)
Aquele que em terreno seu
construir obra ou fizer sementeira ou plantação com materiais, sementes ou
plantas alheias adquire os materiais, sementes ou plantas que utilizou, pagando
o respectivo valor, além da indemnização a que haja lugar.
ARTIGO 1340º
(Obras, sementeiras ou
plantações feitas de boa fé em terreno alheio)
1. Se alguém, de boa fé,
construir obra em terreno alheio, ou nele fizer sementeira ou plantação, e o
valor que as obras, sementeiras ou plantações tiverem trazido à totalidade do
prédio for maior do que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação
adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras,
sementeiras ou plantações.
2. Se o valor acrescentado
for igual, haverá licitação entre o antigo dono e o autor da incorporação, pela
forma estabelecida no nº 2 do artigo 1333º.
3. Se o valor acrescentado
for menor, as obras, sementeiras ou plantações pertencem ao dono do terreno,
com obrigação de indemnizar o autor delas do valor que tinham ao tempo da
incorporação.
4. Entende-se que houve boa
fé, se o autor da obra, sementeira ou plantação desconhecia que o terreno era
alheio, ou se foi autorizada a incorporação pelo dono do terreno.
ARTIGO 1341º
(Obras, sementeiras ou
plantações feitas de má fé em terreno alheio)
Se a obra, sementeira ou
plantação for feita de má fé, tem o dono do terreno o direito de exigir que
seja desfeita e que o terreno seja restituído ao seu primitivo estado à custa
do autor dela, ou, se o preferir, o direito de ficar com a obra, sementeira ou
plantação pelo valor que for fixado segundo as regras do enriquecimento sem
causa.
ARTIGO 1342º
(Obras, sementeiras ou
plantações feitas com materiais alheios em terreno alheio)
1. Quando as obras,
sementeiras ou plantações sejam feitas em terreno alheio com materiais,
sementes ou plantas alheias, ao dono dos materiais, sementes ou plantas cabem
os direitos conferidos no artigo 1340º ao autor da incorporação, quer este
esteja de boa, quer de má fé.
2. Se, porém, o dono dos
materiais, sementes ou plantas tiver culpa, é-lhe aplicável o disposto no
artigo antecedente em relação ao autor da incorporação; neste caso, se o autor
da incorporação estiver de má fé, é solidária a responsabilidade de ambos, e a
divisão do enriquecimento é feita em proporção do valor dos materiais, sementes
ou plantas e da mão-de-obra.
ARTIGO 1343º
(Prolongamento de
edifício por terreno alheio)
1. Quando na construção de
um edifício em terreno próprio se ocupe, de boa fé, uma parcela de terreno
alheio, o construtor pode adquirir a propriedade do terreno ocupado, se tiverem
decorrido três meses a contar do início da ocupação, sem oposição do
proprietário, pagando o valor do terreno e reparando o prejuízo causado,
designadamente o resultante da depreciação eventual do terreno restante.
2. É aplicável o disposto
no número anterior relativamente a qualquer direito real de terceiro sobre o
terreno ocupado.
CAPÍTULO III
Propriedade de imóveis
SECÇÃO I
Disposições gerais
ARTIGO 1344º
(Limites materiais)
1. A propriedade dos
imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo,
com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou
negócio jurídico.
2. O proprietário não pode,
todavia, proibir os actos de terceiro que, pela altura ou profundidade a que
têm lugar, não haja interesse em impedir.
ARTIGO 1345º
(Coisas imóveis sem dono
conhecido)
As coisas imóveis sem dono
conhecido consideram-se do património do Estado.
ARTIGO 1346º
(Emissão de fumo,
produção de ruídos e factos semelhantes)
O proprietário de um imóvel
pode opor-se à emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, bem
como à produção de trepidações e a outros quaisquer factos semelhantes,
provenientes de prédio vizinho, sempre que tais factos importem um prejuízo
substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio
de que emanam.
ARTIGO 1347º
(Instalações
prejudiciais)
1. O proprietário não pode
construir nem manter no seu prédio quaisquer obras, instalações ou depósitos de
substâncias corrosivas ou perigosas, se for de recear que possam ter sobre o
prédio vizinho efeitos nocivos não permitidos por lei.
2. Se as obras, instalações
ou depósitos tiverem sido autorizados por entidade pública competente, ou
tiverem sido observadas as condições especiais prescritas na lei para a
construção ou manutenção deles, a sua inutilização só é admitida a partir do
momemto em que o prejuízo se torne efectivo.
3. É devida, em qualquer
dos casos, indemnização pelo prejuízo sofrido.
ARTIGO 1348º
(Escavações)
1. O proprietário tem a
faculdade de abrir no seu prédio minas ou poços e fazer escavações, desde que
não prive os prédios vizinhos do apoio necssário para evitar desmoronamentos ou
deslocações de terra.
2. Logo que venham a
padecer danos com as obras feitas, os proprietários vizinhos serão indemnizados
pelo autor delas, mesmo que tenham sido tomadas as precauções julgadas
necessárias.
ARTIGO 1349º
(Passagem forçada
momentânea)
1. Se, para reparar algum
edifício ou construção, for indispensável levantar andaime, colocar objectos
sobre prédio alheio, fazer passar por ele os materiais para a obra ou praticar
outros actos análogos, é o dono do prédio obrigado a consentir nesses actos.
2. É igualmente permitido o
acesso a prédio alheio a quem pretenda apoderar-se de coisas suas que
acidentalmente nele se encontrem; o proprietário pode impedir o acesso,
entregando a coisa ao seu dono.
3. Em qualquer dos casos
previstos neste artigo, o proprietário tem direito a ser indemnizado do
prejuízo sofrido.
ARTIGO 1350º
(Ruína de construção)
Se qualquer edifício ou
outra obra oferecer perigo de ruir, no todo ou em parte, e do desmoronamento
puderem resultar danos para o prédio vizinho, é lícito ao dono deste exigir da
pessoa responsável pelos danos, nos termos do artigo 492º, as providências necessárias
para eliminar o perigo.
ARTIGO 1351º
(Escoamento natural das
águas)
1. Os prédios inferiores
estão sujeitos a receber as águas que, naturalmente e sem obra do homem,
decorrem dos prédios superiores, assim como a terra e entulhos que elas
arrastam na sua corrente.
2. Nem o dono do prédio
inferior pode fazer obras que estorvem o escoamento, nem o dono do prédio
superior obras capazes de o agravar, sem prejuízo da possibilidade de
constituição da servidão legal de escoamento, nos casos em que é admitida.
ARTIGO 1352º
(Obras defensivas das
águas)
1. O dono do prédio onde
existam obras defensivas para conter as águas, ou onde, pela variação do curso
das águas, seja necessário construir novas obras, é obrigado a fazer reparos
precisos, ou a tolerar que os façam, sem prejuízo dele, os donos dos prédios
que padeçam danos ou estejam exposto a danos iminentes.
2. O disposto no número
anterior é aplicável, sempre que seja necessário despojar algum prédio de
materiais cuja acumulação ou queda estorve o curso das águas com prejuízo ou
risco de terceiro.
3. Todos os proprietários
que participam do benefício das obras são obrigados a contribuir para as
despesas delas, em proporção do seu interesse, sem prejuízo da responsabilidade
que recaia sobre o autor dos danos.
SECÇÃO II
Direito de demarcação
ARTIGO 1353º
(Conteúdo)
O proprietário pode obrigar
os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas
entre o seu prédio e os deles.
ARTIGO 1354º
(Modo de proceder à
demarcação)
1. A demarcação é feita de
conformidade com os títulos de cada um e, na falta de títulos suficientes, de
harmonia com a posse em que estejam os confinantes ou segundo o que resultar de
outros meios de prova.
2. Se os títulos não
determinarem os limites dos prédios ou a área pertencente a cada proprietário,
e a questão não puder ser resolvida pela posse ou por outro meio de prova, a
demarcação faz-se distribuindo o terreno em litígio por partes iguais.
3. Se os títulos indicarem
um espaço maior ou menor do que o abrangido pela totalidade do terreno,
atribuir-se-á a falta ou o acréscimo proporcionalmente à parte de cada um.
ARTIGO 1355º
(Imprescritibilidade)
O direito de demarcação é
imprescritível, sem prejuízo dos direitos adquiridos por usucapião.
SECÇÃO III
Direito da tapagem
ARTIGO 1356º
(Conteúdo)
A todo o tempo o
proprietário pode murar, valar, rodear de sebes o seu prédio, ou tapá-lo de
qualquer modo.
ARTIGO 1357º
(Valas, regueiras e
valados)
O proprietário que pretenda
abrir vala ou regueira ao redor do prédio é obrigado a deixar mota externa de
largura igual à profundidade da vala e a conformar-se com o disposto no artigo
1348º; se fizer valado, deve deixar externamente regueira ou alcorca, salvo
havendo, em qualquer dos casos, uso da terra em contrário.
ARTIGO 1358º
(Presunção de comunhão)
1. As valas, regueiras e
valados, entre prédios de diversos donos, a que faltem as condições impostas no
artigo antecedente, presumem-se comuns, não havendo sinal em contrário.
2. É sinal de que a vala ou
regueira sem mota externa não é comum o achar-se a terra da escavação ou
limpeza lançada só de um lado durante mais de um ano; neste caso, presume-se
que a vala é do proprietário de cujo lado a terra estiver.
ARTIGO 1359º
(Sebes vivas)
1. Não podem ser plantadas
sebes vivas nas estremas dos prédios sem previamente se colocarem marcos
divisórios.
2. As sebes vivas
consideram-se, em caso de dúvida, pertencentes ao proprietário que mais precisa
delas; se ambos estiverem no mesmo caso, presumem-se comuns, salvo se existir
uso da terra pelo qual se determine de outro modo a sua propriedade.
SECÇÃO IV
Construções e
edificações
ARTIGO 1360º
(Abertura de janelas,
portas, varandas e obras semelhantes)
1. O proprietário que no
seu prédio levantar edifício ou outra construção não pode abrir nela janelas ou
portas que deitem directamente sobre o prédio vizinho sem deixar entre este e
cada uma das obras o intervalo de metro e meio.
2. Igual restrição é
aplicável às varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, quando sejam
servidos de parapeitos de altura inferior a metro e meio em toda a sua extensão
ou parte dela.
3. Se os dois prédios forem
oblíquos entre si, a distância de metro e meio conta-se perpendicularmente do
prédio para onde deitam as vistas até à construção ou edifício novamente levantado;
mas, se a obliquidade for além de quarenta e cinco graus, não tem aplicação a
restrição imposta ao proprietário.
ARTIGO 1361º
(Prédios isentos da
restrição)
As restrições do artigo
precedente não são aplicáveis a prédios separados entre si por estrada,
caminho, rua, travessa ou outra passagem por terreno do domínio público.
ARTIGO 1362º
(Servidão de vistas)
1. A existência de janelas,
portas, varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, em contravenção do
disposto na lei, pode importar, nos termos gerais, a constituição da servidão
de vistas por usucapião.
2. Constituída a servidão
de vistas, por usucapião ou outro título, ao proprietário vizinho só é
permitido levantar edifício ou outra construção no seu prédio desde que deixe
entre o novo edifício ou construção e as obras mencionadas no nº 1 o espaço
mínimo de metro e meio, correpondente à extensão destas obras.
ARTIGO 1363º
(Frestas, seteiras ou
óculos para luz e ar)
1. Não se consideram
abrangidos pelas restrições da lei as frestas, seteiras ou óculos para luz e
ar, podendo o vizinho levantar a todo o tempo a sua casa ou contramuro, ainda
que vede tais aberturas.
2. As frestas, seteiras ou
óculos para luz e ar devem, todavia, situar-se pelo menos a um metro e oitenta
centímetros de altura, a contar do solo ou do sobrado, e não devem ter, numa
das suas dimensões, mais de quinze centímetros; a altura de um metro e oitenta
centímetros respeita a ambos os lados da parede ou muro onde essas aberturas se
encontram.
ARTIGO 1364º
(Janelas gradadas)
É aplicável o disposto no
nº 1 do artigo antecedente às aberturas, quaisquer que sejam as suas dimensões,
igualmente situadas a mais de um metro e oitenta centímetros do solo ou do
sobrado, com grades fixas de ferro ou outro metal, de secção não inferior a um
centímetro quadrado e cuja malha não seja superior a cinco centímetros.
ARTIGO 1365º
(Estilicídio)
1. O proprietário deve
edificar de modo que a beira do telhado ou outra cobertura não goteje sobre o
prédio vizinho, deixando um intervalo mínimo de cinco decímetros entre o prédio
e a beira, se de outro modo não puder evitá-lo.
2. Constituída por qualquer
título a servidão de estilicídio, o proprietário do prédio serviente não pode
levantar edifício ou construção que impeça o escoamento das águas, devendo realizar
as obras necessárias para que o escoamento se faça sobre o seu prédio, sem
prejuízo para o prédio dominante.
SECÇÃO V
Plantação de árvores e
arbustos
ARTIGO 1366º
(Termos em que pode ser
feita)
1. É lícita a plantação de
árvores e arbustos até à linha divisória dos prédios; mas ao dono do prédio
vizinho é permitido arrancar e cortar as raízes que se introduzirem no seu
terreno e o tronco ou ramos que sobre ele propenderem, se o dono da árvore,
sendo rogado judicialmente ou extrajudicialmente, o não fizer dentro de três
dias.
2. O disposto no número
antecedente não prejudica as restrições constantes de leis especiais relativas
à plantação ou sementeira de eucaliptos, acácias ou outras árvores igualmente
nocivas nas proximidades de terrenos cultivados, terras de regadio, nascentes
de água ou prédios urbanos, nem quaisquer outras restrições impostas por
motivos de interesse público.
ARTIGO 1367º
(Apanha de frutos)
O proprietário de árvore ou
arbusto contíguo a prédio de outrem ou com ele confinante pode exigir que o
dono do prédio lhe permita fazer a apanha dos frutos, que não seja possível
fazer do seu lado; mas é responsável pelo prejuízo que com a apanha vier a
causar.
ARTIGO 1368º
(Árvores ou arbustos
situados na linha divisória)
As árvores ou arbustos
nascidos na linha divisória de prédios pertencentes a donos diferentes
presumem-se comuns; qualquer dos consortes tem a faculdade de os arrancar, mas
o outro tem direito a haver metade do valor das árvores ou arbustos, ou metade
da lenha ou madeira que produzirem, como mais lhe convier.
ARTIGO 1369º
(Árvores ou arbustos que
sirvam de marco divisório)
Servindo a árvore ou o
arbusto de marco divisório, não pode ser cortado ou arrancado senão de comum
acordo.
SECÇÃO VI
Paredes e muros de
meação
ARTIGO 1370º
(Comunhão forçada)
1. O proprietário de prédio
confinante com parede ou muro alheio pode adquirir nele comunhão, no todo ou em
parte, quer quanto à sua extensão, quer quanto à sua altura, pagando metade do
seu valor e metade do valor do solo sobre que estiver construído.
2. De igual faculdade gozam
o superficiário e o enfiteuta.
ARTIGO 1371º
(Presunção de
compropriedade)
1. A parede ou muro
divisório entre dois edifícios presume-se comum em toda a sua altura, sendo os
edifícios iguais, e até à altura do inferior, se o não forem.
2. Os muros entre prédios
rústicos, ou entre pátios e quintais de prédios urbanos, presumem-se igualmente
comuns, não havendo sinal em contrário.
3. São sinais que excluem a
presunção de comunhão:
a) A existência de espigão
em ladeira só para um lado;
b) Haver no muro, só de um
lado, cachorros de pedra salientes encravados em toda a largura dele;
c) Não estar o prédio
contíguo igualmente murado pelos outros lados.
4. No caso da alínea a) do
número anterior, presume-se que o muro pertence ao prédio para cujo lado se
inclina a ladeira; nos outros casos, àquele de cujo lado se encontrem as
construções ou sinais mencionados.
5. Se o muro sustentar em
toda a sua largura qualquer construção que esteja só de um dos lados,
presume-se do mesmo modo que ele pertence exclusivamente ao dono da construção.
ARTIGO 1372º
(Abertura de janelas ou
frestas)
O proprietário a quem
pertença em comum alguma parede ou muro não pode abrir nele janelas ou frestas,
nem fazer outra alteração, sem consentimento do seu consorte.
ARTIGO 1373º
(Construção sobre o muro
comum)
1. Qualquer dos consortes
tem, no entanto, a faculdade de edificar sobre a parede ou muro comum e de
introduzir nele traves ou barrotes, contanto que não ultrapasse o meio da
parede ou do muro.
2. Tendo a parede ou muro
espessura inferior a cinco decímetros, não tem lugar a restrição do número
anterior.
ARTIGO 1374º
(Alçamento do muro
comum)
1. A qualquer dos consortes
é permitido alterar a parede ou muro comum, contanto que o faça à sua custa,
ficando a seu cargo todas as despesas de conservação da parte alterada.
2. Se a parede ou muro não
estiver em estado de aguentar o alçamento, o consorte que pretender levantá-lo
tem de reconstruí-lo por inteiro à sua custa e, se quiser aumentar-lhe a
espessura, é o espaço para isso necessário tomado do seu lado.
3. O consorte que não tiver
contribuído para o alçamento pode adquirir comunhão na parte aumentada, pagando
metade do valor dessa parte e, no caso de aumento de espessura, também metade
do valor do solo correspondente a esse aumento.
ARTIGO 1375º
(Reparação e
reconstrução do muro)
1. A reparação ou
reconstrução da parede ou muro comum é feita por conta dos consortes, em
proporção das suas partes.
2. Se o muro for
simplesmente de vedação, a despesa é dividida pelos consortes em partes iguais.
3. Se, além da vedação, um
dos consortes tirar do muro proveito que não seja comum ao outro, a despesa é
rateada entre eles em proporção do proveito que cada um tirar.
4. Se a ruína do muro
provier de facto do qual só um dos consortes tire proveito, só o beneficiário é
obrigado a reconstruí-lo ou repará-lo.
5. É sempre facultado ao
consorte eximir-se dos encargos de reparação ou reconstrução da parede ou muro,
renunciando ao seu direito nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 1411º.
SECÇÃO VII
Fraccionamento e
emparcelamento de prédios rústicos
ARTIGO 1376º
(Fraccionamento)
1. Os terrenos aptos para
cultura não podem fraccionar-se em parcelas de área inferior a determinada
superfície mínima, correspondente à unidade de cultura fixada para cada zona do
País; importa fraccionamento, para este efeito, a constituição de usufruto
sobre uma parcela do terreno.
2. Também não é admitido o
fraccionamento, quando dele possa resultar o encrave de qualquer das parcelas,
ainda que seja respeitada a área fixada para a unidade de cultura.
3. O preceituado neste
artigo abrange todo o terreno contíguo pertencente ao mesmo proprietário,
embora seja composto por prédios distintos.
ARTIGO 1377º
(Possibilidade do
fraccionamento)
A proibição do fraccionamento
não é aplicável:
a) A terrenos que
constituam partes componentes de prédios urbanos ou se destinem a algum fim que
não seja a cultura;
b) Se o adquirente da
parcela resultante do fraccionamento for proprietário de terreno contíguo ao
adquirido, desde que a área da parte restante do terreno fraccionado
corresponda, pelo menos, a uma unidade de cultura;
c) Se o fraccionamento
tiver por fim a desintegração de terrenos para construção ou rectificação de
estremas.
ARTIGO 1378º
(Troca de terrenos)
A troca de terrenos aptos
para cultura só é admissível:
a) Quando ambos os terrenos
tenham área igual ou superior à unidade de cultura fixada para a respectiva
zona;
b) Quando, tendo qualquer
dos terrenos àrea inferior à unidade de cultura, da permuta resulte adquirir um
dos proprietários terreno contíguo a outro que lhe pertença, em termos que lhe
permitam constituir um novo prédio com área igual ou superior àquela unidade;
c) Quando,
independentemente da área dos terrenos, ambos os permutantes adquiram terreno
confinante com prédio seu.
ARTIGO 1379º
(Sanções)
1. São anuláveis os actos
de fraccionamento ou troca contrários ao disposto nos artigos 1376º e 1378º,
bem como o fraccionamento efectuado ao abrigo da alínea c) do artigo 1377º, se
a construção não for iniciada dentro do prazo de três anos.
2. Têm legitimidade para a
acção de anulação o Ministério Público ou qualquer proprietário que goze do
direito de preferência nos termos do artigo seguinte.
3. A acção de anulação
caduca no fim de três anos, a contar da celebração do acto ou do termo do prazo
referido no nº 1.
ARTIGO 1380º
(Direito de preferência)
1. Os proprietários de
terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam
reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em
cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário
confinante.
2. Sendo vários os
proprietários com direito de preferência, cabe este direito:
a) No caso de alienação de
prédio encravado, ao proprietário que estiver onerado com a servidão de
passagem;
b) Nos outros casos, ao
proprietário que, pela preferência, obtenha a área que mais se aproxime da
unidade de cultura fixada para a respectiva zona.
3. Estando os preferentes
em igualdade de circunstâncias, abrir-se-á licitação entre eles, revertendo o
excesso para o alienante.
4. É aplicável ao direito
de preferência conferido neste artigo o disposto nos artigos 416º a 418º e
1410º, com as necessárias adaptações.
ARTIGO 1381º
(Casos em que não existe
o direito de preferência)
Não gozam do direito de
preferência os proprietários de terrenos confinantes:
a) Quando algum dos
terrenos constitua parte componente de um prédio urbano ou se destine a algum
fim que não seja a cultura;
b) Quando a alienação
abranja um conjunto de prédios que, embora dispersos, formem uma exploração
agrícola de tipo familiar.
ARTIGO 1382º
(Emparcelamento)
1. Chama-se emparcelamento
o conjunto de operações de remodelação predial destinadas a pôr termo à
fragmentação e dispersão dos prédios rústicos pertencentes ao mesmo titular,
com o fim de melhorar as condições técnicas e económicas da exploração
agrícola.
2. Os termos em que devem
ser realizadas as operações de emparcelamento são fixados em legislação
especial.
SECÇÃO VIII
Atravessadouros
ARTIGO 1383º
(Abolição dos
atravessadouros)
Consideram-se abolidos os
atravessadouros, por mais antigos que sejam, desde que não se mostrem
estabelecidos em proveito de prédios determinados, constituindo servidões.
ARTIGO 1384º
(Atravessadouros
reconhecidos)
São, porém, reconhecidos os
atravessadouros com posse imemorial, que se dirijam a ponte ou fonte de
manifesta utilidade, enquanto não existirem vias públicas destinadas à
utilização ou aproveitamento de uma ou outra, bem como os admitidos em
legislação especial.
CAPÍTULO IV
Propriedade das águas
SECÇÃO I
Disposições gerais
ARTIGO 1385º
(Classificação das
águas)
As águas são públicas ou
particulares; as primeiras estão sujeitas ao regime estabelecido em leis
especiais e as segundas às disposições dos artigos seguintes.
ARTIGO 1386º
(Águas particulares)
1. São particulares:
a) As águas que nascerem em
prédio particular e as pluviais que nele caírem, enquanto não transpuserem,
abandonadas, os limites do mesmo prédio ou daquele para onde o dono dele as
tiver conduzido, e ainda as que, ultrapassando esses limites e correndo por
prédios particulares, forem consumidas antes de se lançarem no mar ou em outra
água pública;
b) As águas subterrâneas
existentes em prédios particulares;
c) Os lagos e lagoas
existentes dentro de um prédio particular, quando não sejam alimentados por
corrente pública;
d) As águas originariamente
públicas que tenham entrado no domínio privado até 21 de Março de 1868, por
preocupação, doação régia ou concessão;
e) As águas públicas
concedidas perpetuamente para regas ou melhoramentos agrícolas;
f) As águas subterrâneas
existentes em terrenos públicos, municipais ou de freguesia, exploradas
mediante licença e destinadas a regas ou melhoramentos agrícolas.
2. Não estando fixado o
volume das águas referidas nas alíneas d), e) e f), do número anterior,
entender-se-á que há direito apenas ao caudal necessário para o fim a que as
mesmas se destinam.
ARTIGO 1387º
(Obras para
armanezamento ou derivação de águas; leito das correntes não navegáveis nem
flutuáveis)
1. São ainda particulares:
a) Os poços, galerias,
canais, levadas, aquedutos, reservatórios, albufeiras e demais obras destinadas
à captação, derivação ou armazenamento de águas públicas ou particulares;
b) O leito ou álveo das
correntes não navegáveis nem flutuáveis que atravessam terrenos particulares.
2. Entende-se por leito ou
álveo a porção do terreno que a água cobre sem transbordar para o solo natural,
habitualmente enxuto.
3. Quando a corrente passa
entre dois prédios, pertence a cada proprietário o tracto compreendido entre a
linha marginal e a linha média do leito ou álveo, sem prejuízo do disposto nos
artigos 1328º e seguintes.
4. As faces ou rampas e os
capelos dos cômoros, valados, tapadas, muros de terra, alvenaria ou
enrocamentos erguidos sobre a superfície natural do solo marginal não pertencem
ao leito ou álveo da corrente, mas fazem parte da margem.
ARTIGO 1388º
(Requisição de águas)
1. Em casos urgentes de
incêndio ou calamidade pública, as autoridades administrativas podem, sem forma
de processo nem indemnização prévia, ordenar a utilização imediata de quaisquer
águas particulares necessárias para conter ou evitar os danos.
2. Se da utilização da água
resultarem danos apreciáveis, têm os lesados direito a indemnização, paga por
aqueles em benefício de quem a água foi utilizada.
SECÇÃO II
Aproveitamento das águas
ARTIGO 1389º
(Fontes e nascentes)
O dono do prédio onde haja
alguma fonte ou nascente de água pode servir-se dela e dispor do seu uso
livremente, salvas as restrições previstas na lei e os direitos que terceiro
haja adquirido ao uso da água por título justo.
ARTIGO 1390º
(Títulos de aquisição)
1. Considera-se título
justo de aquisição da água das fontes e nascentes, conforme os casos, qualquer
meio legítimo de adquirir a propriedade de coisas imóveis ou de constituir
servidões.
2. A usucapião, porém, só é
atendida quando for acompanhada da construção de obras, visíveis e permanentes,
no prédio onde exista a fonte ou nascente, que revelem a captação e a posse da
água nesse prédio; sobre o significado das obras é admitida qualquer espécie de
prova.
3. Em caso de divisão ou
partilha de prédios sem intervenção de terceiro, a aquisição do direito de
servidão nos termos do artigo 1549º não depende da existência de sinais
reveladores da destinação do antigo proprietário.
ARTIGO 1391º
(Direitos dos prédios
inferiores)
Os donos dos prédios para
onde se derivam as águas vertentes de qualquer fonte ou nascente podem
eventualmente aproveitá-las nesses prédios; mas a privação desse uso por efeito
de novo aproveitamento que faça o proprietário da fonte ou nascente não
constitui violação de direito.
ARTIGO 1392º
(Restrições ao uso das
águas)
1. Ao proprietário da fonte
ou nascente não é lícito mudar o seu curso costumado, se os habitantes de uma
povoação ou casal há mais de cinco anos se abastecerem dela ou das suas águas
vertentes para gastos domésticos.
2. Se os habitantes da
povoação ou casal não houverem adquirido por título justo o uso das águas, o
proprietário tem direito a indemnização, que será paga, conforme os casos, pela
respectiva junta de freguesia ou pelo dono do casal.
ARTIGO 1393º
(Águas pluviais e de
lagos e lagoas)
O disposto nos artigos
antecedentes é aplicável, com as necessárias adaptações, às águas pluviais
referidas na alínea a) do nº 1 do artigo 1386º e às águas dos lagos e lagoas
compreendidas na alínea c) do mesmo número.
ARTIGO 1394º
(Águas subterrâneas)
1. É lícito ao proprietário
procurar águas subterrâneas no seu prédio, por meio de poços ordinários ou
artesianos, minas ou quaisquer escavações, contanto que não prejudique direitos
que terceiro haja adquirido por título justo.
2. Sem prejuízo do disposto
no artigo 1396º, a diminuição do caudal de qualquer água pública ou particular,
em consequência da exploração de água subterrânea, não constitui violação de
direitos de terceiro, excepto se a captação se fizer por meio de infiltrações
provocadas e não naturais.
ARTIGO 1395º
(Títulos de aquisição)
1. Consideram-se títulos
justos de aquisição das águas subterrâneas os referidos nos nº 1 e 2 do artigo
1390º.
2. A simples atribuição a
terceiro do direito de explorar águas subterrâneas não importa, para o
proprietário, privação do mesmo direito, se tal abdicação não resultar
claramente do título.
ARTIGO 1396º
(Restrições ao
aproveitamento das águas)
O proprietário que, ao
explorar águas subterrâneas, altere ou faça diminuir as águas de fonte ou
reservatório destinado a uso público é obrigado a repor as coisas no estado
anterior; não sendo isso possível, deve fornecer, para o mesmo uso, em local
apropriado, água equivalente àquela de que o público ficou privado.
ARTIGO 1397º
(Águas originariamente
públicas)
As águas referidas nas
alíneas d), e) e f) do nº 1 do artigo 1386º são inseparáveis dos prédios a que
se destinam, e o direito sobre elas caduca, revertendo as águas ao domínio
público, se forem abandonadas, ou não se fizer delas um uso proveitoso
correpondente ao fim a que eram destinadas ou para que foram concedidas.
SECÇÃO III
Condomínio das águas
ARTIGO 1398º
(Despesas de
conservação)
1. Pertencendo a água a
dois ou mais co-utentes, todos devem contribuir para as despesas necessárias ao
conveniente aproveitamento dela, na proporção do seu uso, podendo para esse fim
executar-se as obras necessárias e fazer-se os trabalhos de pesquisa indispensáveis,
quando se reconheça haver perda ou diminuição de volume ou caudal.
2. O co-utente não pode
eximir-se do encargo, renunciando ao seu direito em benefício dos outros
co-utentes, contra a vontade destes.
ARTIGO 1399º
(Divisão de águas)
A divisão das águas comuns,
quando deva realizar-se, é feita, no silêncio do título, em proporção da
superfície, necessidades e natureza da cultura dos terrenos a regar, podendo
repartir-se o caudal ou o tempo da sua utilização, como mais convier ao seu bom
aproveitamento.
ARTIGO 1400º
(Costumes na divisão de
águas)
1. As águas fruídas em
comum que, por costume seguido há mais de vinte anos, estiveram divididas ou
subordinadas a um regime estável e normal de distribuição continuam a ser
aproveitadas por essa forma, sem nova divisão.
2. A obrigatoriedade do
costume impõe-se também aos co-utentes que não sejam donos da água, sem
prejuízo dos direitos do proprietário, que pode a todo tempo desviá-la ou
reivindicá-la, se estiver a ser aproveitada por quem não tem nem adquiriu
direito a ela.
ARTIGO 1401º
(Costumes abolidos)
1. Consideram-se abolidos
no aproveitamento das águas o costume de as utilizar pelo sistema de
torna-torna ou outros semelhantes, mediante os quais a água pertença ao
primeiro ocupante, sem outra norma de distribuição que não seja o arbítrio; as
águas que assim tenham sido utilizadas consideram-se indivisas para todos os
efeitos.
2. Consideram-se igualmente
abolidos os costumes de romper ou esvaziar os açudes e diques construídos
superiormente, distraindo deles água para ser utilizada em prédios ou engenhos
inferiormente situados que não têm direito ao aproveitamento; se existir
direito ao aproveitamento, consideram-se as águas indivisas.
ARTIGO 1402º
(Interpretação dos
títulos)
Sempre que dos títulos não
resulte outro sentido, entende-se por uso contínuo o de todos os instantes; por
uso diário, o de vinte e quatro horas a contar da meia noite; por uso diurno ou
nocturno, o que medeia entre o nascer e o pôr do Sol ou vice-versa, por uso
semanal, o que principia ao meio-dia de domingo e termina à mesma hora em igual
dia da semana seguinte; por uso estival, o que começa em 1 de Abril e termina
em 1 de Outubro seguinte; por uso hibernal, o que corresponde aos outros meses
do ano.
CAPÍTULO V
Compropriedade
SECÇÃO I
Disposições gerais
ARTIGO 1403º
(Noção)
1. Exite propriedade em
comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente
titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa.
2. Os direitos dos
consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais,
embora possam ser quantitativamente diferentes; as quotas presume-se, todavia,
quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título
constitutivo.
ARTIGO 1404º
(Aplicação das regras da
compropriedade a outras formas de comunhão)
As regras da compropriedade
são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à comunhão de quaisquer outros
direitos, sem prejuízo do disposto especialmente para cada um deles.
ARTIGO 1405º
(Posição dos
comproprietários)
1. Os comproprietários
exercem, em conjunto, todos os direitos que pertecem ao proprietário singular;
separadamente, participam nas vantagens e encargos da coisa, em proporção da
suas quotas e nos termos dos artigos seguintes.
2. Cada consorte pode
reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este seja lícito opor-lhe que
ela lhe não pertence por inteiro.
SECÇÃO II
Direitos e encargos do
comproprietário
ARTIGO 1406º
(Uso da coisa comum)
1. Na falta de acordo sobre
o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela,
contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina
e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito.
2. O uso da coisa comum por
um dos comproprietários não constitui posse exclusiva ou posse de quota
superior à dele, salvo se tiver havido inversão do título.
ARTIGO 1407º
(Administração da coisa)
1. É aplicável aos
comproprietários, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 985º;
para que haja, porém, a maioria dos consortes exigida por lei, é necessário que
eles representem, pelo menos, metade do valor total das quotas.
2. Quando não seja possível
formar a maioria legal, a qualquer dos consortes é lícito recorrer ao tribunal,
que decidirá segundo juízos de equidade.
3. Os actos realizados pelo
comproprietário contra a oposição da maioria legal dos consortes são anuláveis
e tornam o autor responsável pelo prejuízo a que der causa.
ARTIGO 1408º
(Disposição e oneração
da quota)
1. O comproprietário pode
dispor de toda a sua quota na comunhão ou de parte dela, mas não pode, sem
consentimento dos restantes consortes, alienar nem onerar parte especificada da
coisa comum.
2. A disposição ou oneração
de parte especificada sem o consentimento dos consortes é havida como
disposição ou oneração de coisa alheia.
3. A disposição da quota
está sujeita à forma exigida para a disposição da coisa.
ARTIGO 1409º
(Direito de preferência)
1. O comproprietário goza
do direito de preferência e tem o primeiro lugar entre os preferentes legais no
caso de venda, ou dação em cumprimento, a estranhos da quota de qualquer dos
seus consortes.
2. É aplicável à
preferência do comproprietário, com as adaptações convenientes, o disposto nos
artigos 416º a 418º.
3. Sendo dois ou mais os
preferentes, a quota alienada é adjudicada a todos, na proporção das suas
quotas.
ARTIGO 1410º
(Acção de preferência)
1. O comproprietário a quem
se não dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento tem o direito de
haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis
meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da
alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da
acção.
2. O direito de preferência
e a respectiva acção não são prejudicados pela modificação ou distrate da
alienação, ainda que estes efeitos resultem de confissão ou transacção
judicial.
(Redacção do Dec.-Lei
68/96, de 31-5)
ARTIGO 1411º
(Benfeitorias
necessárias)
1. Os comproprietários
devem contribuir, em proporção das respectivas quotas, para as despesas
necessárias à conservação ou fruição da coisa comum, sem prejuízo da faculdade
de se eximirem do encargo renunciando ao seu direito.
2. A renúncia, porém, não é
válida sem o consentimento dos restantes consortes, quando a despesa tenha sido
anteriormente aprovada pelo interessado, e é revogável sempre que as despesas
previstas não venham a reslizar-se.
3. A renúcia do
comproprietário está sujeita à forma prescrita para a doação e aproveita a
todos os consortes, na proporção das respectivas quotas.
ARTIGO 1412º
(Direito de exigir a
divisão)
1. Nenhum dos
comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão, salvo quando se houver
convencionado que a coisa se conserve indivisa.
2. O prazo fixado para a
indivisão da coisa não excederá cinco anos; mas é lícito renovar ests prazo,
uma ou mais vezes, por nova convenção.
3. A cláusula de indivisão
vale em relação a terceiros, mas deve ser registada para tal efeito, se a
compropriedade respeitar a coisas imóveis ou a coisas móveis sujeitas a
registo.
ARTIGO 1413º
(Processo da divisão)
1. A divisão é feita
amigavelmente ou nos termos da lei do processo.
2. A divisão amigável está
sujeita à forma exigida para a alienação onerosa da coisa.
CAPÍTULO VI
Propriedade horizontal
SECÇÃO I
Disposições gerais
ARTIGO 1414º
(Princípio geral)
As fracções de que um
edifício se compõe, em condições de constituirem unidades independentes, podem
pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal.
ARTIGO 1415º
(Objecto)
Só podem ser objecto de
propriedade horizontal as fracções autónomas que, além de constituírem unidades
independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma
parte comum do prédio ou para a via pública.
ARTIGO 1416º
(Falta de requisitos
legais)
1. A falta de requisitos
legalmente exigidos importa a nulidade do título constitutivo da propriedade
horizontal e a sujeição do prédio ao regime da compropriedade, pela atribuição
a cada consorte da quota que lhe tiver sido fixada nos termos do artigo 1418º ou,
na falta de fixação, da quota correspondente ao valor relativo da sua fracção.
2. Têm legitimidade para
arguir a nulidade do título os condóminos, e também o Ministério Público sobre
participação da entidade pública a quem caiba a aprovação ou fiscalização das
construções.
SECÇÃO II
Constituição
ARTIGO 1417º
(Princípio geral)
1. A propriedade horizontal
pode ser constituída por negócio jurídico, usucapião ou decisão judicial,
proferida em acção de divisão de coisa comum ou em processo de inventário.
2. A constituição da
propriedade horizontal por decisão judicial pode ter lugar a requerimento de
qualquer consorte, desde que no caso se verifiquem os requisitos exigidos pelo
artigo 1415º.
ARTIGO 1418º
(Conteúdo do título
constitutivo)
1. No título constitutivo
serão especificadas as partes do edifício correspondentes às várias fracções,
por forma que estas fiquem devidamente individualizadas, e será fixado o valor
relativo de cada fracção, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total
do prédio.
2. Além das especificações
constantes do número anterior, o título constitutivo pode ainda conter,
designadamente:
a) Menção do fim a que se
destina cada fracção ou parte comum;
b) Regulamento do
condomínio, disciplinando o uso, fruição e conservação, quer das partes comuns,
quer das fracções autónomas;
c) Previsão do compromisso
arbitral para a resolução dos litígios emergentes da relação de condomínio.
3. A falta da especificação
exigida pelo nº 1 e a não coincidência entre o fim referido na alínea a) do nº
2 e o que foi fixado no projecto aprovado pela entidade pública competente
determinam a nulidade do título constitutivo.
(Redacção do Dec.-Lei
267/94, de 25-10)
ARTIGO 1419º
(Modificação do título)
1. Sem prejuízo do disposto
no nº 3 do artigo 1422º-A, o título constitutivo da propriedade horizontal pode
ser modificado por escritura pública, havendo acordo de todos os condóminos.
2. O administrador, em
representação do condomínio, pode outorgar a escritura pública a que se refere
o número anterior, desde que o acordo conste de acta assinada por todos os
condóminos.
3. A inobservância do
disposto no artigo 1415º importa a nulidade do acordo; esta nulidade pode ser
declarada a requerimento das pessoas e entidades designadas no nº 2 do artigo
1416º.
(Redacção do Dec.-Lei
267/94, de 25-10)
SECÇÃO III
Direitos e encargos dos
condóminos
ARTIGO 1420º
(Direitos dos
condóminos)
1. Cada condómino é
proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes
comuns do edifício.
2. O conjunto dos dois direitos
é incindível; nenhum deles pode ser alienado separadamente, nem é lícito
renunciar à parte comum como meio de o condómino se desonerar das despesas
necessárias à sua conservação ou fruição.
ARTIGO 1421º
(Partes comuns do
prédio)
1. São comuns as seguintes
partes do edifício:
a) O solo, bem como os
alicerces, colunas, pilares, paredes mestras e todas as partes restantes que
constituem a estrutura do prédio;
b) O telhado ou os terraços
de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção;
c) As entradas,
vestílbulos, escadas e corredores de uso ou passagem comum a dois ou mais
condóminos;
d) As instalações gerais de
água, electricidade, aquecimento, ar condicionado, gás, comunicações e
semelhantes.
2. Presumem-se ainda
comuns:
a) Os pátios e jardins
anexos ao edifício;
b) Os ascensores;
c) As dependências
destinadas ao uso e habitação do porteiro;
d) As garagens e outros
lugares de estacionamento;
e) Em geral, as coisas que
não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos.
3. O título constitutivo
pode afectar ao uso exclusivo de um dos condóminos certas zonas das partes
comuns.
(Redacção do Dec.-Lei
267/94, de 25-10)
ARTIGO 1422º
(Limitações ao exercício
dos direitos)
1. Os condóminos, nas
relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às fracções que
exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas
aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis.
2. É especialmente vedado
aos condóminos:
a) Prejudicar, quer com
obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica
ou o arranjo estético do edifício;
b) Destinar a sua fracção a
usos ofensivos dos bons costumes;
c) Dar-lhe uso diverso do
fim a que é destinada;
d) Praticar quaisquer actos
ou actividades que tenham sido proibidos no título constitutivo ou,
posteriormente, por deliberação da assembleia de condóminos aprovada sem
oposição.
3. As obras que modifiquem
a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas
se para tal se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada
por maioria representativa de dois terços do vaslor total do prédio.
4. Sempre que o título
constitutivo não disponha sobre o fim de cada fracção autónoma, a alteração ao
seu uso carece da autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria
representativa de dois terços do valor total do prédio.
(Redacção do Dec.-Lei
267/94, de 25-10)
ARTIGO 1422º-A
(Junção e divisão de
fracções autónomas)
1. Não carece de
autorização dos restantes condóminos a junção, numa só, de duas ou mais
fracções do mesmo edifício, desde que estas sejam contíguas.
2. Para efeitos do disposto
no número anterior, a contiguidade das fracções é dispensada quando se trate de
fracções correspondentes a arrecadações e garagens.
3. Não é permitida a
divisão de fracções em novas fracções autónomas, salvo autorização do título
constitutivo ou da assembleia de condóminos, aprovada sem qualquer oposição.
4. Nos casos previstos nos
números anteriores, cabe aos condóminos que juntaram ou cindiram as fracções o
poder de, por acto unilateral constante de escritura pública, introduzir a
correspondente alteração no título constitutivo.
5. A escritura pública a
que se refere o número anterior deve ser comunicada ao administrador no prazo
de 30 dias.
(Aditado pelo Dec.-Lei
267/94, de 25-10)
ARTIGO 1423º
(Direitos de preferência
e de divisão)
Os condóminos não gozam do
direito de preferência na alienação de fracções nem do direito de pedir a
divisão das partes comuns.
ARTIGO 1424º
(Encargos de conservação
e fruição)
1. Salvo disposição em
contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do
edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos
condóminos em proporção do valor das suas fracções.
2. Porém, as despesas
relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante
disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria
representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos
condóminos em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição, desde que
devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua
imputação.
3. As despesas relativas
aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam
exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que dela se servem.
4. Nas despesas dos
ascensores só participam os condóminos cujas fracções por eles possam ser
servidas.
(Redacção do Dec.-Lei
267/94, de 25-10)
ARTIGO 1425º
(Inovações)
1. As obras que constituam
inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria
representar dois terços do valor total do prédio.
2. Nas partes comuns do
edifício não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por
parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns.
ARTIGO 1426º
(Encargos com as
inovações)
1. As despesas com as
inovações ficam a cargo dos condóminos nos termos fixados pelo artigo 1424º.
2. Os condóminos que não
tenham aprovado a inovação são obrigados a concorrer para as respectivas
despesas, salvo se a recusa for judicialmente havida como fundada.
3. Considera-se sempre
fundada a recusa, quando as obras tenham natureza voluptuária ou não sejam
proporcionadas à importância do edifício.
4. O condómino cuja recusa
seja havida como fundada pode a todo o tempo participar nas vantagens da
inovação, mediante o pagamento da quota correspondente às despesas de execução
e manutenção da obra.
(Redacção do Dec.-Lei
267/94, de 25-10)
ARTIGO 1427º
(Reparações indispensáveis
e urgentes)
As reparações
indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício podem ser levadas a
efeito, na falta ou impedimento do administrador, por iniciativa de qualquer
condómino.
ARTIGO 1428º
(Destruição do edifício)
1. No caso de destruição do
edifício ou de uma parte que represente, pelo menos, três quartos do seu valor,
qualquer dos condóminos tem o direito de exigir a venda do terreno e dos
materiais, pela forma que a assembleia vier a designar.
2. Se a destruição atingir
uma parte menor, pode a assembleia deliberar, pela maioria do número dos
condóminos e do capital investido no edifício, a reconstrução deste.
3. Os condómios que não
queiram participar nas despesas da reconstrução podem ser obrigados a alienar
os seus direitos a outros condóminos, segundo o valor entre eles acordado ou
fixado judicialmente.
4. É permitido ao alienante
escolher o condómino ou condóminos a quem a transmissão deve ser feita.
ARTIGO 1429º
(Seguro obrigatório)
1. É obrigatório o seguro
contra o risco de incêndio do edifício, quer quanto às fracções autónomas, quer
relativamente às partes comuns.
2. O seguro deve ser
celebrado pelos condóminos; o administrador deve, no entanto, efectuá-lo quando
os condóminos o não hajam feito dentro do prazo e pelo valor que, para o
efeito, tenha sido fixado em assembleia; nesse caso, ficará com o direito de
reaver deles o respectivo prémio.
(Redacção do Dec.-Lei
267/94, de 25-10)
ARTIGO 1429º-A
(Regulamento do
condomínio)
1 - Havendo mais de quatro
condóminos e caso não faça parte do título constitutivo, deve ser elaborado um
regulamento do condomínio disciplinando o uso, a fruição e a conservação das
partes comuns.
2 - Sem prejuízo do
disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 1418º, a feitura do regulamento compete
à assembleia de condóminos ou ao administrador, se aquela o não houver
elaborado.
(Aditado pelo Dec.-Lei
267/94, de 25-10)
SECÇÃO IV
Administração das partes
comuns do edifício
ARTIGO 1430º
(Órgãos administrativos)
1. A administração das
partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um
administrador.
2. Cada condómio tem na
assembleia tantos votos quantas as unidades inteiras que couberem na
percentagem ou permilagem a que o artigo 1418º se refere.
ARTIGO 1431º
(Assembleia dos
condóminos)
1. A assembleia reúne-se na
primeira quinzena de Janeiro, mediante convocação do administrador, para
discussão e aprovação das contas respeitantes ao último ano e aprovação do
orçamento das despesas a efectuar durante o ano.
2. A assembleia também
reunirá quando for convocada pelo administrador, ou por condóminos que
representem, pelo menos, vinte e cinco por cento do capital investido.
3. Os condóminos podem
fazer-se representar por procurador.
ARTIGO 1432º
(Convocação e
funcionamento da assembleia)
1. A assembleia é convocada
por meio de carta registada, emviada com 10 dias de antecedência, ou mediante
aviso convocatório feito com a mesma antecedência, desde que haja recibo de
recepção assinado pelos condóminos.
2. A convocatória deve
indicar o dia, hora, local e ordem de trabalhos da reunião e informar sobre os
assuntos cujas deliberações só podem ser aprovadas por unanimidade dos votos.
3. As deliberações são
tomadas, salvo disposição especial, por maioria dos votos representativos do
capital investido.
4. Se não comparecer o
número de condóminos suficiente para se obter vencimento e na convocatória não
tiver sido desde logo fixada outra data, considera-se convocada nova reunião
para uma semana depois, na mesma hora e local, podendo neste caso a assembleia
deliberar por maioria de votos dos condóminos presentes, desde que estes
representem, pelo menos, um quarto do valor total do prédio.
5. As deliberações que
careçam de ser aprovadas por unanimidade dos votos podem ser aprovadas por
unanimidade dos condóminos presentes desde que estes representem, pelo menos,
dois terços do capital investido, sob condição de aprovação da deliberação
pelos condóminos ausentes, nos termos dos números seguintes.
6. As deliberações têm de
ser comunicadas a todos os condóminos ausentes, por carta registada com aviso
de recepção, no prazo de 30 dias.
7. Os condóminos têm 90
dias após a recepção da carta referida no número anterior para comunicar, por
escrito, à assembleia de condóminos o seu assentimento ou a sua discordância.
8. O silêncio dos
condóminos deve ser considerado como aprovação da deliberação comunicada nos
termos do nº 6.
9. Os condóminos não
residentes devem comunicar, por escrito, ao administrador o seu domicílio ou o
do seu representante.
(Redacção do Dec.-Lei
267/94, de 25-10)
ARTIGO 1433º
(Impugnação das
deliberações)
1. As deliberações da
assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são
anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.
2. No prazo de 10 dias contado da deliberação, para os condóminos pres